Maria da Glória Colucci [1]
Não obstante, em sua dimensão conceitual apareça no
singular, o Texto Constitucional disciplina “as funções sociais da cidade”
(art. 182, caput), revelando que são diversas, a partir do Plano Diretor,
considerado o “instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão
urbana” (§ 1º, do art. 182, CF). [2]
À guisa de aproximação conceitual, a
“função social” da cidade pressupõe equilíbrio entre a estrutura (aspecto
estático do modelo urbanístico) e a função (a dinâmica ou modus
operandi daquele modelo).
O interesse público na urbanização
prevalece sobre o privado, mas não ao ponto de descaracterizar a “face urbana”,
tornando-a uma “caricatura” do que já foi em sua evolução como espaço
compartilhado por muitas gerações; como acontece em aplaudidas “intervenções
urbanas”, que retiram todo o passado de uma cidade, dando-lhe um traçado
moderno, porém dissociado de sua história…
Dentre os aspectos a serem levados em
conta, surge a destinação dos bens particulares, nem sempre condizente com o
planejamento urbano. A segurança e a saúde de seus habitantes, como acontece
com imóveis vazios, onde se escondem desocupados, ficam comprometidas pelo
abandono de seus proprietários, tornando-se “criadouros” de mosquitos e animais
pestilentos.
Deste modo, a segurança, que é
um direito de todos, mas ao mesmo tempo responsabilidade de cada um, fica
seriamente comprometida com a presença de terrenos baldios ou prédios abandonados
em logradouros públicos (art. 144, CF).[3]
José Afonso da Silva afirma que a
propriedade urbana deve respeitar o “complexo sistema da disciplina
urbanística”, subordinando-se ao interesse coletivo, predominante no
planejamento urbano.[4]
A mobilidade parece ser um dos
mais desafiantes problemas urbanos, sobretudo se se considerar que integra o
“bem-estar de seus habitantes”, porque a facilidade de acesso corresponde a um
dos direitos fundamentais, qual seja, o de locomoção, por qualquer meio lícito
admitido pela Lei (art. 5º, XV, CF).[5]
Harmonizar os interesses individuais e
coletivos não quer significar tão somente um belo traçado urbano, mas implica
em humanizar as condições de vida, preservar as tradições e a destinação
natural dos espaços urbanos.
Deste modo, a função social das
cidades pressupõe a presença de, no mínimo, três requisitos: mobilidade,
urbanização preservadora e segurança, dentre outros.
Por outro lado, os adensamentos
populacionais nas grandes cidades, em elevações, beiras de estradas de ferro,
rodovias e prédios desocupados, estão se avolumando como um problema ameaçador,
no mínimo, em relação à segurança e à moradia.
Casas feitas algumas de alvenaria,
construídas em barrancos, em despenhadeiros, na direção de pedras, que podem se
desprender a qualquer momento, representam uma pressão diária, como ameaças à
vida e patrimônio de seus moradores.
No entanto, os adensamentos
populacionais urbanos parecem aumentar a olhos vistos de autoridades, cidadãos
e turistas, como se fossem permitidos, apesar de serem construções irregulares.
Recentes desabamentos no Rio de
Janeiro colocaram diante de todos prédios construídos sem as mínimas condições
de segurança, sob o ponto de vista da Engenharia e da Natureza, de forma clandestina.[6]
A
Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas tem dentre seus Objetivos a
proposta de tornar as cidades mais inclusivas, seguras, resilientes e
sustentáveis (ODS 11); destacando-se, em contrapartida, a necessidade de
promover o crescimento econômico equilibrado dos seus moradores (ODS 8). [7]
Embora situada em ODS separados, a
ideia matriz comum é dar condições dignas de vida, saúde e dignidade a todos os
habitantes das cidades.
Apesar das políticas públicas em
mobilidade urbana, moradia e segurança ainda serem insuficientes face à demanda
contínua dos centros urbanos e suas periferias, a Lei Maior confere aos
Municípios a competência quanto à ordenação do “pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantia do bem-estar de seus habitantes” (art.
182, caput, CF). [8]
Por outro prisma, os adensamentos
urbanos representam um crescente desafio às autoridades públicas, em razão dos
frequentes conflitos gerados pela falta de moradia e as invasões de prédios
públicos e particulares desabitados.
As “milícias” dominam a vida, a
liberdade e o bem-estar dos cidadãos destes locais densamente habitados;
ocupando o espaço do Estado que, pela inércia e falta de fiscalização, não
garante a mobilidade e a segurança dos seus moradores.
[1] Advogada.
Especialista em Filosofia do Direito (PUC-Pr). Mestre em Direito Público
(UFPR). Professora aposentada da UFPr. Professora titular de Teoria do Direito
(UNICURITIBA). Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae. Membro do Instituto dos
Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro da
Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do
Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de
Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos do UNICURITIBA. Escritora e poetisa, com vários prêmios em textos
jurídicos e poéticos.
[4] SILVA,
José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5 ed. São Paulo: Malheiros Ed;
2008, p.79.
[6] BRASIL.
Desabamento no Rio: o que se sabe sobre o desastre na Muzema, zona oeste
carioca; disponível em https://www.bbc.com/portuguese/geral-47899484
[7] ONU.
Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável;
disponível em https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/
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