Mostrando postagens com marcador Direito Constitucional. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Direito Constitucional. Mostrar todas as postagens

11/10/2020

Acontece no UNICURITIBA: Grupos de pesquisa participaram na elaboração de parecer como amicus curiae no julgamento da ADPF 442

 

Por Nicoly Schuster. 

Mais uma vez, integrantes dos grupos de pesquisa do UNICURITIBA, em conjunto com o Instituto Mais Cidadania[i] participaram na elaboração de um parecer na qualidade de amicus curiae perante o Supremo Tribunal Federal. Os pesquisadores se dedicaram a estudar e elaborar teses sobre a ADPF[ii] 442, que trata da descriminalização do aborto até a 12ª semana.

A arguição foi apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o qual sustentou que a Constituição de 88 não poderia recepcionar os artigos 124 e 126 do Código Penal, que tipificam a conduta do aborto voluntário, por configurar afronta aos direitos de liberdade, dignidade da pessoa humana, à cidadania e à não discriminação das mulheres. O partido, ainda, requereu tutela de urgência para que fossem suspensas as prisões em flagrante, os inquéritos policiais, o andamento de ações penais e os efeitos de decisões judiciais que tenham aplicado os referidos artigos do Código Penal. Entretanto, o pedido foi indeferido pela ministra relatora Rosa Weber.  

Sendo o tema aborto tão relevante social, política e culturalmente, quanto mais subsídio para basear suas decisões os ministros tiverem, mais bem informado serão seus votos. A figura do amicus curiae possui, então, papel relevante para contribuir com esses julgamentos, na medida em que permite que estudos aprofundados sobre um tema integrem a ação constitucional. Na decisão que convocou entidades e organizações para audiência pública, a Ministra Rosa Weber[iii] exprimiu que  

À vista do quadro normativo desenhado, verifica-se que a questão da interrupção voluntária da gravidez nas 12 (doze) primeiras semanas envolve o espaço de conformação e incidência de diferentes valores públicos e direitos fundamentais. 13. A discussão que ora se coloca para apreciação e deliberação deste Supremo Tribunal Federal, com efeito, é um dos temas jurídicos mais sensíveis e delicado, enquanto envolve razões de ordem ética, moral, religiosa, saúde pública e tutela de direitos fundamentais individuais. A experiência jurisdicional comparada demonstra essa realidade. Assim, a complexidade da controvérsia constitucional, bem como o papel de construtor da razão pública que legitima a atuação da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, justifica a convocação de audiência pública, como técnica processual necessária, a teor do art. 6º, §1º, da Lei n. 9.882/99, e dos arts. 13, XVII, e 154, III, parágrafo único, ambos do RISTF.

Quando se trata do tema, é inevitável mencionar o caso Roe x Wade, no qual a Supreme Court analisou e estabeleceu parâmetros a nível federal sobre o aborto. Em 1973, a Corte Burger analisou a constitucionalidade de uma lei do estado do Texas — que proibia a conduta em qualquer caso exceto quando houvesse risco de vida para a gestante — e decidiu que o aborto seria permitido até o primeiro trimestre[iv] da gestação.

No Brasil, a primeira grande discussão sobre a matéria foi trazida pela propositura da ADPF 54, a qual estabeleceu que a mulher poderia escolher se vai ou não abortar, caso o feto seja diagnosticado com anencefalia. No julgamento, é importante ressaltar, não foi analisada a descriminalização do aborto, mas sim a incompatibilidade da criminalização em caso de feto anencéfalo. Portanto, aqui, não foi examinado o confronto do direito à vida com a liberdade de escolha da mulher, uma vez que não haveria vida para ser tutelada. Nesse sentido, o voto do ministro relator Marco Aurélio[v] 

Conforme demonstrado, o feto anencéfalo não tem potencialidade de vida. Trata-se, na expressão adotada pelo Conselho Federal de Medicina e por abalizados especialistas, de um natimorto cerebral. Por ser absolutamente inviável, o anencéfalo não tem a expectativa nem é ou será titular do direito à vida, motivo pelo qual aludi, no início do voto, a um conflito apenas aparente entre direitos fundamentais. Em rigor, no outro lado da balança, em contraposição aos direitos da mulher, não se encontra o direito à vida ou à dignidade humana de quem está por vir, justamente porque não há ninguém por vir, não há viabilidade de vida. Aborto é crime contra a vida. Tutela-se a vida em potencial. No caso do anencéfalo, repito, não existe vida possível.

O atual ordenamento jurídico brasileiro prevê que o aborto pode ser realizado nas seguintes hipóteses: gravidez resultante de estupro; quando não há outra forma de salvar a vida da gestante ou em caso de feto diagnosticado com anencefalia. Além dessas, existe a possibilidade do aborto eugênico, que se configura quando há pouca chance de sobrevida do feto devido a anomalias congênitas. Essa última não é prevista pela lei, mas é geralmente aceita pela jurisprudência, conforme se vê em algumas decisões judiciais que já têm permitido o procedimento, por exemplo, em casos de diagnóstico do feto com a síndrome de Edwards.

Mesmo nessas situações, nas quais o aborto é um direito, as mulheres enfrentam dificuldades para realizar o procedimento devido a fatores como a recusa dos médicos, a falta de informação sobre o direito que possuem e a estigmatização social que acompanha à prática pelo fato de ser, pela regra geral, um crime. Isso pode ser notado, por exemplo, no caso da criança de 10 (dez) anos violentada pelo tio desde os 6 (seis) anos de idade, que engravidou e teve que ser transferida para outro estado para realizar o aborto, pois a ministra Damares Alves expos o caso em suas redes sociais, acarretando numa comoção conservadora contra a realização do procedimento, obrigando a menina a eixar a sua cidade[vi].

A questão da descriminalização voltou a ser objeto de debate a partir da propositura da ADPF 442, exigindo que o Tribunal Constitucional analise, finalmente, se é possível que a mulher escolha se vai ou não realizar aborto, até a décima segunda semana da gestação. Para compreender um tema tão complexo e sensível é necessário ir além dos aspectos jurídicos e se debruçar sobre teorias da justiça e da argumentação, sobre o percurso da aquisição de direitos feministas, sobre a ótica médica relacionada ao procedimento, entre outros aspectos sociais, culturais e políticos. Foi com esse olhar multidisciplinar, abordando diversas perspectivas sobre o tema, que foi desenvolvido o projeto de trabalho pelos pesquisadores.   

Três integrantes dos grupos de pesquisa aceitaram compartilhar como foi a experiência de elaborar uma peça a ser submetida ao STF, em um dos julgamentos mais importantes já apresentados diante da suprema corte brasileira. Kamylla de Paula Padilha[vii], advogada e egressa da Unicuritiba, contou que se sente mais apta a seguir na carreira acadêmica e que definiu sua linha de pesquisa a partir da elaboração dos estudos para o parecer. Além disso, quando perguntada sobre a possibilidade de aplicar no parecer o conteúdo ministrado em aulas e as teorias estudadas nos encontros do grupo de pesquisa, ela disse que

“Quando estudamos na faculdade as possibilidades de admissão da ADPF, quem são os legitimados, quais são os requisitos etc., parece algo bastante distante, mas quando podemos estudar e fazer parte de um caso específico tudo fica mais claro.

Com relação ao grupo de pesquisa estou no segundo ano, e estudo o fenômeno de judicialização de casos que envolvem o Direito de minorias no Brasil, o assunto é bastante complexo e traz à tona uma série de problemas. Dessa forma, o parecer foi uma oportunidade de ver a realidade que líamos nos textos durantes os encontros.”

A acadêmica Nicolly Jacob Castanha[viii], também ressaltou que foi possível aplicar, em um caso prático, o conteúdo que aprendeu nas aulas sobre controle de constitucionalidade. Segundo ela:

“Acredito que essa seja a verdadeira magia de participar da confecção de um parecer como esse. É preciso, por exemplo, lembrar das saudosas aulas de direito Constitucional da professora Tanya e do Professor Luiz Gustavo, para entender, por exemplo, o porquê, é cabível, no caso em questão, a ADPF e não as demais ações em controle concentrado, ou, para compreender quais são os eventuais direitos fundamentais que podem estar sendo violados com a criminalização, ou ainda para se questionar qual é, verdadeiramente, o papel da Corte Constitucional.”

A acadêmica Bruna Maria Domingues Braga[ix], destacou que participar na elaboração do parecer permitiu a ela ampliar os estudos e a forma com a qual olha para um caso jurídico. Perguntada sobre como participar da confecção desses pareceres poderia refletir na sua vida acadêmica e profissional, respondeu que 

“Com toda certeza eu acho que isso influencia na vida acadêmica e profissional, porque, primeiramente, antes de ser um acadêmico, nós somos indivíduos, nós somos cidadãos e estamos incluídos em uma sociedade. Então, a partir do momento que a gente tem esse tipo de oportunidade acadêmica, conseguimos ampliar primeiramente os nossos estudos, a forma com a qual estudamos e vemos um caso. Isso vai refletir no profissional pelo fato de que a gente vai ter um olhar não somente jurídico, que é esperado de um jurista, mas também um olhar da sociedade, porque para além de juristas nós sempre estaremos tutelando o direito de alguém.”

Entretanto, a complexidade do tema se mostrou um desafio importante, já que foi preciso esmiuçar, por exemplo, conceitos de teorias da justiça e a jurisprudência do STF, bem como analisar ordenamentos jurídicos estrangeiros. Conforme apontado por Kamylla[x], foi desafiante compreender os contextos sociais e políticos dos diferentes países e sua legislação, assim como interpretar decisões judiciais estrangeiras, já que existiam poucas fontes oficiais disponíveis para pesquisa. Já a acadêmica Bruna[xi], asseverou que foi desafiador deixar as opiniões pessoais de lado e escrever um parecer técnico e imparcial, e apontou para a grande responsabilidade de atuar em um julgamento cuja decisão vai impactar de maneira tão significativa a vida de todas as pessoas. A acadêmica Nicolly, que também é monitora da disciplina de Direito Constitucional III, foi responsável por auxiliar os professores na organização final do parecer e apontou para a complexidade de compilar, em um texto único, os escritos de mais de dez pesquisadores[xii]. Apesar disso, a monitora destacou que todos os textos foram produzidos com muito comprometimento e, por isso, o resultado do parecer foi de excelência.        

A oportunidade de elaborar textos para serem apresentados perante um dos tribunais mais importantes do país é primordial para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos estudantes, além de permitir uma visão de mundo ampla e que vai além da mera interpretação e aplicação das leis. Permite que seja aprimorada a escrita e desenvolvida a pesquisa, a partir do aprofundamento sobre temas importantes que não são tratados em profundidade nas aulas, além de ser possível colocar a teoria em prática para resolver questões em casos reais, sobre assuntos de grande relevância social.  

Para saber mais sobre outras ocasiões nas quais os grupos de pesquisa participaram em julgamentos perante o Supremo Tribunal Federal e como se dá a escolha dos alunos para participar da elaboração dos pareceres, acesse aqui.   


[i] Presidido pelo professor Roosevelt Arraes e dirigido pelo professor Luiz Gustavo de Andrade, ambos integrantes do corpo docente do UNICURITIBA. 

[ii] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: espécie de ação de controle de constitucionalidade de caráter residual - própria para as hipóteses nas quais não cabe outro tipo de ação de controle - cabível contra atos do poder público que infrinjam preceitos fundamentais.

[iii] STF. Decisão da ministra Rosa Weber. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/AudnciaPblicaADPF442.pdf>. Acesso em 1º de outubro de 2020. 

[iv] Equivale, mais ou menos, à 24ª semana de gestação.

[v] STF. Voto do ministro relator Marco Aurélio. Disponível em:  <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/adpf54.pdf> Acesso em: 1º de outubro de 2020.

[vi] BRASIL ELPAIS. Menina de 10 anos violentada faz aborto legal, sob alarde de conservadores à porta do hospital. Disponível em:  <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-16/menina-de-10-anos-violentada-fara-aborto-legal-sob-alarde-de-conservadores-a-porta-do-hospital.html>. Acesso em: 1º de outubro de 2020.

[vii] Advogada e egressa do UNICURITIBA. 

[viii] Acadêmica do decimo período do curso de Direito. 

[ix] Acadêmica do sexto período do curso de Direito.

[x] Em entrevista ao UNICURITIBA Fala Direito.

[xi] Em entrevista ao UNICURITIBA Fala Direito.

[xii] Em entrevista ao UNICURITIBA Fala Direito.

Continue lendo ››

01/07/2020

Mulheres de Destaque: Tanya K. Kozicki de Mello, professora de Direito Constitucional e Chefe do Departamento de Direito Público do UNICURITIBA


Indiscutivelmente este foi um semestre desafiador, principalmente por conta da crise sanitária global que instaurou uma grande instabilidade em termos de saúde pública e exaltou verdades acerca da supremacia dos interesses econômicos e da desigualdade social que há muito cultivamos em nosso país. Mas, não podemos deixar o momento que estamos vivendo no afetar de forma a esquecer os bons exemplos de profissionais que nesta pandemia demonstram diariamente o seu papel social e transformador no mundo. Sim, os profissionais da saúde salvam nossos corpos e os profissionais da educação salvam a nossa alma ao cultivarem a curiosidade e o conhecimento em nós estudantes.
Por conta disso, retomamos nesta semana uma coluna muito cara em nosso blog. Com carinho, publicamos em nossa seção Mulheres de Destaque nossa homenagem a professora Tanya K. Kozicki de Mello, para agradecer, não apenas a ela, mas a todas as nossas professoras do UNICURITIBA que arduamente trabalharam neste semestre para que o ensino de qualidade chegasse em nossos lares, mostrando que além de amarem o magistério, acreditam verdadeiramente que a educação é fundamental, tanto por seu potencial transformador, como por seus efeitos em nossas vidas. E gostaria de destacar que tais efeitos vão muito além das salas de aula, eles nos moldam enquanto seres humanos.
A professora Kozicki de Mello ministra as inspiradoras aulas de Direito Constitucional II do Centro Universitário Curitiba. Seu domínio do conteúdo e reflexão crítica nos envolvem em suas aulas. Além disso, é daquelas professoras que fala dirigindo-se a nós, alunos, olhando em nossos olhos, com os nossos nomes na ponta da língua, para responder com muita generosidade todas as nossas dúvidas. Uma professora exemplar, de didática extraordinária e organização impecável. Ter aulas com a professora Tanya é um aprendizado para a vida, principalmente aos alunos que possuem como meta a vida na docência. E, nos 21 anos dedicados as aulas de Constitucional no UNICURITIBA, muitos dos professores que hoje são seus colegas outrora foram seus alunos, e a tiveram como exemplo e inspiração no magistério e na advocacia.
Em conversa com a professora, buscamos conhecer um pouco do início de sua trajetória acadêmica e como trilhou os caminhos da pesquisa e da docência. Ela nos compartilhou que sempre teve certa facilidade em se expressar e em argumentar e, além disso, teve sua irmã mais velha como um exemplo motivador. Kozicki de Mello iniciou na docência ministrando aulas de inglês concomitantemente ao seu ingresso na graduação de Direito na Universidade Federal do Paraná, período em que a Constituição Cidadã completava dois anos. Teve como palestrante da aula magna de seu ano um grande constitucionalista, o atual ministro do Supremo Tribunal Federal e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o jurista Luís Roberto Barroso. Relembrou, também, que foi um período de grandes discussões na academia uma vez que se tratava de um momento de enorme repercussão nacional, o confisco realizado pelo Presidente Fernando Collor de Melo, em que o instituto da medida provisória era algo novo no ordenamento jurídico brasileiro e suas implicações e amplitude ainda eram desconhecidas.
            Ao longo da graduação, procurou sempre ser uma estudante ativa nas atividades e eventos da universidade, e foi bolsista CAPES nos dois últimos anos de seu curso pelo grupo PET (Programa de Educação Tutorial), um programa de iniciação científica que se dá de forma individual e coletiva com a orientação de um professor que, à época, foi iniciado sob a tutoria da professora Maria de Lourdes Seraphico Peixoto. Para a professora Tanya, participar deste programa apurou consideravelmente seu interesse pela pesquisa e a academia.
Quando iniciou o magistério no UNICURITIBA, ingressou como professora da disciplina de Direito Constitucional e, em 2003, a convite do então coordenador e professor da Faculdade de Direito de Curitiba, Daniel Ferreira, e do ex-Diretor Luís Cesar Esmanhotto, a professora assumiu a chefia do Departamento de Direito Público do curso de Direito da instituição, passando a integrar a coordenação. A época possuía uma advocacia mais intensa, e quando questionamos como administrava todas estas funções de forma exemplar, respondeu que acredita que quando encontramos a nossa própria vocação a organização se torna facilitada.
Cinco anos após a nomeação de Chefe do Departamento de Direito Público no UNICURITIBA, Kozicki de Mello retomou suas investigações acadêmicas – na área do Constitucionalismo e a Democracia –, ingressando no mestrado em Direito Econômico e Socioambiental na PUCPR. Suas primeiras investigações foram no Direito Administrativo e eram de caráter mais dogmático, período em que foi aluna do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, Roque Antonio Carrazza, Paulo de Barros Carvalho e Elizabeth Nazar Carrazza, na PUCSP. Mas, no mestrado, caminhou para uma área da Teoria Constitucional e da Filosofia Política – estreitando os laços com as obras de autoras como Hannah Arendt e Chantal Mouffe –, considerando um momento importante em sua vida acadêmica pois permitiu ampliar o seu vocabulário e olhar sobre o mundo.
Certa vez, a redatora que vos escreve, estava sentada na primeira carteira da aula de Constitucional II, e a professora Tanya propunha uma interpretação de uma pintura do artista paranaense Carlos Eduardo Zimmermann em diálogo com o conteúdo trabalhado na disciplina. Ali percebi a extensão de sua sensibilidade crítica e visual. Além nutrir na arte uma paixão, Kozicki de Mello pratica golfe, e nesta entrevista revelou a contribuição de ambos em sua vida. Para ela a arte e o golfe estão intimamente ligados à contemplação daquilo que é belo – seja diante de uma obra de arte ou de uma melodia, seja frente a paisagem de um campo de golfe em que observa a mudança de tons que a passagem das estações denuncia –, provocam na professora momentos de apreciação e reflexão.
Ao falar sobre a importância da arte, citou como referência o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar: “A arte existe porque a vida não basta”. E, acerca do esporte que pratica desde 2015, a professora apontou características do jogo em si que vão além da contemplação, alcançando a esfera da reflexão sobre a moral, ou seja, da Ética.

"Se costuma dizer que para se conhecer bem uma pessoa, basta jogar uma rodada de golfe com ela, pois o golfe possui este condão de revelar muito de como as pessoas são e como se comportam na vida. [...] É um esporte que, em última análise, não tem juiz. Dependendo da situação que você se encontrar, você pode, inclusive, não noticiar que cometeu uma infração. E isso é uma coisa que talvez só você saiba. Mas, como é um jogo onde você joga contra você mesmo, e contra o campo, é o tipo de trapaça que jamais faz sentido, pois isso significaria trapacear-se."[1]
           
            Quem já teve a oportunidade de ser aluno da professora Tanya, ou mesmo colega de magistério, consegue identificar com clareza tais elementos de sua vida na forma de conduzir profissionalmente sua carreira e funções. Esta homenagem do Blog UNICURITIBA Fala Direito à professora Tanya K. Kozicki de Mello é para agradecer por toda sua dedicação, sensibilidade e postura profissional e ética em tudo que se propõe a fazer. Por isso, é uma mulher de destaque em nossa instituição e um exemplo a ser seguido.
           
     



[1] Professora Tanya K. Kozicki de Mello em entrevista para o Blog UNICURITIBA Fala Direito.
Continue lendo ››

29/03/2020

Em pauta: De quem realmente é a competência para decidir sobre a quarentena?




Por Beatriz Duma de Oliveira*

Na terça-feira, 24 de março, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, fez um pronunciamento oficial que causou grande comoção Brasil afora. O Presidente defendeu o fim de medidas restritivas, como a quarentena decretada pelo governador de São Paulo, para conter a transmissão local do novo Coronavírus. No dia seguinte, as reuniões entre Presidente e governadores dos estados foi marcada por diferenças quanto à adoção de medidas restritivas. Nesse cenário, surgem dúvidas como: Quem tem competência para decretar quarentena? E é possível que algum órgão ou ente possa suspendê-la?

Para responder essas questões conversei com Luiz Gustavo de Andrade, professor de Direito Constitucional na Unicuritiba. Ele me explicou que, primeiramente, precisamos entender como funciona o Pacto Federativo no Brasil. 

Pela Constituição de 88, são entes da federação: a União (ou Governo Federal), os estados, municípios e o Distrito Federal. Cada um desses entes possui competência para exercer algumas funções. Os serviços postais e a emissão de moeda, por exemplo, são competências exclusivas da União. Ou seja, estados e municípios não podem criar seu próprio serviço de Correios ou sua própria moeda. 

Mas também existem funções que são de competência comum entre os entes da federação, como é o caso da educação e da saúde - sendo a última prevista no artigo 23, II da Constituição. Portanto, tanto o Governo Federal, quanto o Estadual e o Municipal não só podem como devem prestar serviço de saúde para a sua população. Contudo, a Constituição não elencou qual área da saúde cada ente federado deve atuar preferencialmente. Dessa forma, todos prestam serviço e tem competência para tomar as medidas cabíveis para a promoção da saúde, em suas várias formas. Além disso, de acordo com o artigo 24, XII da Constituição, tanto a União quanto os estados podem legislar sobre a saúde de forma concorrente, ou seja, o Governo Federal edita normas gerais (§1°), e os governos estaduais particularizam essas normas à sua localidade, sem contrariá-las (§2°).

Essas noções de Direito Constitucional são necessárias para compreendermos como um estado pode atuar na questão da saúde nessa pandemia da Covid-19. Além de criar leis locais, os estados podem usar de um instrumento chamado "Decreto Executivo", que é uma ordem editada pelo chefe do executivo no nível estadual - o governador - que versa sobre ações administrativas. 

Por via de decreto, um governador pode, por exemplo, suspender as aulas em escolas e fechar alguns estabelecimentos, com objetivo de evitar a transmissão do novo Coronavirus. Porém, como é uma ordem editada pelo poder Executivo, um decreto não pode trazer nenhuma medida que não esteja prevista em lei - tendo em vista que, pela Tripartição de Poderes, cabe ao Legislativo criar normas jurídicas, e ao Executivo, executá-las. Não poderia, por exemplo, um decreto criar e impor um tributo que não estivesse previsto em legislação, pois vimos que o decreto não pode inovar no mundo jurídico.

Sintetizando os conceitos apresentados, para verificar se decretos estaduais são válidos no que diz respeito à questão da saúde, precisamos a) ver se os dispositivos nele presentes possuem base legal, pois os decretos são atos normativos secundários, ou seja, estão abaixo da lei, e não podem criar algo que já não exista nela; b) verificar se contrariam as normas gerais determinadas pela União, conforme artigo 20, § 2º, da Constituição. Toda essa linha de raciocínio serve para entendermos por qual razão o decreto do estado de São Paulo[1], que determinou a quarentena, é ilegal. E como outros decretos estaduais podem sofrer do mesmo status.

O decreto editado por João Dória não é contrário às normas gerais estabelecidas pela União. Na Lei n° 13.979/2020[2], artigo 2º, II, é permitido declarar quarentena em razão da disseminação do novo Coronavírus. E no parágrafo 7º, II do mesmo artigo, determina-se que os gestores locais (como prefeitos e governadores) podem adotar essa medida de restrição, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde. Também reafirma essa questão a Portaria n° 356 de 11/março/2020[3], do Ministério da Saúde, no artigo 4º, §1º prevê que a quarentena pode ser adotada mediante ato administrativo formal, por órgãos federais, estaduais e municipais de saúde. Nesse aspecto, o decreto do Governador é válido. A questão problemática é que, para que o decreto de quarentena fosse legal, deveria existir uma lei estadual que regulamentasse como a quarentena aconteceria. Essa lei não existe e, ao que tudo indica, nenhum estado do Brasil criou uma lei sobre essa questão. 

O que vemos, portanto, é um grande problema jurídico, pois os decretos tanto de São Paulo como de outros estados podem ser anulados por inovarem no mundo jurídico sem previsão legal, ou seja, maculados por uma ilegalidade. No entanto, caso decretada a nulidade da medida de quarentena, o efeito pode ser um maior número de infectados e mortos pelo novo Coronavirus, além da sobrecarga do Sistema de Saúde das localidades afetadas. Ressalto, para esclarecer, que caso houvessem leis estaduais regulamentando a quarentena, que foi permitida por lei federal, esses decretos estariam dentro da legalidade.

O problema, no entanto, não é apenas esse. Como a Lei 13.979/2020 permite a quarentena apenas com autorização do Ministério da Saúde, o chefe do Executivo em nível federal, Presidente Jair Bolsonaro, caso queira intervir nesse Ministério, pode acabar com as quarentenas que já estão acontecendo, as desautorizando. Por essa razão, mesmo se os decretos fossem válidos, as quarentenas poderiam ser suspensas, já que dependem de uma validação do Governo Federal.

Essa centralização de poder nas mãos da União, reforçada pela Medida Provisória 926 de 20/março/2020[4], fere a autonomia dos estados em cuidar da saúde de sua população frente à pandemia, porque os incapacita de tomar medidas, como a quarentena, caso haja discordância de opinião do Governo Federal.

Sobre a referida MP, o ministro do STF Marco Aurélio reafirmou que os estados e municípios tem poder para tomar medidas de proteção à saúde, já que é competência comum dos entes da federação. Contudo, não declarou nula a MP, que possui o caráter centralizador já mencionado. Ainda sim, faz-se necessária a lei local e não apenas um Decreto.

Para evitar o “caos social”, o secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabardo Reis, em coletiva de imprensa no dia 26/03, disse que a população deve seguir as normas previstas no seu município, sejam elas medidas restritivas, no caso de quarentena, ou o isolamento social aconselhado pelas autoridades locais. Vale lembrar que compete aos Municípios a edição de normas acerca dos interesses locais - art. 30, I, da Constituição.

Vemos, nesse cenário atual, como o Direito não está preparado para lidar com essa situação, na qual a população, os especialistas e os órgãos nacionais e internacionais defendem a adoção de medidas como a quarentena. Entretanto, para que os decretos estaduais estivessem em conformidade com o Direito, seria necessário esperar a conclusão do processo de criar, debater, votar e aprovar uma lei estadual. Esse processo legislativo demora mais do que o tempo que temos para tomar medidas, de forma que possam diminuir a transmissão comunitária do vírus, que ameaça todo o corpo social.

O que se conclui, portanto, é que, quando superada essa terrível pandemia, será preciso repensar nosso pacto federativo.  Neste caso particular, a divergência de opinião entre a esfera federal, que centraliza muito poder, e as esferas estaduais e municipais, pode gerar muitas mortes e o colapso do sistema de saúde nas localidades mais afetadas.





*Beatriz Duma de Oliveira é aluna do 3° período de Direito, apresentadora do Talks Channel e integrante do grupo de pesquisa "Criminologia - Cultura, Violência e Desigualdade" e voluntária no projeto "Formação Constitucional nas Escolas" - além de integrante da equipe de 2020 do Blog Unicuritiba Fala Direito. 

Continue lendo ››