Mostrando postagens com marcador Direito e Cinema. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Direito e Cinema. Mostrar todas as postagens

11/07/2019

Me indica um filme: Milada - a história de uma mulher que serve de inspiração aos juristas





           
Estou a cair, a cair. Perdi esta batalha. Parto com honra. Amo este país, amo este povo, deem-lhe uma vida boa. Parto sem vos odiar. Quero que o saibam…,  quero… (HORÁKOVÁ, 1950)

            A película Milada de 2017, dirigida por David Mrnka, traz a biografia de Milada Horáková que foi uma incansável ativista dos Direitos Humanos, defensora do movimento feminista, militante política e advogada em seu país, a então Checoslováquia. O filme dedica-se a nos contar dois momentos marcantes na trajetória de vida da protagonista e do contexto histórico-político do país em que Horáková nasceu e amou por toda sua vida.
Num primeiro momento nos é mostrado a postura da ativista contra o regime totalitário nazista e sua atuação ao lado da resistência contra a ocupação de seu país. Em 1940, Horáková foi presa pela Gestapo, retornando para casa apenas no final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Foi eleita deputada, devido sua alta popularidade em defesa de direitos fundamentais como pensão alimentícia, aposentadoria e salários iguais sem distinção de gênero. Mas, foi um mandato exercido por um breve período. Com a tomada de poder do Partido Comunista, Milada optou por renunciar seu cargo no parlamento dada a pressão que sofria em se alinhar a ideais dos quais discordava. Foi perseguida, presa e sentenciada a morte num julgamento espetáculo utilizado para fortalecer, no imaginário da população, o discurso de que os soviéticos estavam salvando a nação de traidores da pátria.
Entre adversidades políticas e a fidelidade às suas convicções, o filme retrata também a relação de Horáková com sua família. Em especial, o apoio de seu marido e o vínculo com sua filha Jana, que teve acesso às cartas da mãe quarenta anos após a execução de Milada, que ocorreu em 27 de junho de 1950. Elas foram escritas no período em que a militante esteve presa em Pankrác.

Aprende, minha filha, a olhar desde cedo para a vida como um assunto sério. A vida é dura, não é meiga para ninguém, e de cada vez que te ataca inflige-te dez golpes. Habitua-te a isso desde cedo, mas não permitas que isso te derrote. Luta. Sê corajosa e tenha objetivos claros, pois assim triunfarás na vida. (...) É evidente que só encontrarás a resposta certa e verdadeira se aprenderes muito, muito mesmo. Não apenas nos livros, mas com as pessoas: aprende com toda a gente, seja qual for a sua condição! Percorre o mundo de olhos abertos, e dá ouvidos não aos teus anseios e interesses apenas, mas também aos sofrimentos, aos interesses e aos anseios dos outros. Nunca penses que um assunto nada tem a ver contigo. Não, tens de te interessar por tudo, e deves refletir sobre tudo, comparar, enquadrar fenômenos individuais. Um ser humano não vive sozinho no mundo: aqui reside uma grande fonte de alegria, mas também uma tremenda responsabilidade. A primeira obrigação consiste em não pensar apenas em si próprio nem agir para si, mergulhando antes nas carências e nos objetivos dos outros. Tal não significa perder-se na multidão, mas perceber que somos parte de um todo e dar o melhor de nós à comunidade. Se o fizeres, estarás a contribuir para os objetivos comuns da sociedade humana. (HORÁKOVÁ, 1950)

Milada é um drama que relata a trajetória de uma mulher forte e inspiradora, que deixou como legado na história de seu país a luta pelos direitos das mulheres e a defesa da democracia em períodos de forte opressão. Mas, além de todos os motivos já apresentados nesta resenha para se assistir este filme, aos leitores estudantes de Direito, atentem-se à motivação de Horáková que a manteve lutando nos momentos mais difíceis. Seus passos só foram eternizados e possíveis de serem caminhados por conta de seu profundo conhecimento jurídico e amor por seu país, que a permitiu salvar vidas e construir sua sólida convicção sobre o que seria justiça, liberdade de consciência e igualdade.
Milada se manteve firme e fiel aos seus princípios. E, acredito que este seja o maior ensinamento que o filme pode nos proporcionar: honrar nossos ideais, lutar por direitos fundamentais que garantam uma vida digna para todos, e guiar nossas ações e palavras de forma ética, defendendo aquilo que compreendemos como justiça e verdade.



MILADA. Direção de David Mrnka. República Checa e EUA: Loaded Vision Entertainment, 2017. Netflix (124 min.).


Continue lendo ››

29/04/2019

Me indica um filme? - 12 homens e uma sentença









Beatriz Andretta e Maria Vitoria Sabino
Acadêmicas do Primeiro Período de Direito do UNICURITIBA

O filme “12 homens e uma sentença", que se passa em uma sala do júri de um tribunal americano na cidade de Nova Iorque, baseia-se em um caso de assassinato (supostamente) executado por um garoto de 18 anos; ele teria esfaqueado seu pai dentro de seu apartamento. O caso foi encaminhado por um Tribunal do Júri, o qual, formado por 12 homens, teria que seguir a determinação do juiz de, unanimemente, condenar ou absolver o réu à cadeira elétrica. 

Logo nas primeiras cenas, pode-se notar o grau de grandiosidade atribuído ao Tribunal; visto em seu plano superior, a câmera desce, lentamente, passa pela audiência e, por fim, concentra-se no rosto do acusado, angustiado. É o único momento em que vê-se sua face.

Em seguida, os doze  jurados entram na sala de votação, para que o dispositivo institucionalizado possa se concretizar. Onze deles, votam pela culpabilidade do jovem, enquanto somente um (jurado #8) – impelido pela clemência cabida e pautado em elementos lógicos – votou pela sua inocência; prezava por uma dúvida racional e um debate mais bem elaborado, haja vista que a maioria julgava com pressa e sem um profundo embasamento, além de não estarem focados. Nos termos expostos por Hans Kelsen: as relações fáticas, do ponto de vista jurídico, não se ligam ao princípio da causalidade, mas sim ao da imputação. Assim, conforme à postura do jurado #8, não é o fato em si de o garoto ter cometido o homicídio que o constitui pela norma jurídica, mas a possibilidade de um órgão competente verificá-lo.

Durante a argumentação, um dos jurados utiliza-se do perfil do garoto e de sua vivência para embasar seu posicionamento pró-condenação; o menino, que teve sua infância marcada pela morte precoce da mãe e prisão do pai e, desde muito cedo, esteve inserido em um contexto de violência, por esse viés discriminatório atrelado à visão determinista, só poderia ser um criminoso. Baseando-se nisso, foi tipificado pelo jurado como um culpado incontestável. Além disso, o seu histórico criminal já continha um roubo de carro com 15 anos, duas detenções por brigas com faca e uma retenção no juizado de menores por jogar uma pedra no professor, corroborando a argumentação a favor de sua punição. 

            Analisando sequencialmente os fatos, o júri recorda o suposto desencadeamento do caso: uma discussão entre pai e filho por volta das 20h. Segundo o testemunho do réu, seu pai o teria socado duas vezes naquela noite. Entretanto, esse tipo de agressão sempre foi recorrente em sua vida; defendia-se com os próprios punhos desde os 5 anos de idade. Assim, a partir dessa análise, aqueles que haviam votado a favor de sua condenação acreditavam que esse teria sido o motivo do assassinato, principalmente, é claro, pelo fato de o acusado ser morador da favela. 

Nesse momento, percebe-se um preconceito por parte desses jurados, uma vez que fundamentam seu posicionamento em critérios deterministas. Descrevem a favela como um ambiente de sujeitos imundos, insignificantes e, sobretudo, que representam problemas em potencial para a sociedade. Ademais, não por coincidência, o jurado, especificamente, que anteriormente relatava seus problemas particulares com seu filho adolescente, atribui à geração do garoto um caráter desrespeitoso, especialmente para com seus pais – um agravante para o comportamento que lhe incumbiria a responsabilidade pelo homicídio. 

Diante disso, o jurado #8 utiliza-se do encadeamento lógico de ideias e consegue estabelecer uma dúvida razoável e, alguns, têm sua certeza desestabilizada. O clima a ser construído é de uma discussão polarizada, repleta de angústia e dúvida, evidenciando a fragilidade da justiça e a imprescindibilidade da imparcialidade. Em suma, a justiça, como parte do meio social, reflete estereótipos dos quais deveria abster-se.

Perturbados pelo calor, seguem a discutir a cronologia dos fatos entre brigas e constante irritação, que certamente não colaboram com a progressão do julgamento. Sem demora, o júri decide por uma nova votação e, não surpreendente na perspectiva lógica, o grupo dos jurados a favor da absolvição do caso aumentara (como só aumentará até o final do filme). À vista disso, infere-se que o preconceito e o julgamento precipitado só levam o homem ao erro; nesse contexto, à condenação de um ser inocente pela falta de clareza dos fatos.

Por fim, o terceiro jurado, que até então impunha-se severamente em vista da condenação do jovem e parecia irredutível em seu parecer, muda de posição e revela sua fragilidade pessoal: o trauma de ter sido agredido e abandonado por seu filho. Extremamente passional, ele projetava a figura de  seu próprio filho no garoto latino e, por meio de um processo psicológico complexo, ele condenava seu filho e não o acusado.

Pela análise do filme, atrelada à noções teóricas dos campos do Direito e da Filosofia, ficou demonstrado que a decisão jurídica não se resume a um silogismo, que se restringiria à exposição declaratória e mecanicista da norma geral, mas por um discurso hermenêutico complexo, resumido pela ideia de “fato juridicamente comprovado”. Jamais saberemos se o garoto matou ou não seu pai; há uma lacuna impedindo que a verdade factual seja captada pelo Direito. 

Mais que isso, apesar da trama envolvendo os doze jurados, o réu, as testemunhas e todas as suas realidades conturbadas, a discussão transpõe o íntimo das personagens, inserindo frases, pensamentos e reflexões riquíssimas no meio da narrativa. O que nos leva ao aspecto instigante do filme: ficamos presos e angustiados na sala do júri, comparamos os discursos, colocando-nos quase na posição de analistas psicológicos dos personagens e percebemos, de forma semelhante ao que acontece na realidade concreta de um julgamento, que as narrativas são contraditórias e discordantes entre si. E é justamente essa experiência zetética que prende nossa atenção, a fim de assimilarmos todas as intrínsecas relações entre a verdade e a justiça no processo judicial, presentes tanto no filme, como além das telas.



Continue lendo ››