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15/06/2020

Em pauta: Bandeira Bran.. Laranja!


Bandeira Branca, Amor
Não Posso Mais
Pela Saudade
Que Me Invade
Eu Peço Paz (Bis)
Saudade Mal De Amor, De Amor
Saudade Dor Que Dói Demais
Vem Meu Amor
Bandeira Branca
Eu Peço Paz

Iniciamos nosso texto com a canção Bandeira Branca, outrora eternizada pela voz de Dalva de Oliveira, para elevarmos o significado da bandeira laranja içada por nosso município ao combate à crise sanitária que assola não apenas nossa cidade, mas o planeta em que vivemos. Acreditamos que as medidas são necessárias, porém insuficientes sem a solidariedade e respeito da população, bem como, sem o suporte governamental àqueles que suas condições de vida são de extrema vulnerabilidade social.
Neste sábado (13) a Secretária Municipal da Saúde de Curitiba Márcia Huçulak se manifestou sobre o crescente número de casos de covid-19 nas últimas semanas. Como resposta, hasteou a bandeira laranja em nosso município como política de enfrentamento da doença. E nós, do UNICURITIBA Fala Direito, que nos comprometemos em trazer a vocês questões e medidas importantes adotadas por nosso governo diante da pandemia, hoje falaremos sobre nosso município de Curitiba.
Em sua fala, a secretária apresentou a retomada de restrições frente o aumento considerável de casos positivos e de número de óbitos na cidade, lamentando a atitude dos cidadãos curitibanos neste período[1]. O município, em seu site, tem liberado um painel semanal desde 08 de maio sobre a evolução da doença. E, como podemos perceber acerca daquilo que foi notificado por nosso governo municipal, em um mês o número de acometidos por covid-19 mais que dobrou (em 12 de maio o número de casos da doença na cidade era de 759 e, em 12 de junho foram contabilizados 1.718 casos confirmados) e de óbitos quase triplicou (de 29 óbitos pelo vírus em 12 de maio, passamos para 74 óbitos em 12 de junho).



            Há muitos fatores que influenciam neste aumento, não apenas a falta de políticas sanitárias criteriosas e a responsabilidade de nossos agentes públicos com a seriedade da doença (caso inclusive lamentado pela comunidade internacional em relação ao posicionamento de nosso representante federal sobre tal). Há os que argumentam que agora o número de testagem aumentou, o que fez com que o número de casos positivos também crescesse quantitativamente. Mas, tal fator não invalida a preocupante presença da doença em nossa sociedade, na verdade, denuncia a sua manutenção que a prolifera e demonstra como ela é gerida pela falta de responsabilidade coletiva, política e econômica de nossa nação. Se a testagem aumentou, ótimo, pois um dos passos fundamentais para a melhor medida, em termos de políticas sanitárias, a ser adotada é o mapeamento do vírus.
            Outro ponto a se destacar é que não possuímos uma cultura de cidadania fraterna, ou seja, não compartilhamos do mesmo senso de responsabilidade privada (e particular) em âmbito público (comunitário e político). Como conseguimos transformar, enquanto sociedade, uma doença viral que não faz distinção de raça, credo, sexo, cor e língua em uma arma letal a uma parcela específica da população — a pobre, negra e marginalizada? A resposta pode estar não apenas nos sintomas históricos e sociais de nossa sociedade — a brutal desigualdade social de nosso país e a própria pandemia — mas no trauma que as causou. E aqui, enfatizo o que outrora Boaventura de Sousa Santos apontou em sua obra A cruel pedagogia do vírus[2], a pandemia e a desigualdade não são os traumas sociais e políticos de nosso país, mas sim aqueles três unicórnios poderosos e selvagens[3] que insistimos em saudar.
Mas, voltando ao nosso município, e a declaração de nossa secretária municipal da saúde, as bandeiras foram um modo de sistematizar as ações restritivas a serem adotas frente ao momento que vivemos. Composto por um sistema de três bandeiras (amarela, laranja e vermelha), estas orientam as medidas referentes ao nível de risco correspondente. A bandeira a ser adotada é escolhida conforme a média ponderada dos indicadores da doença em nossa cidade. E como nossos índices de contaminação e óbitos cresceram consideravelmente, passamos do estado de alerta para o de risco médio, e assim, uma nova bandeira foi hasteada.


Ao içar a bandeira laranja neste último sábado, o município alargou as restrições antes estabelecidas pela Resolução nº 01/2020[4] e apoiado pelo Protocolo Sanitário e Social. A referida resolução estabeleceu “medidas complementares de distanciamento social, relacionadas à circulação de pessoas em espaços abertos ao público, ou de uso coletivo, para evitar a propagação da infecção e a transmissão do Coronavírus”. Dentre elas, determinou como obrigatório o uso de máscara por toda a população em espaços abertos, públicos, de uso coletivo e comerciais. Além disso, estabeleceu medidas de higiene, e orientou o funcionamento de estabelecimentos comerciais e particulares direcionando protocolos específicos para cada segmento comercial. Nesta resolução a prefeitura suspendeu o funcionamento do sistema de buffet (self service) em restaurantes, lanchonetes, padarias e similares; a utilização de elevadores por mais de uma pessoa (exceto se pertencente a mesma família); e sugeriu que compras nos mercados, supermercados e hipermercados deveriam ser realizadas, prioritariamente, por uma pessoa, por família, evitando-se assim as aglomerações.
Cabe destacar que, nas últimas semanas de maio a Prefeitura de Curitiba anunciou a flexibilização[5] de medidas restritivas, determinando, por exemplo, a reabertura de bares, casas noturnas, academias e igrejas na capital. Aqui, pontuamos que tal flexibilização foi defendida outrora pela própria secretária municipal da saúde[6] que, como mencionamos, comunicou a intensificação das medidas restritivas neste sábado (13) lamentando o relaxamento da sociedade curitibana em todos os setores. Tal flexibilização gerou um efeito negativo em nossa população que voltou a caminhar nas ruas sem máscara e a postar nas redes sociais fotos de confraternizações de seus grupos sociais e familiares de forma irresponsável. A retomada de medidas restritivas (que podemos ver na tabela abaixo) demonstrou a insuficiência política e colaborativa de nossa cidade, evidenciando a falta de responsabilidade sistêmica tanto da esfera pública quanto da privada em nossa sociedade.

 

Portanto, vemos o quão necessário é a proliferação de práticas solidárias para contenção da doença. Isso, somado a necessidade de uma educação cidadã voltada não apenas para elevar o protagonismo dos cidadãos no exercício democrático, mas para a compreensão fraterna da vida em sociedade em que o direito à vida (no caso a sua e de seus irmãos concidadãos) seja resguardada. Com um Estado que de fato proteja sua população e forneça meios de sobrevivência digna aos esquecidos e desamparados, e uma sociedade composta por indivíduos que se preocupem mais com o bem coletivo que o individual, a bandeira branca pode vir a ser içada, de modo que, cesse a saudade de uma igualdade que nunca tivemos, e assim possamos salvar não apenas vidas, mas o real sentido de humanidade.


[1] Pronunciamento da Secretária Municipal da Saúde, Márcia Huçulak, em live sobre novas medidas de restrições correspondentes ao nível médio de risco. Disponível em : <https://www.facebook.com/PrefsCuritiba/videos/963672107395848>. Acesso em: 14.jun.2020.
[2] A obra foi resenhada em nosso blog, vide Me indica um livro: A cruel pedagogia do vírus.
[3] Governam o reino das causas, sendo eles o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado (SANTOS, Boaventura de Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020. p. 11).
[4] A Resolução nº 01/2020 regula as medidas complementares e obrigatórias para o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública, decorrente do novo Coronavírus e regulamenta o Decreto Municipal nº 470, de 26 de março de 2020.
[5] KOWALSKI, Rodolfo Luis. Com reabertura de Shoppings de Curitiba, Prefeitura promete fiscalização rigorosa. Curitiba: Bem Paraná, 2020. Disponível em: <https://www.bemparana.com.br/noticia/shoppings-da-capital-reabrem-com-cuidados-e-fluxo-menor#.XuaIe-d7nIU>. Acesso em: 13.jun.2020.
[6] PREFEITURA MUNICIPAL DE CURITIBA. Frente Nacional de Prefeitos propõe protocolo de flexibilização. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba, 23.abr.2020. Disponível em: <https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/frente-nacional-de-prefeitos-propoe-protocolo-de-flexibilizacao/55721>. Acesso em: 14.jun.2020. 

* Painéis semanais da Secretaria Municipal da Saúde sobre a evolução da Covid-19 em Curitiba: <http://www.saude.curitiba.pr.gov.br/vigilancia/epidemiologica/vigilancia-de-a-a-z/12-vigilancia/1507-boletins.html>. 
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09/06/2020

Me indica um livro: A Cruel Pedagogia do Vírus


Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.[1]

            Em abril deste fatídico ano de 2020, o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos publicou o livro A Cruel Pedagogia do Vírus[2]. Uma breve, porém densa, obra em que elencou lições que poderíamos tirar deste momento de pandemia global em que vivemos. O autor tentou nos trazer clareza sobre como contornar esta calamidade, mostrando que, para tal, depende-se muito mais de uma mudança estrutural na postura e pensamento da humanidade em relação ao mundo, do que apenas o combate à doença em si. Santos dividiu o livro em cinco capítulos, e destacaremos os pontos que julgamos mais importantes a serem refletidos.

Conhecimentos: conhecidos e desconsiderados
            O primeiro capítulo Vírus: tudo que é solido se desfaz no ar faz uma clara referência à obra Tudo que é sólido se desmancha no ar do filósofo estadunidense Marshall Berman[3] responsável por promover uma densa reflexão crítica da modernidade que, por sua vez,  retirou o título do Manifesto Comunista de Marx e Engels (citação da qual iniciamos este presente texto). E, tal propositura não poderia ser mais atual, pois nos situa diante da pandemia, evidenciando o enfrentamento inevitável de nossas estruturas sociais que, a cada dia, demonstram o quão suas bases são frágeis e ineficazes. Assim, o sociólogo português nos propôs retirar deste confronto com a realidade pandêmica — que denunciou os extremos e evidenciou nossas feridas sociais — alguns conhecimentos.
            O primeiro deles refere-se a crise enquanto normalidade, enfatizando que a instabilidade não é uma novidade do covid-19, pois vivemos em um estado permanente de crise desde a ascensão neoliberal do capitalismo na década de 1980. O sociólogo explicou que, por essência, crises são transitórias e passageiras, o que faz com seu status permanente seja paradoxal. Mas, quando se propõe a tal permanência, a crise passa de sintoma a ser curado para se tornar a doença causadora de todo sintoma subsequente. Basta olharmos para a contínua, e crescente, desigualdade social instaurada por um sistema econômico que legitima a concentração de riquezas e que nega, bem como contribui para o colapso ecológico que vivemos.
Outro ponto trabalhado é a sensação de segurança que é aniquilada pelo surto viral. Por se tratar de uma pandemia — ou seja, por compreender todo o povo —, o fato de haver alvos específicos não isenta a necessidade de uma comunidade solidária que demanda o isolamento coletivo. E, tal isolamento exigiu uma mudança abrupta na forma de consumir, trabalhar e conviver. Denunciando o que o Sousa Santos denominou de elasticidade social, comprovando que há alternativas às imposições do hipercapitalismo e que, infelizmente, ao invés de serem debatidas no âmbito político (que há muito foram expulsas da pauta de discussões), tais alternativas constantemente têm emergido de crises.
O autor apontou, ainda, que as medidas enérgicas impostas pelos Estados para controlar a disseminação do vírus, para muitos, foram tomadas como posturas antidemocráticas. No Brasil, tivemos grandes discussões sobre o tema dada a dissonância entre os governos estaduais e federal em relação a quais medidas seriam adotadas para o enfrentamento da epidemia e para a proteção da economia nacional. Além da importância colaborativa das esferas pública e privada, Sousa Santos ressaltou que a letalidade costuma ser menor em países democráticos que prezam pela transparência de informações aos seus cidadãos.
Como podemos notar, são conhecimentos que o Brasil, não tem aplicado (seja por falta de testagem, seja por falta de seriedade do governo federal com a pandemia e o número crescente de mortes que diariamente aumenta) demonstrando porque a credibilidade de nosso país é lamentável internacionalmente. É sabido que processos antidemocráticos têm sido cada vez mais frequentes em democracias já instauradas, e censurar o acesso à informação é uma das formas mais eficazes para questionarmos se de fato nosso Estado está sendo democrático. Para contribuir com tais incertezas, basta observarmos a Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020[4], que suspendeu os prazos de resposta da Administração Pública quanto aos pedidos de acesso à informação[5], ou mesmo, o nosso Ministério da Saúde que tem sido displicente quanto a divulgação de dados sobre casos e óbitos por covid-19[6] em nosso país.

Sobre os renegados do Sul
O sociólogo finalizou o primeiro capítulo falando da sociologia das ausências, que se destaca pelo protagonismo de pautas sobre a pandemia que acaba por criar sombras acerca de outros problemas que já existiam e que, com o covid-19, tiveram suas pautas de debate suspensas e suas demandas negligenciadas.

[...] os Médicos Sem Fronteiras estão a alertar para a extrema vulnerabilidade ao vírus por parte dos muitos milhares de refugiados e imigrantes detidos nos campos de internamento na Grécia. Num desses campos (campo de Moria), há uma torneira de água para 1300 pessoas e falta sabão. Os internados não podem viver senão colados uns aos outros. Famílias de cinco ou seis pessoas dormem num espaço com menos de três metros quadrados. Isto também é Europa – a Europa invisível. Como estas condições prevalecem igualmente na fronteira sul dos EUA, também aí está a América invisível. E as zonas de invisibilidade poderão multiplicar-se em muitas outras regiões do mundo, e talvez mesmo aqui, bem perto de cada um de nós. Talvez baste abrir a janela.[7]

Nesta esteira, no capítulo três, intitulado A sul da quarentena, o autor destinou-o para apontar os grupos de vulnerabilidade que, mesmo antes da pandemia, já sofriam com a exploração capitalista, a discriminação racial ou sexual (ou ambas), bem como as demais formas de dominação. Tais grupos tiveram suas necessidades potencializadas e violações agravadas, e Sousa Santos nomeou-os de Sul, sendo eles: as mulheres; os trabalhadores precários, informais, ditos autônomos; trabalhadores da rua, como vendedores ambulantes; a população em situação de rua e sem abrigos; os moradores das periferias pobres das cidades e favelas; como apontado anteriormente, campos de internamento para refugiados, imigrantes indocumentados ou populações deslocadas internamente; deficientes; idosos; população carcerária; e pessoas com problemas de saúde mental, a exemplo, a depressão.[8]

A pandemia enquanto uma alegoria
Três seres invisíveis e um quarto ser sem-abrigo transcendental, três reinos e três unicórnios. No segundo capítulo[9] da obra, o sociólogo nos apresentou a pandemia enquanto uma alegoria e nela o autor enfatizou como ela pode clarificar e materializar-se nos permitindo enxergar, interpretar e avaliar o “futuro da civilização em que vivemos”[10] que, do jeito que está, não parece ir nada bem.
A metáfora inicia-se com a apresentação dos três seres onipresentes e oniscientes, que pode ser grande como uma representação metafísica de divindade, ou pequeno como o próprio vírus, ou, ainda, disforme, como os mercados.

Apesar de omnipresentes, todos estes seres invisíveis têm espaços específicos de acolhimento: o vírus, nos corpos; deus, nos templos; os mercados, nas bolsas de valores. Fora desses espaços, o ser humano é um ente sem-abrigo transcendental. Sujeitos a tantos seres imprevisíveis e todo-poderosos, o ser humano e toda a vida não-humana de que depende não podem deixar de ser iminentemente frágeis.[11]

Sousa Santos situou os três seres invisíveis e imprevisíveis no reino da glória ou perdição infernal e só tem acesso a ele os mais santos, jovens e ricos. Abaixo situa-se o reino das causas habitado por três unicórnios[12] poderosos, dominadores e selvagens: o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. Estes, também são onipresentes nas relações humanas e invisíveis por conta de uma educação e doutrinação que alimentam suas existências.
Por fim, o sociólogo narrou o reino das consequências onde o poder dos poderosos invisíveis se manifesta tornando-se visível para grande parte da população. Nele duas paisagens se formam: “a escandalosa concentração de riqueza/extrema desigualdade social e a destruição da vida do planeta/iminente catástrofe ecológica”[13].

As lições da pedagogia do vírus
            Em sua análise, Sousa Santos enumerou algumas lições iniciais que podemos tirar deste período caótico, e a primeira delas referiu-se ao papel da política e sua mediação em relação as crises, e como o tempo e modo de atuação interferem de forma fatal na vida da população. No Brasil, em abril — período de publicação do livro —, o número de casos notificados eram de 6.932 e de óbitos era de 247. Hoje são 710.887 confirmados da doença e 37.312 mortes, com grandes problemas em relação a transparência dos dados por parte do governo federal, contribuindo com a desinformação e descaso da população com a seriedade da pandemia que só aumenta, e não diminui.
            A segunda lição ressaltou que há discriminação também em relação a ação pandêmica que, assim como as demais violências sofridas por aqueles nomeados outrora pelo filósofo argentino, Enrique Dussel, de oprimidos (mulheres, negros, indígenas, imigrantes refugiados, pobres, idosos e marginalizados), também segrega e mata. E nosso país demonstra com eficiência os males da discriminação potencializados nestes tempos de covid-19 em que empregadas domésticas não são dispensadas de seus ofícios em período de isolamento social e, quando o são, o afastamento se dá sem remuneração. Nesta seara, outra lição apontada pelo intelectual português diz respeito à vivacidade e ao reforço do colonialismo e patriarcado intensificados pela crise. Não trataremos aqui da dolorosa questão racial implícita neste câncer social chamado racismo e classismo que nosso país insiste em alimentar, para tal, recomendamos a leitura da matéria publicada neste último domingo (07) por nosso colega de redação Alan José de Oliveira Teixeira[14].
            A lição seguinte diz respeito ao modelo social falho que o capitalismo reitera não apenas diante de crises, mas em seu habitual modus operandi pautado na competição, sujeição e desigualdade. A obra de Sousa Santos enfatizou que pandemia iluminou, como um holofote em um palco em que a peça se chama “Os males do capitalismo”, a ascensão do mercado sobre os demais princípios de regulação das sociedades modernas — o Estado e a comunidade.

Possíveis soluções quase impossíveis...
            O último capítulo possui uma carga de esperança acerca de possíveis medidas a serem adotadas e das alternativas que a situação pandêmica mostrou em termos de consumo, produção e proteção ambiental. Mas, com lucidez, Sousa Santos relembrou que antes do vírus muitas manifestações acerca da desigualdade social e corrupção ocorriam no globo. E, destacou que, muito provavelmente, finalizada a quarentena os saques e protestos retornariam com grande força, uma vez que a crise potencializou a revolta e a pobreza, e vemos isso diariamente na mídia[15].
            O sociólogo afirmou a importância da cidadania organizada[16] em unir as questões relativas a processos civilizatórios com as pautas políticas, outrora separadas simbolicamente pela queda do muro de Berlim. Por processos civilizatórios o autor compreende o debate, reflexão crítica e ética acerca dos caminhos enquanto humanidade em relação a proteção e manutenção do ecossistema do global. Sem a seriedade e o debate na esfera pública e privada acerca de meios e alternativas ao sistema de produção predatório e compulsivo que vivemos este vírus será apenas o primeiro de outros que decretarão o fim de toda a vida em nosso planeta.
            E para a defesa da vida, os processos políticos precisam estar comprometidos com os processos civilizatórios, demandando uma ruptura epistemológica, cultural e ideológica. Mas a proposta de Sousa Santos pressupõe um esforço solidário, dialógico e fraterno em escala individual, social e política (municipal, estadual, nacional e internacionalmente), algo que — em meu humilde e desgostoso desabafo — temo não conseguirmos estabelecer.



[1] MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista, 1848. Porto Alegre: L&PM, 2009.
[2] SANTOS, Boaventura Sousa. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020. 33 p. [Imagem: capa da edição Boitempo]
[3] BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Editora Schwarcz, 1986. 385 p.
[4] BRASIL. Medida Provisória nº 928, de 23 de março de 2020. Brasília: Presidente da República, 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Mpv/mpv928.htm>. Acesso em: 05.06.2020.
[5] A suspensão, se aplica àquelas respostas que dependem de acesso presencial de agentes públicos para sua realização, bem como, aos setores e agentes envolvidos com as medidas de enfrentamento da emergência instaurada pela epidemia do coronavírus.
[6] MACHADO, D.; BRANT, D. Ministério da Saúde agora diz que vai publicar total de mortes e casos de Covid-19. Brasília: Folha de São Paulo, jun. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/06/ministerio-da-saude-agora-diz-que-vai-publicar-total-de-mortes-e-casos-de-covid-19.shtml>. Acesso em: 08.jun.2020.
[7] SANTOS, 2020, p. 8-9.
[8] Ibid., p. 15-21.
[9] A trágica transparência do vírus.
[10] Ibid., p. 10.
[11] Ibid, p. 11.
[12] A referência simbólica aos unicórnios por Sousa Santos se dá pela leitura de Leonardo da Vinci, que os compreendia como seres “destemperados, ferozes e incapazes de se dominar” (SANTOS, 2020, p. 11), porém, que sucumbem a astúcia daqueles que souberem identificá-los.
[13] Ibid, p. 13.
[14] TEIXEIRA, Alan J. de O. Opinião – Black Lives Matter, as duas pandemias e a luta que nunca acaba: sobre o que é importante. Curitiba: UNICURITIBA Fala Direito, 2020. Disponível em: <http://unicuritibafaladireito.blogspot.com/2020/06/opiniao-black-lives-matter-as-duas.html>. Acesso em: 07.06.2020.
[15] Na supervalorização do mercado ao invés de vidas humanas — pessoas, com famílias, vivências e sonhos — por parte das elites empresariais e do governo federal de nosso país; por como a pandemia pode estar sendo utilizada como instrumento genocida da população negra e pobre de nosso país; o descaso com a população carcerária que encontram-se em situação de alto risco de proliferação da doença; entre tantos outros males que sempre existiram e que, como já enfatizado neste texto insistentemente, estão em ebulição.
[16] “[...] partidos políticos, movimentos e organizações sociais, mobilizações espontâneas de cidadãos e cidadãs” (SANTOS, 2020, p. 30)
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