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27/03/2021

Em pauta: O encarceramento feminino no Brasil

Por Rafaella Pacheco.


“Nunca se esqueça que basta uma crise política,
econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres
sejam questionados. Esses direitos não são permanentes.
Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”
[Simone Beauvoir]
 

           Certa vez, passando pela frente de um sebo, o livro Prisioneiras de Drauzio Varella me chamou até ele. Levei essa conversa para casa, pois havia recentemente lido Quarto de Despejo: diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus, e a temática sobre as condições de vidas femininas no Brasil foi cada vez mais crescente em meu repertório.

           Carolina, na década de 1950, compartilhou em sua obra seus relatos como mulher, negra, catadora de papel, da favela e as situações que viveu, enfrentou, bem como, suas indagações e reflexões diante do difícil cenário político, econômico e opressor que vivera. Por meio de uma identidade literária única e íntima, em seu diário cultivado por anos a fio na esperança de ser publicado um dia, nós temos o retrato de uma mulher que continuamente afirmava viver num cômodo da cidade destinado aos dejetos, o quarto de despejo da sociedade paulistana: a favela.

            Já em Prisioneiras de Varella não encontramos mais um cômodo, em que o que não se quer ver é fechado num quarto (que poderíamos situar geograficamente naquele quartinho minúsculo que está para além da área de serviço) e que é aberto com o raiar do sol para a manutenção dos demais cômodos da casa. A obra de Drauzio nos apresenta o que está trancado para o lado de fora, à margem e inacessível a casa: a penitenciária feminina. E aqui, determinamos em específico as penitenciárias femininas pois , como o médico e escritor bem pontuou em sua experiência enquanto observador da realidade daquele espaço, as mulheres praticamente não recebem visitas. Logo, aqueles que residem na casa, mesmo que no quarto de despejo, não levam um pedaço do lar para as mulheres em cárcere. O afeto não chega até elas, elas são esquecidas e rejeitadas. Já em penitenciárias masculinas o dia de visitas é contemplado por filas enormes de mulheres ansiosas para ver seus filhos e esposos.

          Neste mês de março o documentário Flores do Cárcere dirigido pela cineasta Barbara Cunha foi lançado na plataforma digital Now. E, assim como em Prisioneiras, denuncia a realidade por trás das grades das penitenciárias femininas. Cenas de precarização da vida da mulher em cárcere são apresentadas através dos relatos das experiências vividas pelas ex-detentas. O documentário além de retratar o interior do cárcere, também apresenta as dificuldades vividas na reinserção social pós privação da liberdade. E o que vemos é o peso da desigualdade de gênero quando se trata do acolhimento dessas mulheres durante o cumprimento de pena e depois dele.

        Conforme a segunda edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres, de 2018, dos doze países com maior população prisional feminina do mundo, o Brasil ocupava o quarto lugar com 42.355 mulheres privadas de liberdade, atrás apenas dos Estados Unidos, Rússia e China. O estado de São Paulo possui a maior concentração de mulheres privadas de liberdade (15.104), seguido de Minas Gerais (3.279) e Paraná (3.251).

Foi analisada também a evolução da taxa de aprisionamento feminino num lapso de tempo de 16 anos, referente a 2000 a 2016. Enquanto os Estados Unidos havia aumentado sua população prisional feminina em 18%, o Brasil, neste mesmo período havia aumentado 455%. Além disso, observou-se que a maior parte dos estabelecimentos penais são projetados para o público masculino. Dos 1449 existentes apenas 7% dos estabelecimentos penais são destinadas ao público feminino e 16% caracterizam-se enquanto mistos pois possuem alas/celas específicas para o cumprimento de penas privativas de liberdade de mulheres.

Avaliou-se a média de visitas sociais por pessoa privada de liberdade durante o primeiro semestre de 2016, e foi constatado que um homem em regime fechado recebe em média 7,8 visitas ao longo do semestre, enquanto em estabelecimentos femininos e mistos uma mulher privada de liberdade recebe em média 5,9. Nos estados do Amazonas, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte a taxa de visitação para homens é cinco vezes maior que para mulheres.

É precária também a realidade das gestantes e lactantes em cárcere, sendo que apenas 55 unidades penais de todo o país declararam possuir cela ou dormitório para gestantes. E para em relação ao acompanhamento de seus filhos ao longo da amamentação durante o cumprimento de suas penas, apenas 14% das unidades femininas ou mistas possuem berçário ou centro de referência materno-infantil (para crianças de até 2 anos) e apenas 3% das unidades prisionais possuem creche para crianças acima de 2 anos.

Identificou-se nesta pesquisa sobre a população prisional feminina que 50% é composta por jovens de até 29 anos e 45% não concluíram o ensino fundamental e 17% não terminaram o ensino médio. Além disso, destaca-se o racismo estrutural presente no encarceramento feminino ao observarmos o fato de que 62% das mulheres privadas de liberdade no Brasil são negras e 37% brancas.

 

Ao examinar a conjunção social da maioria das mulheres latinas, percebe-se que elas estão imersas no constante agravamento da crise econômica e social que os seus países enfrentam. As dificuldades que sofrem, como mães solteiras, sozinhas, sem escolaridade e emprego formal, acarretam saídas que, por vezes, se revelam únicas, como o tráfico de drogas. Adentrando-se nessa realidade, vê-se ainda que a sociedade patriarcal estabelece uma hierarquia, cujo lugar de ocupação feminino está em posições mais baixas que as dos homens. Inclusive, por esses motivos, ficam mais expostas ao flagrante, sendo seus papéis, conforme exposto anteriormente, secundários ou subordinados, conhecidos como “vapor” ou “bucha”. (REZENDE; OSÓRIO, 2020, p. 13)

Corroborando com a pesquisa de Rezende e Osório sobre o encarceramento feminino, o INFOPED Mulheres apresentou os dados de distribuição de crimes tentados/consumados por tipo penal que levaram ao cárcere mães e esposas, constatando que a massiva maioria foi detida por envolvimento com o tráfico, flagranteadas enquanto “vapor” ou “bucha”, ou seja, enquanto cúmplices.


           Rezende e Osório também destacaram que grande parte dessas mulheres privadas de liberdade entraram para o tráfico devido seus envolvimentos com traficantes. Tal relacionamento implica em fidelidade e subordinação, sendo o dever delas proteger e manterem o vínculo estabelecido.


Esse envolvimento é conhecido popularmente como “amor bandido”, que é uma das razões para o encarceramento feminino por drogas. Um dos reflexos desse amor é percebido, ao analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual há um considerável número de mulheres condenadas que tenta adentrar presídios masculinos com drogas. (REZENDO; OSÓRIO, 2020, p. 13)

Na obra Prisioneiras, Drauzio percebeu com pesar essa realidade e em vários relatos das detentas. A presença de uma figura masculina em suas vidas que as inseriu nas drogas e no tráfico é um contexto recorrente que ecoa das celas. Para Varella os efeitos e desdobramentos do tráfico de drogas na sociedade e precisamente sobre inchaço populacional nos presídios são questões de saúde pública e não propriamente de segurança pública.

     Mencionamos no Toga News desta semana sobre a cultura do encarceramento feminino e a necessidade de se combater o punitivismo e a misoginia que ainda permeia nossa jurisprudência afetando consideravelmente o agravamento populacional no sistema carcerário, bem como, promovendo a manutenção das desigualdades de gênero e social enfrentadas pelas famílias das camadas mais vulneráveis da sociedade.

          Destacamos novamente a pesquisa realizada pela Defensoria do Estado do Rio de Janeiro, entre 2019 e 2020, de nome “Mulheres nas audiências de custódia no Rio de Janeiro”. Apresentando dados alarmantes a respeito da quantidade de mulheres que poderiam estar em liberdade provisória, mas permanecem em privação de liberdade por determinação do juiz. Em cada quatro mulheres presas em flagrante no estado do Rio de Janeiro ao menos uma preenche todos os critérios para responder em liberdade, e estes são ignorados. Os dados foram apresentados no início deste mês de março no evento "Encarceramento feminino em perspectiva: 10 anos das regras de Bangkok" (clique aqui para assistir ao evento).

         Em vista disso, reforçamos as palavras de Beauvoir citadas no início do texto, uma vez que ser mulher na sociedade em que vivemos por si só é uma luta diária. E as mulheres que possuem o direito de liberdade ceifado pelo sistema jurisdicional para o cumprimento de suas penas, estas se encontram em maior risco. O cárcere em nosso país não contribui em nada para o reajuste e reinserção de um indivíduo na sociedade, o retrato de nossos presídios são do cumprimento de pena enquanto punitivismo, tortura e vingança. Quando o único direito do qual a pessoa em conflito com a lei deveria ter falta é a de liberdade, os demais direitos fundamentais, principalmente a dignidade humana, não deveriam por hipótese alguma ser violados pelo Estado.  

 

REFERÊNCIAS:

AZENHA, Manuela. Como a Covid-19 tem ecoado nas penitenciárias femininas no estado de SP. São Paulo: Editora Globo, Rev. Marie Claire, 19 mai. 2020. Disponível em: <https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/05/como-covid-19-tem-ecoado-nas-penitenciarias-femininas-no-estado-de-sp.html>. Acesso em: 18.03.2021.

DOCUMENTÁRIO “Flores do Cárcere” aborda o encarceramento feminino com histórias reais. Rio de Janeiro: EBC Radios, 2021. Disponível em: <https://radios.ebc.com.br/arte-clube/2021/03/documentario-flores-do-carcere-aborda-o-encarceramento-feminino-com-historias>. Acesso em 21.03.2020.

ITO, Carol. A pandemia nas prisões femininas. São Paulo: Revista Trip, 07 mai. 2020. Acesso em: < https://revistatrip.uol.com.br/tpm/a-pandemia-nas-prisoes-femininas>. Acesso em: 18.03.2021.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: Diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014.

REZENDE, G. A. de; OSÓRIO, F. C. Encarceramento feminino: da (in)visibilidade à garantia de direitos. Rio Grande do Sul: PUCRS, 2020. Disponível em: <https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2020/08/giullia_rezende.pdf>. Acesso em: 21.03.2020.

SANTOS, Thandara (Org.). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2018. Disponível em: <https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.pdf>. Acesso em: 22.03.2021.

VARELLA, Dráuzio. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

 

 

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22/03/2021

Toga News - Notícias de 15/03 a 21/03

Por Rafaella Pacheco.

Mais uma denúncia internacional ao governo Bolsonaro

            Na segunda-feira, dia 15 de março, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), em parceria com a Conectas Direitos Humanos, fez um discurso denunciando a conduta de profundo descaso, a atuação irresponsável e em constante desacordo a bases científicas do Presidente Jair Bolsonaro em relação ao enfrentamento à crise sanitária da COVID-19. A denúncia foi realizada ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.


A situação do Brasil é desesperadora. A covid-19 está causando um enorme impacto em perdas de vidas e dificuldades econômicas. A doença atingiu desproporcionalmente a população negra e mais pobre, as comunidades indígenas e tradicionais [...] É por isso que estamos aqui, hoje, para chamar a atenção deste Conselho e apontar a responsabilidade do presidente Bolsonaro em promover, por palavras e atos, uma devastadora tragédia humanitária, social e econômica no Brasil.” (Maria Hermínia Tavares de Almeida da Comissão Arns)

            Esta é a quarta vez que o Chefe do Executivo foi denunciado internacionalmente desde 2019. A primeira denúncia realizada no Tribunal Penal Internacional referia-se a crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas. Em março de 2020, na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o porta-voz dos ianomâmis, Davi Kopenawa denunciou os atos de Bolsonaro em relação à violações de direitos de povos tradicionais isolados. E em julho do mesmo ano, foi realizada uma denúncia pela liderança da Rede Sindical UniSaúde ao Tribunal de Haia em relação a má gestão de nosso Chefe de Estado no enfrentamento e contenção da pandemia no Brasil.

 

Cultura do encarceramento feminino

            Entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 foi realizada uma pesquisa pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sobre “Mulheres nas audiências de custódia no Rio de Janeiro”. Constatou-se que 25% das mulheres detidas em flagrante cumprem os requisitos legais para serem colocadas em liberdade provisória nas audiências de custódia, porém são mantidas em prisão preventiva. E 533 mulheres entrevistadas para este relatório preenchiam os critérios objetivos para prisão domiciliar, que foram ignorados. Ainda, foi relatado por 17,5% casos de violência no momento da prisão em flagrante. Elas descreveram que quando presas sofreram “tapas, golpes no ombro, enforcamento, empurrões e chutes, e outros”.

Os dados e o relatório foram apresentados nos dias 11 e 12 de março deste ano, durante o evento virtual "Encarceramento feminino em perspectiva: 10 anos das regras de Bangkok", da Defensoria Pública. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu ao estudo apresentado informando que há mais requisitos a serem considerados para a manutenção da prisão ou soltura de uma custodiada, dentre eles “a gravidez ou a guarda de filho menor de 12 anos, devem ser aferidos requisitos de adequação da medida à gravidade do fato, além da periculosidade na concessão de prisão domiciliar”.

Neste mês, devido ao Dia Internacional da Mulher, a Defensoria Pública do Espírito Santo também apresentou um relatório que acompanhou as unidades prisionais femininas a fim de analisar as condições das 583 presas condenadas do Estado. E foi constatado um aumento de 42% na população carcerária feminina entre 2008 e 2018, que segue crescendo mesmo em meio a pandemia. O perfil dessas mulheres é de mães jovens, responsáveis pela provisão do sustento da família, vindas das camadas mais economicamente vulneráveis da sociedade e de baixa escolaridade. O estudo ainda destacou que os efeitos do encarceramento feminino são mais gravosos que o masculino.

Há um estigma moral enfrentado pelas mulheres encarceradas que diverge da forma como o homem encarcerado é recebido socialmente. Elas não recebem o perdão e acolhimento social e familiar que detentos homens recebem (em grande parte de suas mães e esposas, ou seja, de outras mulheres). E, com isso, afeta-se os direitos relativos à dignidade dessas mulheres, por meio da restrição ao convívio familiar, precarização da estrutura familiar e rompimento afetivo, dentre outros.

 

Estratégias de enfrentamento à violência de gênero por parte do CNJ

Na terça-feira do dia 16 de março, a Agência CNJ de notícias anunciou que o Conselho Nacional de Justiça dará início a um Grupo de Trabalho para a elaboração de um Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. A coordenadora do grupo de trabalho é a conselheira Ivana Farina, que informou ser o objetivo do GT “criar um guia para que o julgamento de casos concretos seja feito sob a lente de gênero e assim avance nas políticas de equidade” de modo que possa capacitar e orientar os magistrados na realização dos julgamentos.

A conselheira destacou que o Brasil adotou ao “Modelo de protocolo latino-americano de investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero (feminicídio)” desde 2016, mas ainda assim o crescimento contínuo da violência de gênero demanda mais atenção, debate e combate. E, desta forma, Farina compreende a necessidade de “uma mudança cultural que faça a Justiça brasileira avançar nessas questões e romper com desigualdades históricas a que mulheres foram submetidas”.

 

Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas

Na terça-feira do dia 16, o Ministro Luís Roberto Barroso homologou parcialmente o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas do governo federal na ADPF 709. Três pontos principais foram observados nesta decisão: o isolamento de invasores; a vacinação; e a autodeclaração enquanto reconhecimento de povos indígenas.

Em relação a proposta de isolamento de invasores de terras indígenas o Ministro não a homologou, determinando que um novo plano fosse apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em conjunto a Polícia Federal.

Quanto a saúde dos povos indígenas frente a pandemia, Barroso entendeu que, estando em condições de igualdade com demais povos indígenas, é prioridade a vacinação dos povos indígenas de terras não homologadas e urbanos sem acesso ao SUS.

Por fim, o Ministro suspendeu a validade da Resolução 4/2021 da Funai que estabelecia critérios de heteroidentificação dos povos indígenas. Nela entendia-se como principal critério de reconhecimento o vínculo com o território ocupado ou habitado pelo indígena, pontuando ainda que os lastros deveriam ser determinados por critérios técnicos/científicos (estes não especificados pela resolução). Barroso ressaltou que o critério basilar para a identificação dos povos indígenas é a autodeclaração.

 

Assegurada a reserva para o cinema nacional e programas de rádio locais

Por 10 votos a 01, na quarta-feira do dia 17 de março, o Plenário do STF declarou a constitucionalidade da obrigatoriedade em se exibir filmes nacionais nos cinemas e em se transmitir programas culturais, artísticos e jornalísticos locais em rádios. Em relatoria da RE 627.432, o ministro Dias Toffoli salientou a hegemonia do mercado cinematográfico por grupos empresariais estrangeiros que dificultam a veiculação de outras obras em cinemas e plataformas de mainstream. Neste âmbito, o ministro reforça a importância da observância da justiça social ao se pensar a livre iniciativa e o direito de propriedade. Para Toffoli a “"cota de tela" é uma medida que respeita esse princípio, aumentando a competitividade do setor audiovisual, promovendo a cultura nacional e gerando renda e empregos.”.

Na relatoria do 1.070.522, o presidente Luiz Fux seguiu a mesma linha do posicionamento de Toffoli, e apoiando-se no artigo 221 da Constituição destacou que tal decisão está imbuída do objetivo de erradicar as desigualdades regionais e sociais do Brasil e assegurar uma reserva audiovisual que promove a manutenção da cultura, arte e do jornalismo local contribui para este intento.

O voto vencido em ambos os casos foi do Ministro Marco Aurélio que questionou o porquê de a reserva de conteúdo nacional não ser destinada a peças de teatro e livros, e defendeu que a via legislativa seria a adequada para determinar o tempo de exibição de programas culturais, artísticos e jornalísticos locais nas rádios.

 

Conflitos entre a defesa da liberdade econômica e a saúde pública

            As divergências entre os entes do Poder Executivo de nosso país, em termos de medidas restritivas visando o combate e enfrentamento ao vírus Covid-19, têm sido exaustivas e potencializadas ao longo da crise pandêmica que vivemos. Em live realizada na quinta do dia 18 de março, o Presidente Jair Messias Bolsonaro anunciou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para que os atos normativos que versam sobre o fechamento de serviços não essenciais, expedidos por entes federados como o Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia, sejam suspensos e anulados. O Chefe de Estado alegou que assuntos de tal matéria - para que estejam alinhados com a legalidade no que tange aos princípios estabelecidos na Lei de Liberdade Econômica - deveriam ser versadas por lei específica e não por medidas emergenciais.

            Interessante de se refletir como a proteção da economia ganha destaque no discurso de nosso presidente e como há clareza em relação aos atos normativos do administrativo que, por serem redigidos em períodos de exceção, contém forte risco de violação a direitos e princípios já estabelecidos. Seria mais interessante ainda ver o mesmo tipo de cautela com outras matérias, como questões migratórias e as portarias de fechamento de fronteiras.

            Ainda não foi definido o relator para esta ação, mas Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, já atuaram e atuam em casos relacionados à competência dos entes federados em relação ao enfrentamento da crise sanitária atual.

 

Judicialização de direitos da população carcerária LGBTQI

            Na sexta do dia 19 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso, visando a proteção e dignidade da população carcerária LGBTQI, decidiu que transexuais e travestis terão a opção de escolher onde preferirão cumprir suas penas, se em penitenciárias femininas ou masculinas. O procedimento se dará conforme consulta e manifestação de interesse individual da pessoa em detenção e, caso decida por uma prisão masculina, sua pena deverá ser cumprida em ala especial. Há dois anos o ministro já havia se manifestado sobre o tema, determinando que detentas transexuais femininas fossem para presídios compatíveis com suas identidades de gênero.

            Uma decisão nesta seara por via judiciária é considerada inédita, de acordo ao jurista Thiago Sorrentino em entrevista à Gazeta do Povo, pois demandas como essas, em outros países, foram acolhidas e garantidas pela via legislativa.

 

REFERÊNCIAS

COLETTA, R.; CARVALHO, D.; TEIXEIRA, M. Em ação ao STF, Bolsonaro pede anulação de normas de estados e diz que governadores não podem fechar serviços por decreto. Brasília: Folha de São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/em-acao-ao-stf-bolsonaro-pede-anulacao-de-normas-de-estados-e-diz-que-governadores-nao-podem-fechar-servicos-por-decreto.shtml>. Acesso em: 21.03.2021.

DETTMAN, Glaucio. Aumento do encarceramento feminino no ES é tema de relatório que será divulgado em 08 de março. Vitória: Espírito Santo Hoje, 2021. Disponível em: < https://eshoje.com.br/aumento-do-encarceramento-feminino-no-es-e-tema-de-relatorio-que-sera-divulgado-em-8-de-marco/>. Acesso em: 21.03.2021.

HERCULANO, Lenir Camimura. Grupo de trabalho vai elaborar protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: Agência CNJ de Notícias, 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/grupo-de-trabalho-vai-elaborar-protocolo-de-julgamento-com-perspectiva-de-genero/>. Acesso em: 21.03.2021.

NA ONU, entidades denunciam governo Bolsonaro por ‘devastadora tragédia humanitária’. Brasília: Conectas, 2021. Disponível em: <https://www.conectas.org/noticias/na-onu-entidades-denunciam-governo-bolsonaro-por-devastadora-tragedia-humanitaria>. Acesso em: 21.03.2021. 

PRESAS travestis e trans poderão optar onde cumprir pena, decide Barroso. Curitiba: Gazeta do Povo, 2021. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/presas-travestis-e-trans-poderao-optar-onde-cumprir-pena-decide-barroso/>. Acesso em: 21.03.2021. 

Relatório da Defensoria Pública mostra que 1 a cada 4 mulheres apta a ser solta no RJ segue presa. Rio de Janeiro: G1 Rio, 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/11/relatorio-da-defensoria-publica-mostra-que-1-a-cada-4-mulheres-apta-a-ser-solta-no-rj-segue-presa.ghtml>. Acesso em: 21.03.2021.

RODAS, Sérgio. STF valida reserva para filmes nacionais e programas de rádio locais. Brasília: Revista Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/stf-valida-reserva-filmes-nacionais-programas-radio-locais>. Acesso em: 21.03.2021.

 

 

 

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