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25/05/2020

Em pauta: Os impactos do coronavírus nas relações contratuais



 Fundamental para todo o Direito é o princípio da segurança jurídica, o qual pode ser entendido sob dois prismas: primeiro, é a garantia de que, se tudo permanecer o mesmo, os negócios feitos entre as pessoas serão cumpridos e, segundo, caso o não sejam, pode-se buscar a tutela jurisdicional para que os faça cumprir. O princípio, portanto, pauta-se na ideia de confiança entre os contratantes - de que cumprirão o acordo - e no Poder Judiciário - que prestará sua tutela em caso de descumprimento do pactuado. Nesse sentido, o professor e jurista Eros Roberto Grau, ao falar sobre as implicações da instalação de um vínculo contratual afirma que
 
cada parte tem a aparente certeza e a segurança que dele deflui, de que, na hipótese de descumprimento do contrato, poderá recorrer a meios jurídicos adequados à obtenção de reparação por esse descumprimento, ou mesmo a execução coativa da avença. (2001, p. 424)

 Esse princípio tem relação com um outro, o qual determina que o contrato faz lei entre as partes, representado pelo brocardo latino pacta sunt servanda - que significa, em linhas gerais “os acordos devem ser cumpridos”. A noção de confiança entre os contratantes, portanto, decorre da certeza de que aquilo que foi convencionado será cumprido. Deste modo, em condições de normalidade, esses são os pilares que devem reger as relações contratuais entre particulares.
Entretanto, como é sabido, no direito nenhum princípio é absoluto, de modo que em alguns casos, por conta da característica imprevisível de determinados acontecimentos, nem sempre será possível que permaneçam inalteradas as condições sob as quais foi realizado um pacto. É inegável que em tempos de pandemia, sobrevém situações imprevisíveis e incontroláveis que acarretam desequilíbrio entre o cumprimento das prestações assumidas pelas partes de uma relação contratual, tornando extremamente difícil o adimplemento do que foi convencionado.
 Toda a economia tem sofrido, em escala global, as consequências ocasionadas pela pandemia do novo coronavírus. A obrigatoriedade do fechamento de estabelecimentos, a restrição da circulação de pessoas e restrição de eventos que gerem aglomerações são exemplos de fatores que afetaram diretamente a renda das pessoas e de estabelecimentos - especialmente os pequenos. Com a redução de renda ou receita, consequentemente, ficou comprometida a capacidade das pessoas de honrarem os seus contratos.  
Tendo em vista essas situações extraordinárias e imprevisíveis, o Código Civil brasileiro prevê algumas hipóteses que, de certa forma, relativizam o princípio que determina que “o pactuado deve ser cumprido”. Trataremos aqui de três delas: da não responsabilização do devedor por prejuízos em caso de força maior (art. 393, CC); da resolução por onerosidade excessiva (art. 478) e da possibilidade de revisão contratual (arts. 317, 479 e 480).
O art. 393, do Código Civil, prevê a desresponsabilização do devedor em caso de prejuízos decorrentes de caso fortuito ou força maior, que são aqueles acontecimentos impossíveis de evitar ou impedir sua ocorrência. Esses [caso fortuito ou força maior] são espécies do gênero caso fortuito externo, que refere-se  aos riscos que não se relacionam com o objeto das prestações. Nesse caso, é afastada a responsabilidade civil do devedor, ou seja, ele não mais responde com o seu patrimônio pelos danos causados. Note-se que somente a responsabilidade pelos danos é afastada, devendo, além disso, ser analisada se existe ainda a possibilidade de cumprir a prestação avençada ou não. 
Apesar disso, nem sempre um evento imprevisível é capaz de afastar a responsabilidade civil do devedor. Caso tenha sido convencionado que uma das partes tomaria para si a responsabilidade por determinado acontecimento (art. 393, p. ún, CC), ou, ainda, se for entendido que o caso fortuito faz parte do risco inerente ao desempenho da atividade objeto da contratação (Enunciado 443, da V Jornada de Direito Civil) não há afastamento da responsabilidade civil, vez que se caracteriza caso fortuito interno.
O Código Civil de 2002 prevê, ainda, mecanismos de resolução ou revisão contratual, com base na teoria da imprevisão. A teoria estabelece que, caso exista acontecimento superveniente ao momento da celebração do contrato, que faça com que se altere drasticamente o equilíbrio entre as partes a ponto de comprometer o adimplemento das prestações assumidas, o contrato pode ser resolvido ou revisto.
 As hipóteses de resolução por onerosidade excessiva encontram-se dispostas no art. 478 do Código Civil, que estabelece o seguinte
 
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Aqui, retoma-se a ideia de riscos que são inerentes à natureza do objeto contratado e aqueles que não tem relação com as prestações avençadas. De acordo com o enunciado 366, da IV Jornada de Direito Civil, “O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação.” Além disso, note-se que a resolução somente é possível em contratos de execução continuada (aqueles nos quais são estabelecidas prestações contínuas) ou diferida (aqueles em que a prestação ocorrerá uma única vez em algum momento futuro).
Já a revisão contratual é tratada pelos arts. 317, 479 e 480, os quais, combinados, estipulam que a prestação anteriormente avençada pode ser modificada ou reduzida em caso de acontecimento que venha a tornar desproporcional o cumprimento de determinada obrigação. Esse artifício permite que seja evitada a resolução contratual e que se restabeleça o equilíbrio entre os contratantes. Assim, dispõe o Código Civil que 

  
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
  
  Como o momento presente é permeado de incertezas, o Poder Legislativo já se movimentou no sentido de criar de normas que buscam dar alguma estabilidade para as relações contratuais no contexto da pandemia gerada pelo novo coronavírus. O Projeto de Lei n° 1179, de 2020, de autoria do Senador Antonio Anastasia - que tramitou no senado no último mês (abril) e agora aguarda a sanção ou veto presidencial - estabeleceu algumas regras que, de certa forma, limitam as hipóteses de revisão contratual durante e em decorrência da pandemia. 
Além de outras disposições que tratam do direito privado, em seu art. 7º, o Projeto de Lei estabelece que, para as hipóteses de revisão ou resolução contratual acima tratadas, não são considerados como caso fortuito o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário. Essa disposição, entretanto, não se aplica às hipóteses de resolução das relações contratuais regidas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) e pela lei que regulamenta os contratos de locação urbanos (Lei nº 8.245).
Considerando a pandemia, percebe-se estar presente uma grande instabilidade no mundo jurídico, especialmente no que se refere às relações contratuais, uma vez que nunca se viu uma crise econômica de tamanha proporção. Aliar a manutenção da segurança jurídica ao equilíbrio entre as partes de um contrato faz parte dos enormes desafios enfrentados pelos operadores do Direito nesse momento, o que exige especial atenção à legislação vigente e a possíveis alterações que certamente terão impacto nas relações jurídicas dos brasileiros.   


REFERÊNCIAS

BRASIL. (2002). Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 janeiro 2002.

_______. Congresso Nacional. Projeto de Lei PL n° 1179/2020. Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do Coronavírus (Covid-19). Substitutivo da Câmara dos Deputados. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8111748&ts=1590156573848&disposition=inline> . Acesso em: 23 maio 2020.

GRAU, E. R. Um novo paradigma dos contratos?. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 96, p. 423-433, 1 jan. 2001.

PATRÍCIA, S. C. Contratos instantâneos e continuativos: uma análise da atualidade da classificação à luz da qualificação dos contratos. Revista Quaestio Iuris, UERJ. v. 5, n. 2 p. 310-345, 2012.

STJ. Caso fortuito, força maior e os limites da responsabilização. Disponpivel em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/Caso-fortuito--forca-maior-e-os-limites-da-responsabilizacao.aspx> Acesso em: 24 maio 2020.

SENADO NOTÍCIAS. Projeto que cria regime jurídico especial durante a pandemia vai a sanção. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/05/19/projeto-que-cria-regime-juridico-especial-durante-pandemia-vai-a-sancao?fbclid=IwAR2e2-ZMfYH81g0KVGH2ymxtd1pMpbPrVKIwVwQh7GYJ0w9L-jHZ6TKICWo> Acesso em: 24 maio 2020.

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09/05/2019

Opinião: O que dizer da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica?




Por Alan José de Oliveira Teixeira**

A MPV da liberdade econômica

No dia 30 de abril de 2019 (terça-feira), foi publicada a Medida Provisória nº 881/2019[i], que instituiu a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”. Na crença de desenvolvimento, a Medida pretendeu desburocratizar determinados procedimentos empresariais, administrativo-fiscais e restringir a desconsideração da personalidade jurídica, dentre outras implicações.
Segundo a exposição de motivos, “existe a percepção de que no Brasil ainda prevalece o pressuposto de que as atividades econômicas devam ser exercidas somente se presente expressa permissão do Estado, fazendo com que o empresário brasileiro, em contraposição ao resto do mundo desenvolvido e emergente, não se sinta seguro para produzir, gerar emprego e renda”[ii].

As alterações propostas

Inicialmente, destaca-se o direito previsto no inciso IX do art. 3º da MPV 881, que garante a aprovação tácita nas solicitações de liberação da atividade econômica feitas ao Poder Público e não atendidas dentro do prazo estipulado. Há inclusive hipótese de responsabilização administrativa do agende público incumbido de analisar o pedido, caso negue a solicitação sem “justificativa plausível” e a indefira com o propósito exclusivo de atender aos prazos assinados.
Trata-se de responsabilidade subjetiva do agente público em caso de dolo[iii]. A MPV 881 suspendeu a eficácia da providência em comento por 60 (sessenta) dias – prazo de vigência da Medida Provisória – e depende de regulamentação específica do próprio órgão ou entidade responsável pela autorização.
Além da declaração de direitos feita pelo art. 3º da MPV 881, foram diversas as alterações ocorridas na legislação.
O Código Civil foi especialmente visado. Mudança relevante ocorreu no art. 50, que prevê o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. A alteração surge com o intuito de restringir a aplicação da medida processual, que agora somente deve se aplicar aos sócios da pessoa jurídica que forem beneficiados direta ou indiretamente pela fraude.
Os cincos parágrafos acrescidos ao texto da Lei Civil ainda definem o que se entende por desvio de finalidade para os fins de desconsideração, e esta seria a “utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza”.
Segundo a professora Rogéria Dotti, a exigência de dolo para caracterização do desvio de finalidade vai na contramão da jurisprudência consolidada[iv], e além de “dificultar a aplicação da regra, contraria toda a teoria objetiva do abuso do direito, justamente um dos grandes avanços da doutrina civil mais moderna”[v].
Delineou-se também o significado de confusão patrimonial, que pela MPV é entendida como “a ausência de separação de fato entre os patrimônios”, verificada pelo cumprimento repetitivo de obrigações do sócio pela sociedade, transferência de ativos e passivos sem contraprestações e demais atos descumpridores da autonomia patrimonial.
Na esteira da reforma trabalhista[vi], há uma preocupação com os grupos econômicos. Assim, o instrumento provisório em análise inseriu o § 4º no art. 50 do Código Civil para declarar que a mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos (desvio de finalidade, confusão patrimonial e, agora, benefício direto ou indireto por sócio) não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
Outra modificação ocorreu no art. 421 do Código, a qual terá implicações significativas na Teoria Geral dos Contratos. Houve uma relativização em sua função social. De agora em diante, a liberdade de contratar observará igualmente a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica”.
À vista disso, vale ressaltar o porquê de as coisas existirem. Noutras palavras, por que existe o princípio da função social do contrato? A função social do contrato é resultado da evolução do contrato e seus efeitos na sociedade.
De acordo com Theodoro Júnior, tal modalidade de negócio jurídico tem relevante papel na ordem econômica indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade. Têm também os terceiros direito de evitar reflexos danosos e injustos que o contrato, desviado de sua natural função econômica e jurídica, possa ter na esfera de quem não participou de sua pactuação[vii].
Isto é, a celebração de um contrato tem reflexos consideráveis no mundo prático. São exemplos de não observância da função social: alugar imóvel em zona residencial para fins comerciais incompatíveis com o zoneamento da cidade; alugar quartos de apartamento de prédio residencial, transformando-o em pensão; ajustar contrato simulado para prejudicar terceiros; fraude de credores; exercício de concorrência desleal; etc[viii]. Em qualquer das situações descritas, pessoas ou entidades prejudicadas pelos efeitos desses negócios podem exigir a cessação dos seus efeitos e reparação por eventuais danos[ix].
Nesse sentido, a percepção de Flávio Tartuce mostra-se um alerta ao trâmite da MPV 881: “o texto da medida provisória parece ter ressuscitado antigos fantasmas de temor a respeito da função social do contrato, no momento em que o princípio encontrou certa estabilidade de aplicação, seja pela doutrina ou pela jurisprudência”[x].
Ponto a sublinhar é o princípio da intervenção mínima do Estado (art. 421, parágrafo único), que surge como norte interpretativo das relações negociais, devendo a revisão contratual externa às partes ser excepcional. Disposição interpretativa igualmente alterada foi a do art. 423 do Código Civil, impondo que dúvidas surgidas sejam vistas de modo mais favorável ao aderente contratual.
O Livro destinado ao Direito Empresarial não foi poupado de mudanças, sendo uma delas a inclusão de uma nova modalidade societária no parágrafo único do art. 1.052: a sociedade limitada unipessoal[xi].
A MPV 811 ainda inseriu o Capítulo X no Livro III (Direito das Coisas) do Código Civil, para dispor sobre os fundos de investimento (restando extinto o Fundo Soberano do Brasil – FSB, da Lei Federal 11.887/08).
Vinculando a extensão dos efeitos da falência à presença dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica, adicionou-se o art. 82-A à Lei Federal 11.101/05.
Houve ainda alteração na Lei 6.404/76 (Sociedades por Ações), na Lei 12.682/12 (laboração e arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos), no Decreto nº 9760/46 (bens imóveis da União), na Lei 6.015/73 (Registros Públicos) e na Lei 10.522/02 (Cadin).
Acerca das modificações que recaíram sobre a Lei 10.522/02 (Cadin), tecem-se alguns comentários.
O primeiro em relação ao art. 19-C, que com base nos indeterminantes critérios de “racionalidade”, “economicidade” e “eficiência” (lidos a partir do benefício patrimonial do caso) dispensa a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional da prática de atos processuais, inclusive autoriza a desistência de recursos. Isso se aplica inclusive no âmbito do contencioso administrativo fiscal.
O Procurador da Fazenda Nacional fica ainda autorizado a requerer o arquivamento das execuções fiscais de valor consolidado igual ou inferior à estipulação a ser feita pelo Procurador-Geral.
A revogação do inciso III do art. 5º, do Decreto-Lei nº 73/66 (seguros privados), e do inciso X do art. 32 do mesmo decreto, é simbólica: não se exige mais reciprocidade no funcionamento de empresas seguradoras estrangeiras no Brasil. Isso porque a revogação afastou a antiga exigência de igualdade de condições das empresas brasileiras no país de origem da empresa estrangeira que pretendesse operar aqui.
À luz desse dispositivo e atentando-se às origens e propósitos da MPV 881, é possível afirmar a aparência de que os idealizadores da medida esperam reciprocidade – mesmo sem reciprocidade[xii].
E, por fim, nada mais indicador do que a revogação da Lei Delegada nº 4/62, que tratava da intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo.

Possíveis críticas: o que dizer da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica?

A primeira crítica a ser feita é em relação ao instrumento utilizado. Seria o caso de se editar Medida Provisória para tratar de tantos assuntos? Talvez o mais flagrante: é caso de relevância e urgência?
De relevância não há dúvidas, principalmente pelo fato de a medida tocar em matérias afetas ao direito administrativo, civil, tributário, empresarial e contratual. Altera-se de modo profundo muitos dos institutos dessas áreas. Modifica-se a prática profissional e a rotina das empresas, da administração pública, do fisco.
Entretanto, são assuntos em discussão há algum tempo no Direito. Cite-se como exemplo o tema da desconsideração da personalidade jurídica. É temática desgastada. Ocorreram alterações legislativas recentes sobre o mecanismo. E veja-se que, mesmo com amplo debate e discussões jurídicas acerca disso, não se vislumbra unanimidade ou consolidação de entendimento. Desse modo, não parece ser o caso de urgência.
Ainda, justamente por cuidar a Medida Provisória de mudanças com implicações em várias áreas jurídicas, o instrumento escolhido pelos idealizadores da liberdade econômica não se mostra apropriado.
Muito da medida, mesmo que aprovada no Congresso Nacional, ainda ensejará regulamentação. Aliás, a par de um ou outro artigo cuja eficácia foi expressamente suspensa pela MPV, as novas regras já estão valendo. Mas e se não aprovadas pelo Congresso?
De toda sorte, a potencial lei já causa incertezas e pode dar margem a um ambiente de fragilidade jurídica ante seus variáveis futuros.
Para não largar a honestidade que os ventos atuais exigem, na verdade o que se observa é o atendimento desesperado da agenda política do liberalismo econômico. Flávio Tartuce identifica esse viés nas alterações miradas ao Código Civil: “A MP também parece voltar ao espírito individualista, que inspirou o Código Civil de 1916, tido por muitos civilistas como superado e que foi substituído por um modelo mais intervencionista, do Código Civil de 2002[xiii].
E assim o Estado, como prometido, vai enxugando para alguns. Trata-se a reforma da previdência como um fim em si mesmo. Corta-se recursos da Educação Pública[xiv][xv]. É assim que o Estado vai embora. E assim o Estado vai embora. Daqui a pouco não sobra nada.



[i] BRASIL. Medida Provisória nº 881, de 30 de Abril de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, DF, Brasília, 30 de Abril de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Mpv/mpv881.htm>.
[ii] Exposição de Motivos Interministerial nº 00083/2019 ME/AGU/MJSP. 11 de abril de 2019. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/Exm/Exm-MP-881-19.pdf>.
[iii] Relevante fazer remissão ao recentíssimo art. 28, da LINDB, que prevê que O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.
[iv] DOTTI, Rogéria. O que muda com a chamada medida provisória da liberdade econômica?. 06 de maio de 2019. Disponível em: <https://www.unicuritiba.edu.br/Noticias-Pos-Graduacao-Direito/o-que-muda-com-a-chamada-medida-provisoria-da-liberdade-economica.html#!IMG_0092>.
[v] Id.
[vi] A Lei Federal nº 13.467/2017, conhecida como “Reforma Trabalhista”, com o fulcro de restringir a desconsideração da personalidade jurídica na seara trabalhista, inseriu o § 3º no art. 2º da CLT para prescrever que “Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes”.
[vii] JÚNIOR, Theodoro Humberto. O contrato e sua função social: a boa-fé objetiva no ordenamento jurídico e a jurisprudência contemporânea. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
[viii] Id.
[ix] Id.
[x] TARTUCE, Flávio. A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Primeira parte. 3 de maio de 2019. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301612,41046-A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+alteracoes+do+Codigo+Civil>.
[xi] TARTUCE, Flávio. A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Segunda parte - teoria geral dos contratos, direito de empresa e fundos de investimento. 7 de maio de 2019. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301761,91041-A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+alteracoes+do+Codigo+Civil>.
[xii] MOREIRA, Assis. VALOR. EUA mantêm bloqueio na OCDE e não cumprem barganha com Brasil. 07 de maio de 2019. Disponível em: <https://www.valor.com.br/brasil/6243633/eua-mantem-bloqueio-na-ocde-e-nao-cumprem-barganha-com-brasil>. Registre-se ligeiro incômodo que as alterações da MPV feitas no decreto que regulamenta os seguros privados causa diante da notícia citada.
[xiii] TARTUCE, Flávio. A MP 881/19 (liberdade econômica) e as alterações do Código Civil. Primeira parte. 3 de maio de 2019. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI301612,41046-A+MP+88119+liberdade+economica+e+as+alteracoes+do+Codigo+Civil>.
[xiv] G1. MEC anuncia corte de 30% em repasses para todas as universidades federais. 30 de abril de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2019/04/30/mec-anuncia-corte-de-30percent-em-repasses-para-todas-as-universidades-federais.ghtml>.
[xv] MARIZ, Renata. OGLOBO. Cortes do MEC afetam educação básica. 06 de maio de 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/cortes-no-mec-afetam-educacao-basica-anunciada-como-prioridade-por-bolsonaro-23646433>.


* Alan Teixeira está no nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
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** As opiniões contidas no texto pertencem ao autor e não necessariamente refletem a opinião da instituição.  

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