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22/05/2020

Diálogos de pesquisadores: A migração extracontinental






Desde que saí do Unicuritiba tenho continuado minha formação acadêmica cursando um Mestrado em Direito. O conhecimento obtido durante minha graduação possibilitou debates intelectuais de alto nível com pesquisadores de diversos países, como é o caso da Red Iberoamericana Juvenil de Derecho Administrativo – RIJDA, organização internacional de estudantes e pesquisadores do Direito Público da qual faço parte, e que surgiu como resultado do II Congreso Internacional de Estudiantes de Derecho Administrativo ocorrido na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), em 2016. Aprendi muito sobre imigração em uma conversa com meu colega mexicano Alfonso Mendonza, um dos membros fundadores da RIJDA, a quem convidei para redigir o texto abaixo com aspectos centrais de sua pesquisa para o Blog Unicuritiba Fala Direito. 
(Alan José de Oliveira Teixeira - ex-integrante do Blog Unicuritiba Fala Direito)



A migração extracontinental



Alfonso Mendoza-Juárez*



A migração é um tema complexo e de grande importância a nível mundial. É um fenômeno social por meio do qual uma ou mais pessoas mudam de seu lugar de origem para outro, de forma temporal ou permanente. O deslocamento pode ocorrer com o mesmo povo, dentro da cidade, país, ou de um país para outro.

A migração mais conhecida é a de pessoas que mudam de um país para outro. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima a existência de 254 milhões de migrantes internacionais.[1] Nesse contexto, fala-se então em país de origem (onde os migrantes moravam), país de trânsito (país onde os migrantes transitam pelo mar, ar ou terra) e país de destino (onde os migrantes querem chegar).

As origens da migração têm muitas vertentes, e pode ser pelo interesse de um indivíduo, por questões pessoais, acadêmicas, de turismo, pela falta de trabalho no país de origem, pela existência de violência, fome etc. Porém, quando o trânsito acontece de forma irregular, as pessoas são mais vulneráveis à violência, morte, fome, tortura, desaparecimento e ao tráfico humano.

Pela importância, há muitos acordos internacionais sobre a proteção de migrantes, tais como:

·               Declaração de New York pelos Refugiados e os migrantes

·               Convenção Internacional sobre a Proteção dos direitos de todos os trabalhadores migrantes e suas famílias (1990)

·               Pacto Mundial para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (2018)





A migração na América-Latina



Os países da América Latina têm muitas semelhanças em sua História e Cultura. Mas, cada um também têm suas diferenças culturais que os fazem únicos no mundo. Por exemplo, o carnaval brasileiro, a Guelaguetza mexicana, o festival internacional de Salsa na Colombia, o Machu Pichu no Perú.

Ademais, tais países ainda enfrentam problemas que aproximam suas realidades, quais sejam: corrupção, divisão nacional, falta de recursos públicos, acesso à justiça, credibilidade da mídia, uma crise no exercício e na defensa dos direitos humanos etc. Essa conjuntura pode ser referida como “Os males da América-Latina”[2].

Na atualidade se soma a crescente migração dos últimos anos, a causa de insegurança pela violência, os grupos criminosos, o aquecimento global e a impossibilidade da agricultura e gado nos campos, a pobreza e falta de opções de trabalho, os grandes projetos de construção e a destruição das terras ancestrais, instabilidade e demais questões políticas.



A migração extracontinental



Quando falamos de “extracontinental” nos referimos àquela migração na qual as pessoas não só mudam de pais, mas também de continente, e “pode ser considerada como o fluxo misturado composto por migrantes econômicos, e em menor medida, pelas pessoas refugiadas, quem solicitam asilo e outras categorias de pessoas, entre os quais também se identifica vítimas de human traffic, principalmente de países na África e na Ásia”. (Flacso, 2011: 5).

É importante lembrar que cidadãos de diversos países da África tentam frequentemente cruzar a costa do continente africano para a Europa buscando uma vida melhor. Veja-se, por exemplo, que nos últimos anos a Síria teve um crescimento de pessoas tentando chegar à Europa em razão da violência que assola aquele país, como se viu na imagem do menino sírio encontrado na costa de Turquia (2015).

Na América também há migração extracontinental. O principal ponto de migração extracontinental é o Brasil, onde muitas pessoas oriundas do continente africano, principalmente angolanos, pela proximidade idiomática, chegam com a ideia de obter melhores condições de vida.[3]

Mesmo sem ser outro continente, a migração haitiana é considerada como extracontinental por alguns, pela distância desde as costas da América até a ilha do Caribe, chegando também uma importante população ao Brasil.[4]

Essa movimento migratório gerou uma constante mobilidade para o interior do Brasil e também para outros países da região como a Colômbia, o Equador, a Argentina, o Chile. Apesar disso, pelas circunstâncias atuais do continente, as rotas migratórias foram mudadas, principalmente pela migração venezuelana, acrescentando os fluxos migratórios para os Estados Unidos. O México, nesse diapasão, é um país de trânsito para alguns, e destino para outros.

Recentemente um grande grupo de africanos e asiáticos chegarem ao sul do México, com a intenção de ir para aos Estados-Unidos,[5] mas autoridades migratórias mexicanas os detiveram para que voltassem ao seu país de origem.[6]

As complicações são presentes. É certo que a vulnerabilidade das pessoas migrantes é produto: das dificuldades que têm para comunicar-se na língua do país onde se encontram; do desconhecimento da cultura e costumes; da ausência de representação política; da dificuldade de exercício dos direitos; dos obstáculos para obter documentação de identidade; além do acesso aos recursos judiciais pelas violações a seus direitos humanos. São, por óbvio, alguns fatores que destaco, sem a pretensão de esgotá-los.

De acordo a legislação mexicana, para fazer um retorno é necessário a credenciamento do Consulado como nacional do país, embora não exista Consulado da Angola no México ou nos Estados Unidos, o que complica os tramites migratórios. Importante ressaltar que muito embora o idioma seja um ponto problemática para os migrantes, o caso dos migrantes haitianos é interessante por ser comum, entre eles, o domínio duas ou mais línguas.

Retomando a migração nas américas suscitada anteriormente, é possível observar que alguns migrantes logram êxito, nesse movimento, em chegar ao norte do México, na fronteira com os Estados Unidos.[7] E sendo o México um país de origem, trânsito e destino, com outros migrantes centro-americanos, da Ásia, Haiti e migrantes mexicanos, esperam solicitar asilo lá, mas as políticas migratórias atualmente não são favoráveis a eles.



Respostas para a migração



Atualmente é aceito o direito de migrar de um lugar para outro, mas também que os Estados podem regular as condições pela admissão dos estrangeiros tendo o respeito dos direitos humanos como principal limite.

Não obstante, culturalmente há um rechaço do migrante irregular com a falsa ideia de ser um delinquente. É relevante lembrar que são as problemáticas donde o migrante mora a causa de sair arriscando sua vida no trajeto e muitas vezes com o pouco dinheiro que têm.

As fronteiras como linhas imaginárias só fazem crer que o problema é de um país quando são problemas regionais que necessitam de uma resposta regional. Fazer com que as pessoas retornem ao seu país de origem sem a existência de segurança e trabalho só gera que novamente eles tentem ingressar pois não têm o que perder.



* Faculdade de Direito- Universidad Nacional Autónoma de México- UNAM; membro fundador e presidente da comissão acadêmica da Rede Ibero-americana Juvenil de Direito Administrativo. https://orcid.org/0000-0001-8554-0310; mendozajuarezalfonso@gmail.com
[1] NACIONES UNIDAS. Migración. Disponível em: <https://www.un.org/es/sections/issues-depth/migration/index.html>.
[2] Jorge Carpizo, ilustre constitucionalista mexicano, definiu como “os males do México” situações como a “corrupção contínua, divisão entre mexicanos, recursos públicos insuficientes, estagnação na defesa dos direitos humanos, obtenção de justiça sem credibilidade, a mídia ". JORGE, Carpizo. 1999: Problemas acumulados. México: Novos estudos constitucionais, UNAM-Porrua, 2000, p. 14. Mas é possível falar dos "males da América Latina"? A resposta é sim, embora com certas reservas devido ao contexto de cada país da região, sem ignorar a existência de certos pontos em comum, como migração, violência, corrupção e crise dos direitos humanos.
[3] Ademais, devido as políticas migratórias o Brasil tive um grande recebimento de europeus como consequência da segunda guerra mundial. CIDOB, Anuario Internacional CIDOB 2003 /edición 2004), Brasil, Edicions Bellaterra, pp. 573-580. https://www.cidob.org/publicaciones/serie_de_publicacion/anuario_internacional_cidob/anuario_internacional_cidob_2003_edicion_2004_brasil_perfil_de_pais/(language)/esl-ES
[4] París Pombo, Maria Dolores (coord..), Informe Especial, Migrantes Haitianos y Centroamericanos em Tijuana, Baka California, México, CNDH, p.26. https://www.cndh.org.mx/sites/all/doc/Informes/Especiales/Informe-Migrantes-2016-2017.pdf.
[5] Maria de Jesus Peters, Migrantes de África y Ásia saturan estación en Chiapas, El Universal, 21-03-2019,  https://www.eluniversal.com.mx/estados/migrantes-de-africa-y-asia-saturan-estacion-en-chiapas.
[6] O dato em 2019:  186 750 pessoas foram postas à disposição das autoridades migratórias e retornadas a seu pai. Secretaria de Gobernación, Boletín Anual 2019, p.128, http://portales.segob.gob.mx/work/models/PoliticaMigratoria/CEM/Estadisticas/Boletines_Estadisticos/2019/Boletin_2019.pdf
[7] Fernández, Manny, Más de setecientos inmigrantes centroafricanos han llegado a la frontera entre México y Estados Unidos, New York Times (español), 19 de junio de 2019.
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19/06/2019

Em pauta: O desafio de encontrar no Brasil um novo lar e o direito à educação pública de estrangeiros

Foto:
Eili Al Housh e seu primo dele, Daniel Al Saad -  Agência de Notícias do Paraná.




O processo de aprendizagem, para muitos, é lento e penoso. A dificuldade se torna ainda maior quando a língua encarada não é a “materna”, aquela que passamos a ouvir desde os nossos primeiros dias de vida. E esse é o desafio enfrentado por mais de 4 mil crianças, adolescentes e adultos que moram no Paraná e estão matriculados na rede estadual de ensino. São migrantes, refugiados e apátridas que, por escolha ou necessidade, encontraram no Brasil um novo lar.

A Constituição Brasileira diz, em seu artigo 5°, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Já no artigo 6°, temos a educação como garantia social. Ambos os dispositivos tratam das garantias fundamentais também a quem vem de fora para residir em nosso país.

De acordo com a professora de Direito Internacional Público e Privado no Unicuritiba, Michele Hastreiter, a Lei de Migração (Nº 13.445/2017) é um dispositivo a mais que garante a estrangeiros o acesso à educação. “Tanto a nova Lei de Migração, quanto a Constituição Federal são claras: uma vez admitido, o imigrante que aqui reside goza dos mesmos direitos que os brasileiros, e deve ter igualdade de acesso aos serviços educacionais”, explica.

Os mais de 4 mil estrangeiros que estudam no Paraná estão amparados pelo artigo 4° da Lei de Migração, que assegura o direito à educação pública, “sendo vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória.” 

Representante da Secretaria de Estado da Educação no Conselho Estadual dos Direitos dos Refugiados, Migrantes e Apátridas do Paraná, Joice Barbaresco diz que os alunos que se matriculam na rede estadual não necessariamente precisam falar português. “O idioma não é impeditivo, mas claro que esse aluno que se matricula passará a ter um acompanhamento pedagógico para se comunicar. Nos casos de muita dificuldade, é possível fazer um curso ofertado pelo nosso Centro de Línguas Estrangeiras Modernas (Celem)”, diz.

Refúgio

Eili Al Housh, de 12 anos, é um desses alunos que atualmente mora no Paraná. Fugindo da Guerra da Síria, ele veio com sua família para Curitiba há quatro anos e no Colégio Estadual Júlia Wanderley encontrou a oportunidade de recomeçar. Com o idioma já afiado, a timidez ainda predomina, mas ele afirma que é “muito bom morar no Brasil”. Ele ainda agradece o ambiente encontrado na instituição. “Eu achava que tudo ia ser muito difícil, porque não sabia falar português, mas meus amigos me ajudaram”, comenta.

Para o diretor da escola, Cristiano André Gonçalves, a presença dos estrangeiros cria um ambiente positivo para todos os estudantes. “É uma troca de culturas, já que aqui recebemos sírios, tailandeses, alemães, russos, entre outros. Isso nos possibilita fazer apresentações e falar de cultura, economia, o que cria um ambiente muito agregador a todos”, afirma. 

Entre estrangeiros migrantes e refugiados, o Paraná abriga atualmente pessoas de 76 nacionalidades diferentes.

Apátridas

Os apátridas também encontram no Brasil o direito à educação. Segundo Michele Hastreiter, o Brasil passou a se preocupar com esse tema apenas muito recentemente, mas a Lei de Migração também garante o acesso. “Em tese, os apátridas devem gozar de proteção e, uma vez reconhecida sua condição, ter facilitada sua naturalização se assim desejarem. A efetivação deste direito, no entanto, algumas vezes esbarra em exigências burocráticas feitas por portarias infralegais”, lamenta.

Acesso

O acesso pleno à educação em todos os níveis e modalidades de ensino é garantido aos estudantes estrangeiros pela deliberação n°09/01 do Plano Estadual de Educação. Mesmo que o migrante chegue sem nenhum documento que comprove sua escolaridade, ele pode solicitar a matrícula.
O primeiro passo, segundo a Secretaria Estadual de Educação, é verificar o nível de conhecimento da Língua Portuguesa por meio de uma prova de classificação. Se o aluno comprovar que consegue se expressar e se comunicar em português, ele é encaminhado para o ano ou série condizente ao conhecimento que ele apresentar na prova.
Se o estudante não fala suficientemente o português, então é matriculado em série compatível com a sua idade. Os cursos no Celem ainda são abertos à família do estudante.
 




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