Mostrando postagens com marcador Me indica uma série. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Me indica uma série. Mostrar todas as postagens

29/04/2020

Me indica uma série: Os Julgamentos de Gabriel Fernandez





"É normal que as mães batam nos filhos?"
“É normal bater com cinto?”
“É normal sangrar?”

Gabriel Fernandez tinha apenas 08 anos quando foi torturado e morto pela sua mãe e padrasto, em 2013. Meses antes o menino tinha acionado um “alerta” em sua professora ao fazer os questionamentos acima e, assustada com o que Gabriel poderia estar passando, ela recorreu ao auxílio da Assistência Social.
          Mais uma vez, a Netflix investe em uma minissérie, com seis episódios, demonstrando um relato completo e documentado do que aconteceu com esse menino que morava em Palmdale, norte de Los Angeles, EUA. Em “The Trials of Gabriel Fernandez” (“Os Julgamentos de Gabriel Fernandez”), além de contemplar a série de abusos sofridos pelo garoto durante oito (longos) meses, destaca as falhas de um sistema que não evitou o pior resultado.
Esse caso ficou famoso pela decisão sem precedentes nos Estados Unidos, que acarretou no julgamento de Pearl Fernandez (mãe), Isauro Aguirre (padrasto) – pela tortura e homicídio – e quatro assistentes sociais, pelo abuso infantil e falsificação de registros públicos. Isauro foi condenado à morte e aguarda execução na prisão de San Quentin, na Califórnia; Pearl decidiu se declarar culpada para evitar um julgamento e a pena de morte. Ela foi condenada à prisão perpétua sem a possibilidade de liberdade condicional. Já os assistentes sociais não chegaram a ser julgados, tendo acusações arquivadas.
          Responsável pelo caso, o Promotor de Justiça Jon Hatami atua como fio condutor do documentário, mostrando seu lado pessoal além de detalhes do caso. Além disso, os episódios contam com testemunhos de familiares e conhecidos do Gabriel, Pearl e Isauro, paramédicos, assistentes sociais e policiais responsáveis pelo caso.
Segundo os paramédicos que atenderam a ocorrência que levou o menino a óbito, havia diversas contusões na cabeça, costelas quebradas, pele queimada com cinzas de cigarro e mãos inchadas. Também, conforme o médico legista que realizou a autópsia, Gabriel estava com o estomago cheio de areia e fezes de gato.
Em declaração no Tribunal à portas fechadas, os irmãos da criança relataram que Pearl e Isauro costumavam o trancar em uma caixa de madeira, sem comida e sem o deixar ir ao banheiro, além dos espancamentos e insinuações de o garoto seria homossexual.
Durante oito meses, Gabriel viveu um verdadeiro pesadelo e era agredido constantemente pela sua mãe. Desesperado pela situação que estava vivendo em casa e sem saber para quem pedir ajuda, acabou contando tudo que estava acontecendo para sua professora Jennifer Garcia, que imediatamente tomou providências. 
Mesmo após a denúncia, Gabriel continuou sendo violentado. De acordo com colegas e a professora, constantemente a criança aparecia com o couro cabeludo machucado, lábios inchados, feridas no rosto e perfurações no corpo ocasionadas por tiros de pistola de ar comprimido.
Mais uma vez Garcia foi até as autoridades, e desta vez teve ajuda de familiares do garoto, que também estavam preocupados. Poucos dias antes do crime, policiais chegaram a visitar o local, mas nada fizeram.
Em sua sentença, o juiz Geoge L. Lomeli não hesitou em considerar os dois como culpados. “A vossa conduta foi horrenda e desumana. Até podia dizer que foi animalesca, mas isso seria errado porque até os animais sabem cuidar das suas crias ao ponto de sacrificarem as suas próprias vidas”, declarou.
Ao contrário de “Olhos que Condenam”, a falha aqui não foi do Judiciário, e sim de toda a estrutura que o antecede, em especial os assistentes sociais e a polícia, que negligenciaram as inúmeras denúncias realizadas pela professora e parentes do menino, fazendo com que o resultado fosse fatal.
Por fim, a minissérie apresenta outros casos similares, posteriores ao julgamento, demonstrando que o sistema continua falho e vidas continuam sendo roubadas ante a negligência Estatal e crueldade humana.
São cenas duras, relatos dolorosos e imagens extraídas do julgamento real, indo além de mera simulação dos fatos. Precisa ter estomago e sensibilidade para assistir os seis episódios e abrir os olhos para evitar que, aquilo que aconteceu com Gabriel, ocorra também com outras crianças.



Continue lendo ››

22/02/2020

Sugestões para o Carnaval: Dicas de filmes, séries e livros dos blogueiros


Além de estarmos antenados às notícias que ocorreram durante as férias, a nossa equipe aproveitou o descanso para curtir bons livros, filmes e séries. E, não poderíamos deixar de compartilhá-los com vocês.  Por isso, escolhemos seis sugestões de obras instigantes para vocês acompanharem com um balde de pipoca ou, no caso dos livros, com uma bebida quente numa xícara reconfortante.

O CONTO DA AIA (livro)
Apesar de ter ganhado notoriedade apenas recentemente, com o lançamento da série homônima, O Conto da Aia foi escrito em 1985 por Margaret Atwood, claramente inspirada na Revolução Islâmica de 1979. Ao imaginar um país comandado por cristãos radicais, a autora mostra as várias possibilidades de dominação que povos podem sofrer, vez que em momentos de fragilidade, as pessoas tendem a confiar naqueles que trazem as soluções rápidas, mesmo que para isso seja preciso sacrificar um pouco da tão falada liberdade.
O Conto da Aia é uma obra-prima da literatura de ficção científica cuja leitura causa incômodo e desconforto, principalmente por enxergamos nítidos traços de realidade em suas páginas. É uma distopia poderosa para ser lida e assimilada em toda a sua essência, alertas e mensagens.

QUARTO DE DESPEJO: DIÁRIO DE UMA FAVELADA (livro)
A obra Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada foi escrita na década de 1950 e trata-se de relatos do cotidiano da catadora de papel Carolina Maria de Jesus em seu diário. Conhecido como literatura-verdade, o livro é de uma profunda honestidade acerca da realidade de sua vida, do contexto social que ela viveu, e sobre a precariedade e isolamento da favela em relação à cidade. Devido a isso, a autora intitulou a favela como o quarto de despejo da cidade, ou seja, uma região abandonada, temida e excluída pela população e pelo Estado.
A obra de Carolina é uma denúncia de um sistema econômico e político falhos, e socialmente excludentes. Além das dificuldades impostas por uma vida repleta de restrições e violações — por ser mulher, negra e moradora da favela —, a fome é o cerne da obra. Caso ainda estivesse viva, gostaria de poder dizer a escritora que, setenta anos após o seu diário, todos possuem uma moradia e alimentação dignas, e que a desigualdade social, o racismo e o machismo acabaram. Mas, infelizmente não é possível dizer à Carolina — uma mulher forte, detentora de uma verdade sincera e olhar lúcido sobre seu entorno — que essas violências à dignidade humana foram vencidas. Hoje ainda temos fome, física e moral.

SEX EDUCATION (série)
E no exato momento em que o governo federal incentiva a abstinência sexual de adolescentes como programa para evitar a gravidez precoce, a dica de série de volta às aulas é uma que não tem medo de falar exatamente sobre sexo: Sex Education.
Produzida no Reino Unido, a série é protagonizada pelo jovem Otis (Asa Butterlfield), que é filho da sexóloga Jean Milburn (Gillian Anderson). O que mais chama a atenção na produção é justamente o enfrentamento de temas que muitas vezes parecem ser tabus na sociedade.
Primeira vez, masturbação, masculinidade tóxica, homossexualidade, relação abusiva, aborto, abuso sexual, sororidade feminina. Todos esses temas fazem parte da adolescência e da juventude e, ao contrário do governo federal, não são deixados de lado em momento algum, fazendo com que o expectador enfrente toda essa realidade de uma forma natural.
As duas temporadas estão disponíveis no catálogo da Netflix e merecem uma chance.

THE PURGE (série)
Distribuída mundialmente pela Amazon Prime a série é baseada na franquia “Uma noite de Crime” (2013-2018), que mostra a autorização do governo estadunidense em liberar para que os cidadãos cometam crimes durante uma noite sem que sejam punidos por isso. Com os EUA em crise, o argumento da “noite do expurgo” é diminuir o número de crimes cometidos, vez que esta seria uma forma de os humanos liberarem seus instintos assassinos durante 12 horas, diminuindo, assim, os crimes no restante do ano. Por óbvio a ideia não dá certo, embora o governo tente vender a imagem de que tudo está dentro dos conformes.
The Purge” tinha como objetivo trazer ao espectador críticas ao governo, bem como demonstrar a decadência norte-americana e falar dos menos favorecidos, das mulheres subjugadas e da divisão de classes. Entretanto, ao invés de focar nisso, acaba focando mais nas histórias de terror da referida noite, esquecendo-se da ideia principal do seriado.

A MENTE DO ASSASSINO: AARON HERNANDEZ (minissérie)
A minissérie da Netflix é divida em três partes, as quais discorrem sobre os crimes envolvendo o ex-jogador da NFL, Aaron Hernandez, explorando as respostas de pessoas próximas e distantes do astro. Ao longo dos episódios, que passam por traços de sua infância e juventude, o público é capaz de perceber uma trágica e horripilante história por trás do então astro de futebol americano.
Com uma narrativa não linear, “A Mente do Assassino” apresenta diversos aspectos da vida de Hernandez, fazendo um verdadeiro suspense e que nos mantém tentando adivinhar o “porquê” da história, através de diferentes perspectivas.

NEGAÇÃO (filme)
Sob a direção de Mick Jackson, o filme Negação foi lançado em 2017, e trata-se de um drama de tribunal, baseado em fatos reais. Como o próprio nome do filme revela, a trama se debruça sobre a negação de David Irving, um autodeclarado historiador, que defendeu veementemente a ideia de que o holocausto não ocorreu. Ele processou por difamação a escritora e pesquisadora Deborah Lipstadt por tê-lo desacreditado enquanto historiador em sua obra.
Muitas questões interessantes para reflexão são apresentadas no filme. Dentre elas, a questão ética no desenvolvimento de uma pesquisa e produção científica, vista principalmente no viés ideológico adotado por Irving, que o levou a distorcer fatos históricos para que corroborassem com sua versão da Segunda Guerra Mundial. Outro ponto pertinente — principalmente aos futuros advogados e juristas —, é o fato de que o longa apresenta o gradual entendimento sobre o sistema processual britânico por Lipstadt. Sendo ela uma historiadora, americana e leiga no mundo jurídico, isso gerou, por vezes, grandes desentendimentos com seus próprios advogados. Pois, as estratégias adotadas por eles em sua defesa, não faziam sentido para ela num primeiro momento. Mas, é um filme interessante tanto para se conhecer uma pincelada desse sistema judiciário britânico, quanto pela forma como os advogados de Lipstadt conduziram o processo e a relação cliente-advogado.

Continue lendo ››

09/09/2019

Me Indica um Filme: Bacurau, uma terra do Brasil sem lei







Imagine viver em uma cidade onde a lei parece não mais existir. Uma cidade dominada pela falta de água, na qual as pessoas precisam umas das outras em todos os momentos para sobreviver. Bacurau retrata o futuro (mas não tão distante assim) de uma cidade fictícia de mesmo nome, localizada no interior de Pernambuco.
Com uma história bastante brasileira, o filme faz metaforicamente várias críticas à condição de miserabilidade vivida por milhares de pessoas no Nordeste e, ao mesmo tempo, exige uma atenção especial de seu espectador para ‘pegar’ referências que são bastante nossas. Graciliano Ramos, Canudos, Antônio Conselheiro, Lampião...Todos são elementos que de forma não óbvia ajudam a enriquecer a aura da obra.
Temos, por exemplo, o político que só aparece em tempos de eleição, com donativos e uma clara busca pela compra de votos. Temos a prostituição evidenciada como única forma de sobrevivência para algumas pessoas. Temos o posto de saúde que sofre para ter um abastecimento mínimo de medicamentos e vacinas.
Partindo daí, a trama do filme passa a tratar de uma série de assassinatos que passam a ocorrer na pequena cidade. Com um único carro de polícia (que é uma lata velha que nem pode sair do lugar), os moradores passam a tentar descobrir por si só o que está acontecendo. O filme é tenso, misterioso e muitas vezes agoniante, o que nesse caso é ótimo.
Mesmo com nomes importantes do cinema, como Sônia Braga, Bacurau não tem um protagonista definido, o que faz a cidade como um todo ganhar ainda mais importância. É uma aposta no seu povo e na força do coletivo.
Bacurau é uma aula e um filme necessário para o Brasil atual. Questões como xenofobia são bastante presentes, seja aquela de sulistas com nordestinos, seja de estrangeiros com brasileiros.
Dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, o filme é um faroeste que remete a, por exemplo, Quentin Tarantino, mas sem deixar de ser brasileiro em momento algum. Confesso que também lembrei da série britânica Black Mirror ao assistir, com vários momentos de “explodir a cabeça” sobre o que está acontecendo.
O tom político e as várias camadas sociais tratadas são seu maior atrativo para entender, mesmo que de forma exagerada, o Brasil atual. A violência exacerbada e o uso de armas também são elementos que merecem atenção ao acompanhar o desenrolar da história.
Premiado em Cannes, Bacurau já ganhou a atenção do mundo, isso sem deixar de ser Brasil em momento algum.


Continue lendo ››

26/08/2019

Me indica uma série: Mindhunter e o Direito Penal


Por Giovanna Maciel


          Há pouco, a Netflix lançou a segunda temporada da série “Mindhunter” e, devido a ligação com o direito penalista, não poderíamos deixar de comentá-la aqui!

Para quem não conhece:
          Criado por Jonathan Penhall e com direção de David Fincher, “Mindhunter” é baseado em uma história real e a partir da obra “Mind Hunter: Inside the FBI’s Elite Serial Crime Unit” (ou “Mind Hunter: o primeiro caçador de serial killers americano”). Possui como cenário o final dos anos 70 e acompanha o trabalho de agentes do FBI que atuam na investigação de crimes cometidos por assassinos em série.
          É importante saber que, na época, sequer existia o termo “serial killer”, e os estudos se baseavam em entrevistas, cara a cara, com dezenas de assassinos famosos, para desenvolver técnicas e traçar os perfis de assassinos para, assim, não só prever os próximos passos deles, mas também resolver outros casos a partir de um padrão (ou padrões).
          Ao contrário de outras séries famosas (como Law & Order e Criminal Minds), a produção da Netflix não possui muitas cenas de ação, focando muito mais em diálogos e na psicologia, e explorando comportamentos dos criminosos e dos próprios agentes: Holden Ford (Jonathan Groff), Bill Tench (Holt McCallany) e Wendy Carr (Anna Tory).
          Mesmo sem mostrar as cenas de crime ou fazer flashbacks, a série prende a atenção pelo tom de voz dos criminosos, a naturalidade em que são mostrados e como nos damos conta da potencial crueldade da mente humana.

Segunda temporada:
          Enquanto na primeira temporada o foco era no desenvolvimento de uma técnica, a continuação se preocupa com a sua efetiva aplicação, deixando aquela tensão no ar e criando expectativa no espectador.
          Com a mesma fórmula de diálogos bem construídos, faz discussões extremamente relevantes e pertinentes, em pauta mesmo depois de décadas: homofobia, racismo, opressão, culpa e a inexatidão das contas. Além disso, Honden, Tench e Wendy acabam por perceber que, os mesmos fantasmas encontrados em suas vidas profissionais, também rondam suas vidas pessoais, demonstrando que a realidade das mentes criminosas não está tão distante assim da realidade de qualquer outra pessoa.
          Dentre os casos explorados ao longo dos episódios, o que mais chama atenção e uma série de assassinatos de crianças negras em Atlanta. Além de demonstrar o claro descaso das autoridades para com as comunidades negras, a série retrata a culpa que alguns brancos sentem, levando-os a se verem como “salvadores da pátria”. É ai que entra Ford nessa temporada, que se comove ao ser procurado pelas mães das vítimas. Afinal, afinal, o que o move a querer tanto capturar o assassino das crianças? É a vontade de fazer justiça, o desejo de estudar a mente de mais um serial killer, ou seu senso de auto importância, de se ver – e ser visto – como herói para a comunidade negra que vem perdendo seus filhos de maneira cada vez mais alarmante?

Psicopatas criminais[i]:
         
          Mindhunter demonstra com maestria o perfil dos Psicopatas Criminais: frios, calculistas, sedutores, manipuladores, inescrupulosos e sem remorso do que fazem. Provavelmente, o primeiro caso mais reconhecido no mundo foi o de “Jack, o Estripador” (Londres, 1888), mas não faltam casos recentes, inclusive no Brasil, como o de Tiago Henrique Gomes da Rocha, que confessou ter assassinado em torno de 29 pessoas em Goiás entre 2011 e 2014.
          Todavia, ainda há uma incógnita entre a responsabilidade penal desses indivíduos com doenças e transtornos mentais. Isso porque as decisões quanto à imputabilidade deles não é uníssona, visto que não há exatamente um padrão de avaliação desses homens e mulheres.
Ou seja, ainda há dúvidas entre juristas, psicólogos e psiquiatras quanto a imputabilidade desses sujeitos, não sabendo de devem ser tratados como imputáveis (que entendem completamente o caráter ilícito do crime praticado), inimputáveis (que são inteiramente incapazes de entender o caráter ilícito do crime praticado) ou semi-imputáveis (que não têm plena capacidade para entender o caráter ilícito do ato praticado).
“Mindhunter”, mesmo em um contexto um pouco diferente do atual, nos mostra que, mesmo com evolução dos estudos na área, a mente dos criminosos com distúrbios psicopatas ainda é extremamente difícil de compreender, o que torna igualmente difícil a responsabilização deles pelos atos cometidos. Do mesmo modo, a complexidade do tema instiga pesquisadores a tentar desvendar os mistérios da mente humana e os consequentes comportamentos.


[i] ROSA, Larissa Alves da. KNOPHOLZ, Alexandre. A Responsabilidade Penal do Psicopata. Artigo científico apresentado como requisito para obtenção de nota parcial do Trabalho de Conclusão de Curso do UNICURITIBA, 2019. Disponibilizado pela autora para o Blog Unicuritiba Fala Direito.
Continue lendo ››

28/07/2019

Me indica um livro: Como as democracias morrem









            A Ciência Política é uma das matérias basilares à formação dos juristas, que possui o Estado como objeto de seu estudo, e traça íntimo diálogo com o Direito Constitucional. E, neste ponto, que iniciaremos a nossa sugestão de leitura para o início deste segundo semestre letivo. Como as Democracias Morrem[1] foi um livro escrito por dois professores/pesquisadores de Ciência Política de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. O primeiro possui o enfoque de sua pesquisa na América Latina, e Ziblatt na Europa do século XIX até os dias atuais.
            A obra teve sua primeira edição publicada no Brasil em ano eleitoral, em 2018, e é considerada um best-seller devido sua linguagem acessível, qualidade e recorte da pesquisa, sendo o tema extremamente relevante devido os contextos subversivos à democracia que ressurgem de forma sutil na política, em escala global. Em nove capítulos, nos é apresentado pelos professores Levitsky e Ziblatt o que o The New York Times classificou de guia lúcido e essencial sobre como as democracias podem entrar em colapso seja o lugar que for.
            O livro foi escrito com a intenção de se responder a pergunta: “democracias tradicionais entram em colapso?”. E, tal questão, advém do fato da democracia norte americana ser uma das mais consolidadas e referenciadas democracias do mundo, mas que, atualmente tem gerado uma crescente incerteza a respeito da segurança de seu sistema democrático de direito devido ao seu cenário político, desde a eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Para isso, Levitsky e Ziblatt comparam a situação política atual norte americana com uma análise histórica de contextos de regimes totalitários ocorridos no mundo. Neste ponto, o olhar sobre tais conjunturas ocorridas na América Latina, bem como o contexto e análise sobre a democracia nos Estados Unidos é enriquecedor. Servindo-nos como um alerta, principalmente à nós brasileiros, em relação ao nosso cenário político atual que tem buscado, por parte de nossos representantes eleitos, um espelhamento e sujeição equivocada aos posicionamentos e estratégias do presidente norte-americano (em termos de políticas sociais, ambientais e militares).
            Os autores demonstram, através de suas pesquisas, como a ruína da democracia pode se dar de diversas formas. O que antigamente se configurava numa morte abrupta e trágica — como ocorrido no Chile, em que a morte da democracia foi marcada com a morte do presidente eleito Allende, pelas forças armadas chilenas — pode também ocorrer de maneira gradual, sutil e legal, através de líderes eleitos, os chamados outsiders políticos.

“O retrocesso democrático hoje começa nas urnas.”[2]

            Além do diagnóstico minucioso de como processos antidemocráticos se instauram no poder através do próprio sistema democrático afim de dissolvê-lo, há alguns pontos importantes da obra que gostaríamos de ressaltar. O primeiro, é o papel do Poder Legislativo e do Poder Judiciário que, nesses cenários de subversão da democracia, atuam como aliados do Poder Executivo, aprovando e aceitando seus atos. Mantendo, através de uma legitimidade legal própria da segurança jurídica, o que Levitsky e Ziblatt denominaram de um “verniz de democracia” enquanto o sistema, em sua essência é corroído.
Em segundo, a maneira como aspirantes a autocratas justificam medidas antidemocráticas através de situações de crise como instabilidade econômica, perigo à segurança nacional, ou mesmo desastres naturais. Desta forma, o verniz se mantém, conseguindo a tolerância e, por vezes, o apoio da população em tais decisões.
Outro ponto, refere-se ao papel fundamental de partidos já estabelecidos em salvaguardar a democracia, distanciando-se, isolando e derrotando forças extremistas que pretendem ascender ao poder. Para isso, é essencial que tais partidos tenham clareza sobre o perfil, posicionamento e discurso de seus candidatos, bem como, tenham a defesa do sistema democrático e do bem do país acima de qualquer divergência política e ideológica.
            A obra Como as Democracias Morrem é densa em seu conteúdo, e merece um olhar atento dos acadêmicos de Direito. É um livro fundamental pois, visando responder às incertezas políticas de nosso tempo, perpassa os fundadores do presidencialismo norte americano — desde o início preocupados com salvaguarda da democracia —, os caminhos trilhados pelo autoritarismo na América Latina e na Europa, e o papel das Constituições que, de acordo aos autores, possuem ao menos quatro defensores: as instituições críticas, os partidos políticos, os cidadãos organizados e as normas democráticas.

Boa leitura!


[1] LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as Democracias Morrem. Tradução: Renato Aguiar. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2018.
[2] LEVITSKY; ZIBLATT, 2018, p. 16.


Continue lendo ››

24/07/2019

Me indica uma série: Olhos que condenam




Por Giovanna Maciel e Alan José de Oliveira Teixeira


Cinco crianças negras. Antron McCray (Jovan Adepo), Kevin Richardson (Asante Blackk), Yusef Salaam (Ethan Herisse), Raymond Santana (Marquês Rodriguez) e Korey Wise (Jharrel Jerome). Cinco infâncias e juventudes perdidas. Cinco condenados pela Justiça que, em conluio com a sociedade do espetáculo e financiada pelos veículos de comunicação, sofreram as consequências de um crime que sequer cometeram. 

A minisérie original do Netflix traz a história dos “Cinco do Central Park”, uma história real, ocorrida em 1989 em Manhattan. Na mesma noite em que um grupo de amigos passeava no famoso parque estadunidense, Thisha Meili (Alexandra Templer), uma executiva branca, foi agredida e estuprada enquanto corria no mesmo local. A polícia logo prendeu o grupo de jovens, todos negros e com idade entre 14 e 16 anos, imputando a eles o crime, mesmo cientes que de os horários e locais em que se encontravam, tanto os jovens, quanto a corredora, não batiam.

Linda Fairstein (Felicity Huffman), então chefe da unidade de crimes sexuais do escritório do Procurador Distrital de Manhattan entre 1976 a 2002, ficou à frente do caso de estupro e, desde o primeiro momento, decidiu pela condenação dos adolescentes. Para isso, autorizou diversos abusos contra os meninos: tortura, interrogatórios de mais de 12 horas ininterruptas e sem a presença dos pais, coação, agressões... Como consequência, obtiveram um discurso orquestrado.

Os meninos, que sequer se conheciam, precisavam confessar o crime para supostamente irem para casa. Então, coagidos pelos investigadores, acabaram por colocar uns contra os outros. Com os depoimentos em mãos, os vídeos foram editados e cortados, fazendo com que apenas as falsas confissões ficassem em evidência, escondendo todas as violências praticadas pela polícia.

Coube à promotora Elizabeth Lederer condenar os garotos, mergulhando de cabeça na narrativa da construção da imagem violenta do homem negro, mesmo ciente da fragilidade das provas e das confissões claramente fabricadas. AntronKevinYusef, Raymond e Korey passaram de cinco jovens comuns para criminosos sexuais. A crueldade e o racismo de Nova York deixaram sequelas eternas na vida dos jovens.

Ao longo dos quatro episódios, vemos o drama dos meninos no injusto processo, e a consequente condenação, bem como o sofrimento deles e de suas famílias. Algumas mães perderam os empregos devido à prisão dos filhos, outras não tinham nem dinheiro para visitá-los na prisão.

Raymond, negro com ascendências latinas, passou quatro anos preso na prisão de menores infratores. Ao sair, além dos problemas com a nova esposa de seu pai, não conseguia emprego pela ficha suja. Acabou se envolvendo em tráfico de drogas e foi preso novamente.

Korey, o único que foi para a prisão de adultos, por já ter 16 anos na época dos fatos, permaneceu lá por 13 anos. Foi espancado, taxado de estuprador e chantageado por policiais. Preferiu ficar na solitária a ficar com os demais presos e passou a ter diversas alucinações. Só foi solto em 2002, quando Matias Reyes (Reece Noi), estuprador em série que cumpria pena de 40 anos, confessou a autoria do crime contra Trisha Meilli.

O tema tão delicado, foi tratado pela diretora Ava DuVernay com maestria. Faz chorar, faz doer na pele, faz refletir sobre a construção de uma sociedade na qual o negro não é bem-vindo. Mesmo 30 anos dessa injusta condenação, o racismo não deixou de ser evidente, muito menos exclusividade dos Estados Unidos.

No Brasil, a população carcerária é masculina, jovem e negra[i]. O dado alarmante é retratado por meio de diversos sensos, que durante anos vêm demonstrando que a população negra é a que mais sofre a negligência do sistema acusatório decadente e o racismo das autoridades públicas.

Como regra, as políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam contra a população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos[ii]. Ainda, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2014, 75% dos encarcerados têm até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda[iii].

Informações recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública constatam que a população negra está mais exposta à violência no Brasil, representando 71% das vítimas de homicídio[iv].

Casos similares à história contada pela série Olhos Que Condenam - e tão tristes e revoltantes quanto - já ocorreram aqui. Em 2003, Heberson Lima de Oliveira foi preso acusado de estupro, sem provas, e contraiu AIDS ao ser violentado por 60 detentos, tendo sido absolvido após dois anos e sete meses atrás das grades[v].

Mais recentemente, a história de Leonardo Nascimento, jovem e negro, 26 anos, emocionou o Brasil e, novamente, escancarou a seletividade policial enfrentada pela população negra. O jovem passou uma semana preso acusado injustamente do assassinato de Matheus Lessa, que entrou na linha de tiro durante um assalto para salvar a vida da mãe.

Leonardo foi solto graças à determinação do pai[vi], que provou às autoridades com as imagens da câmera de segurança que seu filho estava próximo ao condomínio onde mora no momento da morte de Matheus.

Leonardo foi reconhecido por testemunhas apenas porque tem a pele escura como a do assaltante. Primeiro, houve o seu reconhecimento por meio de uma foto e, depois, na delegacia, ele foi colocado na frente das testemunhas e ao lado de outros dois homens de pele clara. Então, foi apontado como o criminoso[vii].

Em 2014, o Estado de Nova York pagou uma indenização de 42 milhões de dólares aos cinco jovens. Donald Trump, atual presidente dos Estados Unidos e que à época fez diversas declarações polêmicas e racistas, não se arrependeu do que disse e, ainda, qualificou o acordo de indenização como uma “vergonha”, advertindo que os meninos “não eram exatamente anjos”. Após 25 anos, tentaram indenizar o que dinheiro nenhum pode comprar: liberdade e dignidade. 

Enquanto isso, o Brasil continua se eximindo dos erros do judiciário. Continua acolhendo a imagem de um país receptivo e aberto a todos. Enquanto isso, homens, mulheres, meninos e meninas, negros, periféricos, continuam morrendo e sendo presos devido à um racismo nem um pouco mascarado.


[i] FALCÃO, Mércio; MUNIZ, Mariana. JOTA. População carcerária no Brasil é masculina, jovem e negra. 06 de agosto de 2018.  Disponível em: <https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/justica/populacao-carceraria-do-brasil-e-masculina-jovem-e-negra-08122017>. 08 de dezembro de 2017.

[ii] CAMARA DOS DEPUTADOS. Sistema carcerário brasileiro: negros e pobres na prisão. 06 de agosto de 2018. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/sistema-carcerario-brasileiro-negros-e-pobres-na-prisao>.

[iii] CAMARA DOS DEPUTADOS. Sistema carcerário brasileiro: negros e pobres na prisão. 06 de agosto de 2018. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/sistema-carcerario-brasileiro-negros-e-pobres-na-prisao>.

[iv] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Atlas da violência 2017. 2017. Disponível em: <http://www.forumseguranca.org.br/publicacoes/atlas-da-violencia-2017/>.

[v] R7. Repórter em Ação. Homem preso injustamente por estupro contrai AIDS na cadeia após ser violentado por 60 detentos. 23 de março de 2017. Disponível em: <https://noticias.r7.com/reporter-em-acao/videos/homem-preso-injustamente-por-estupro-contrai-aids-na-cadeia-apos-ser-violentado-por-60-detentos-21022018>.

[vi] GELEDÉS. Leonardo Nascimento preso por engano é solto no Rio. 24 de janeiro de 2019. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/leonardo-nascimento-preso-por-engano-e-solto-no-rio/>.

[vii] COELHO, Henrique. G1. Polícia assume erro, e rapaz preso injustamente por matar jovem em mercado no Rio será solto. 23 de janeiro de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/01/23/inocente-homem-apontado-como-assassino-de-rapaz-em-mercado-no-rio-e-solto.ghtml>.
Continue lendo ››

19/07/2019

Me indica uma série: ‘Bandidos na TV’ e o embate entre crime e perseguição política


Foto: Divulgação - Netflix




O embate entre o envolvimento em crimes e a suposta perseguição política parece sempre acompanhar ocupantes de cargos públicos no Brasil. A Operação Lava Jato é o exemplo mais grandioso disso, já que envolve deputados, governadores e até mesmo ex-presidentes da República.

Na série ‘Bandidos na TV’ acompanhamos um caso ocorrido na cidade de Manaus, capital do Amazonas. Proporcionalmente menor em número de envolvidos e de mídia envolvida, o caso retratado, porém, é um dos mais macabros da história recente do Brasil.

Ao longo dos sete episódios, passamos a acompanhar os últimos anos de Wallace Souza, apresentador do programa de TV de maior audiência do Amazonas no começo dos anos 2000: o Canal Livre. Policialesco, daqueles que fazem sucesso por todo o país, o programa tinha um diferencial para se destacar entre os concorrentes: chegar sempre primeiro aos locais de crime em Manaus. 

Com a bandeira de denunciar a criminalidade e ajudar a polícia em prisões, Wallace ganha popularidade, principalmente nas camadas mais pobres de Manaus. Com isso, ele ganha uma cadeira de representante do povo na Assembleia Legislativa. (Ele seria reeleito mais duas vezes, com recordes de votações).

Em 2008, porém, o que parecia ser uma jornada de popularidade e subida ao poder, desmorona.
Denúncias passam a acusar Wallace de comandar o crime organizado de Manaus e o motivo não poderia ser menos brutal: a busca constante pelo topo da audiência de seu programa de TV.

Com esse ponto de partida, a série da Netflix passa a nos dar um panorama de como tudo ocorria em Manaus na época. Com depoimentos fortes de membros da força-tarefa que investigou o deputado, de supostos criminosos e também de familiares, somos levados a uma dúvida: mas será?

Wallace Souza foi acusado por tráfico de drogas, associação criminosa e mais de uma dezena de homicídios. O filho dele, Raphael, é outro personagem importante da história, já que teria envolvimento direto com os crimes com resultado morte. A série, porém, nos dá certa liberdade de formar uma opinião e, talvez, esse seja seu maior mérito.

Com questionamentos em torno do trabalho policial, somos levados a questionar métodos comprovadamente falhos: como o uso da tortura para confissões. Os episódios também nos dão motivos de sobra para duvidar de testemunhas. Sejam de defesa, sejam de acusação.

A história contada também nos remete a palavras constantes no noticiário brasileiro: força-tarefa, delação, perseguição política...sendo justamente isso que nos dá aproximação e faz querer buscar entender algumas relações de poder no país, onde o crime parece fazer parte do todo.

‘Bandidos na TV’ é uma série que merece a atenção do estudante de direito, já que mostra a importância de muitas vezes evitar a espetacularização do trabalho executado, uma vez que isso pode levar a todos a interpretações confusas do que está sendo analisado. 

É uma série que merece atenção e está disponível no catálogo da Netflix.
Continue lendo ››

16/06/2019

Me indica uma série? - Aspectos jurídicos da série "13 reasons why".


O seriado americano “13 Reasons Why” disponibilizado na Netflix em 2017, acompanha a história Hannah Baker por meio da visão de seu amigo de escola Clay Jensen.
Na 1º temporada, Clay recebe uma caixa de sapatos com 7 fitas cassetes. Ao escutar o conteúdo delas, descobre que as gravações foram realizadas por sua amiga/ “Crush” Hannah Baker, uma jovem que cometeu suicídio, recentemente. Cada fita possui motivos que a levaram a realizar tal conduta, bem como culpados. Ao ler as instruções, Hannah deixou claro que se as fitas não fossem devidamente repassadas para todas as 13 pessoas envolvidas, alguém de sua confiança iria entregar todas as gravações à polícia.

ATENÇÃO: A partir deste momento haverá alguns Spoilers!!

Motivos que levaram Hannah Baker a suicidar-se:
1º motivo: Justin Foley – Primeiro beijo de Hannah. Apesar de ter sido apenas um beijo, em determinado momento de descontração, durante um encontro no parquinho, Justin tira uma foto da parte de baixo de sua saia e divulga a imagem para todos os seus colegas. Esta atitude fez com que a jovem fosse rotulada de “menina fácil”, pois concluíram que foram muito além de um simples beijo.
2º motivo: Jessica Davis – Primeira amiga. Quando Hannah entrou na escola, fez amizade com Jessica. Ocorre que, assim que Jessica começa a se relacionar com Alex e realizar atividades extracurriculares, afasta-se de Hannah e a acusa de dar em cima de seu namorado (Neste episódio, Jessica deu um tapa no rosto de Hannah pelas suposições criadas em sua cabeça).
3º motivo: Alex Standall – Novato, amigo da protagonista. Jessica, Alex e Hannah formavam um trio de amigos, mas ambos a abandonaram após iniciarem um relacionamento.  Alex, também, foi uma das pessoas que que aumentaram a importunação sexual em relação a Hannah, pois incluiu seu nome numa lista de “garotas mais atraentes da escola”.
OBS: Assim que ouve as fitas, ele também tenta suicídio.
4º motivo: Tyler Down – Fotografia e perseguição. Tyler era conhecido por ser o fotógrafo da escola. Porém, além disto, ele perseguia a Hannah, pois tirava fotos dela através da janela de seu quarto, sem que a mesma percebesse sua presença. Em um destes registros, ele a flagrou beijando outra garota, a Courtney. Tal atitude acarretou ataques homofóbicos.
5º motivo: Courtney Crimsen – Traição de confiança. Em que pese tenha beijado Hannah, quando a foto foi divulgada, inventou que era outra pessoa e que Hannah estava envolvida num relacionamento lésbico.
6º motivo: Marcus Cule – Propostas sexuais. A princípio, ele parece ser um bom rapaz, mas ao marcar um encontro com Hannah, chega atrasado, a humilha e faz propostas sexuais na frente de seus amigos, que se divertem com a situação.
7º motivo: Zach Dempsey – Ele tenta ajudar Hannah, mas em certo momento, discutem e se afastam um do outro.
8º motivo: Ryan Sahaver –  Publicação de poema sem devida autorização. Dentro da escola havia um grupo de poesia. Ryan era o líder e editor da revista do local. Ele se usa disto para divulgar um poema de Hannah, sem sua autorização, o que lhe acarretou um sentimento de ridicularização.
9º motivo: Justin Foley (novamente) – Cumplice de estupro. Justin é culpado pelo fato de ter permitido a realização do estupro contra Jessica.
10º motivo: Sheri Holland – Morte de colega. Na volta de uma festa, Sheri bate o carro num sinaleiro e não permite que Hannah ligue à polícia. Por conta disto, Jeff (colega de escola) sofre um acidente e não resiste.
11º motivo: Clay – Ausência de atitudes. Clay era extremamente apaixonado por Hannah, mas não percebia os sinais de que ela não estava bem e precisava de ajuda. Até iniciaram um relacionamento, mas pelos seus traumas, ela pediu para que ele se afastasse, ele o fez e ela gostaria que ele tivesse lutado pelo seu amor.
12º motivo: Bryce Walker – Realização do estupro. Bryce é o “bam bam bam” da escola e chefe do time de basquete. Estupra Jessica no momento em que ela estava inconsciente e após isto, estupra Hannah numa jacuzzi.
13º motivo – Kevin Potter: Omissão da escola. Hannah chegou a pedir ajuda à escola sobre tudo o que estava acontecendo, porém, Kevin desconfia de suas alegações e diz que ela deverá: ou apontar o culpado, diretamente, ou esquecer de todos os acontecimentos e seguir sua vida.
A segunda temporada, refere-se ao julgamento da escola por saberem da realização do estupro e do bullying enfrentado pela protagonista e por terem se mantido omissos, o que acarretou o suicídio de Hannah. Aqui, os episódios não se utilizam de fitas e sim polaroids, que foram fundamentais para que houvesse a descoberta de outros estupros ocorridos no colégio.
OBS: um dos episódios mais chocantes desta temporada foi a realização do estupro contra Tyler Down (Prometo que não darei mais Spoilers).

Após este breve resumo, veremos o lado jurídico do seriado:

1.     Partilha de imagens íntimas sem consentimento:

            Dispõe o art. 5º, X, da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
            Neste sentido, o art. 20 do Código Civil protege o direito de imagem da seguinte forma:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

            Portanto, todo indivíduo possui direito de imagem e poderá haver a responsabilização tanto daquele que faz a publicação quanto de quem a compartilha.
            Sobre este tema, tramita na Câmara dos Deputados o PL 242/19 que criminaliza o ato de tirar foto por debaixo da saia ou vestido de uma mulher, sem sua permissão, em locais públicos ou privados. Para quem praticar o chamado upskirting (já criminalizado no Reino Unido), a pena poderá ser de dois a seis anos de reclusão, mais multa.  A proposta será analisada pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e CCJ. Depois segue para o plenário da Câmara.

2.     Bullying

            De acordo com a lei 13.185/15, Bullying diz respeito a todo ato de violência, seja física, seja psicológica, intencional e repetitiva que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o intuito de intimidá-las ou agredi-las, causando-lhe dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre os envolvidos.
            Quando ele é caracterizado? SEMPRE que houver qualquer forma de intimidação, humilhação ou discriminação provenientes de ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado.
A Constituição Federal, no art. 227, redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de 2010, dispõe que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Além disto, há diversos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, como, por exemplo, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), impõe a dignidade física, psíquica e moral do indivíduo, protegendo, portanto, a vítima de bullying que, apesar de não sofrer violência física, sofre coação moral e psíquica, vendo sua esfera psicológica ser abalada em tal processo.
Desta forma, percebe-se que os agressores deverão responder pelos seus atos.

3.     Importunação sexual

            De acordo com o art. 215-A do CP, a importunação sexual diz respeito a uma conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, à qual é cominada pena de reclusão, de um a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave.
            Este crime tem como bem jurídico protegido, conforme o capítulo que foi inserido, a liberdade sexual da vítima, ou seja, seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual. É crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja do mesmo sexo/gênero ou não. A vítima pode ser qualquer pessoa, ressalvada a condição de vulnerável.

4.     Estupro

            De acordo com a redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, ao art. 213 do CP, constitui crime de estupro a ação de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.
Capez, declara que:
O dispositivo legal abarcou diversas situações que não se enquadrariam na acepção originária do crime de estupro, o qual sempre tutelou a liberdade sexual da mulher, consistente no direito de não ser compelida a manter conjunção carnal com outrem. Portanto, a nota característica do delito em exame sempre foi o constrangimento da mulher à conjunção carnal, representada pela introdução forçada do órgão genital masculino na cavidade vaginal. A liberdade sexual do homem jamais foi protegida pelo aludido tipo penal.
Com a nova epígrafe do delito em estudo, entretanto, passou-se a tipificar a ação de constranger qualquer pessoa (homem ou mulher) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Deste modo, ações que antes configuravam crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), atualmente revogado pela Lei n. 12.015/2009, agora integram o delito de estupro, sem importar em abolitio criminis. Houve uma atipicidade meramente relativa, com a mudança de um tipo para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a configurar também estupro, com a mesma pena).

Sendo assim, o estupro passou a abranger a prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua tutela legal para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do homem.

5.     Suicídio

            Conforme Capez, suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Suicida, segundo o Direito, é somente aquele que busca direta e voluntariamente a própria morte. Apesar de o suicídio não ser um ilícito penal, é um fato antijurídico, dado que a vida é um bem público indisponível, sendo certo que o art. 146, § 3o, II, do Código Penal prevê a possibilidade de se exercer coação contra quem tenta suicidar-se, justamente pelo fato de que a ninguém é dado o direito de dispor da própria vida.           Segundo Durkheim, o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”.
6.     Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

            Não obstante a lei penal não punir o suicídio, cujas razões de índole político-criminal veremos logo mais adiante, ela pune o comportamento de quem induz, instiga ou auxilia outrem a suicidar-se. É que, sendo a vida um bem público indisponível, o ordenamento jurídico veda qualquer forma de auxílio à eliminação da vida humana, ainda que esteja presente o consentimento do ofendido.
            Capez conceitua os termos da seguinte forma:
Induzir: Significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento quando a ideia de autodestruição é inserida na mente do suicida, que não havia desenvolvido o pensamento por si só.
Instigar: Significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. O sujeito ativo potencializa a ideia de suicídio que já havia na mente da vítima.
Prestar auxílio: Consiste na prestação de ajuda, que tem caráter meramente secundário. O auxílio pode ser concedido antes ou durante a prática do suicídio.

            Portanto, qualquer ato que ajude a vítima a cometer suicídio é crime!

Agora, se você que está lendo este post sofre algum tipo de violência, NÃO SOFRA CALADO! #ConselhoDeAmiga.
(O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Se estiver precisando de ajuda, ligue 188 ou clique aqui)

O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES:

Questionados pelo Blog “Unicuritiba Fala Direito” sobre a influência do seriado em relação ao suicídio, o professor de Psicologia Perci Klein respondeu de forma clara e direta:
“Um seriado apenas não seria o motivo de influenciar jovens ao suicídio. Precisamos pensar quem é este jovem: Até que ponto é influenciável? Tem maturidade para assistir, assimilar e interpretar o que está vendo? Como reage a tal informação? Teve mediação da família e ou da escola? Está é a grande questão!
O seriado fez os indivíduos pensarem a questão da vida, da morte, das perdas, dos sonhos, e o que representa o suicídio numa sociedade globalizada. ”


REFERÊNCIAS:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial : arts. 213 a 359-H.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212.



** Helem Keiko Morimoto é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.










Continue lendo ››