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30/08/2020

Mulheres de Destaque: Bertha Lutz

Uma das pioneiras da luta pelo voto feminino e pela igualdade de direitos entre homens e mulheres no Brasil, Bertha Maria Júlia Lutz nasceu em São Paulo, em 02/08/1894.

Era uma mulher branca e privilegiada, formada em ciências naturais na Universidade Paris, especializando-se em anfíbios anuros (subclasse que inclui sapos, pererecas e rãs). Foi na Europa onde tomou contato com o movimento feminista inglês e, retornou ao Brasil logo após sua graduação (1918).

Foi a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileira, após ser aprovada em concurso no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Mais tarde, foi promovida chefe do departamento de Botânica do Museu.

Contudo, começou a se destacar na política, buscando pela igualdade de direitos jurídicos entre os gêneros, em torno de 1919, além de fundar, no mesmo ano, a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher. Em 1922, organizou o I Congresso Feminista do Brasil e foi a representante brasileira na Assembleia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, nos Estados Unidos, sendo eleita vice-presidente da Sociedade Pan-Americana.

Ainda, substituindo a Liga criada em 1919, criou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino, para encaminhar a luta pela extensão de direito de voto às mulheres (o que só se concretizou em 1932).

Já em 1933, fundou a União Profissional Feminina e a União das Funcionárias Públicas e representou o Brasil na VII Conferência Pan-Americana, em Montevideo (Uruguai). Sempre em busca dos direitos das mulheres, formou-se em Direito neste mesmo ano, pela Faculdade do Rio de Janeiro e tentou se tornar professora na instituição com a tese “A Nacionalidade da Mulher Casada perante o Direito Internacional Privado”, abordando a perda da nacionalidade feminina quando a mulher se casava com um estrangeiro.

Não satisfeita, em 1936 assumiu a cadeira de Deputada Federal, defendendo a mudança da legislação referente ao trabalho da mulher e dos menores de idade, propondo não só a igualdade salarial, mas também a licença de três meses para a gestante e a redução da jornada de trabalho que, até então, era de 13 horas diárias. Também, lutou pela criação de um Ministério Nacional da Mulher, foi presidente da Comissão do Estatuto da Mulher e apresentou o projeto do Departamento de Maternidade, Infância, Trabalho Feminino e Lar; projeto esse que, embora aprovado, não chegou a sair do papel, devido ao fechamento do Congresso em 1937.

Foi a representante brasileira Conferência Internacional do Trabalho, de 1944 e, no ano seguinte, foi convidada por Getúlio Vargas a integrar a delegação do Brasil na Conferência de São Francisco, que pretendia redigir o texto definitivo da Carta da ONU.

Durante o evento, Bertha se empenhou, junto a outras delegações da América do Sul, para assegurar que a Carta fosse revista periodicamente. Contudo, seu grande mérito foi a luta para incluir menções sobre a igualdade de gênero no texto do documento, batendo de frente com a delegada estadunidense e contanto com o apoio da dominicana Minerva Bernadino.

Devido à sua atuação na Conferência de São Francisco, Lutz foi convidada pelo Itamaraty a integrar a delegação brasileira à Conferência do Ano Internacional da Mulher, organizada pela ONU e realizada no México, em 1975.

Mesmo com toda a dedicação à política e ativismo, Lutz nunca abandonou a pesquisa, descobrindo inclusive uma nova espécie de sapos, que carrega seu sobrenome em forma de homenagem (Paratelmatobius lutzii).

O que é importante destacar desta mulher que faleceu aos 82, sem nunca ter se casado e sem ter filhos, é que não importa sua condição econômica ou privilégios quando se tem empatia e consciência de classe. Bertha era filha de cientista e teve a oportunidade de não apenas estudar, mas o fazer na Europa, em uma faculdade de renome, mesmo em um período em que o acesso à educação para mulheres era extremamente restrito.

Mesmo ciente de suas vantagens, buscou incansavelmente pela igualdade de gênero, pelo sufrágio feminino e REPRESENTATIVIDADE, dando voz à inúmeras mulheres esquecidas pelo governo formado por homens brancos elitistas.

Por fim, o primeiro passo para entender seus direitos, é conhecer a sua história e os atores que tornaram as conquistas possíveis.

 

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16/04/2020

Em pauta: O coronavírus e as mães em home office





Em tempos de coronavírus, não é segredo para ninguém que, aos que continuam empregados, uma “nova forma” de trabalho ganhou força. Trata-se do home office ou, como legalmente conhecido, teletrabalho. 



Consolidado na CLT, o teletrabalho pode ser encontrado nos artigos 6º e 75-B a 75-E da legislação trabalhista. Assim, é uma espécie de trabalho à distância, em que não se não limita ao domicílio, podendo ser prestado em qualquer lugar, com o controle e a supervisão similares ao labor tradicional. Entretanto, a subordinação é mais tênue, podendo ser efetivada por meio de câmeras, sistemas de logon e logoff, computadores, relatórios, bem como ligações por celular, rádio e aplicativos de computador, por exemplo. Ainda, a CLT (art. 75-D) prevê a possibilidade de transferir ao empregado, mediante contrato escrito, os gastos necessários à aquisição de equipamentos e material de trabalho, contrariando a lógica capitalista de produção consagrada no art. 2º da CLT[i].

Vale destacar, entretanto, que a Súmula 428 do TST assegura o “direito ao lazer e à desconexão”, sobrevindo pagamento de horas de sobreaviso nos casos em que houver a ofensa à desconexão do trabalho. Deve haver cuidado, ainda, para não haver lesão ou ameaça aos direitos fundamentais de privacidade e intimidade do empregado.
          
Por fim, conforme a doutrina, o teletrabalho pode ser dividido nas modalidades: home office, se a unidade principal de trabalho à distância coincidir com a residência do empregado; o call center, se não coincidir com o domicílio, mas possuir endereço fixo; ou trabalho remoto, se for itinerante, virtual ou o empregado tiver que prestar os seus serviços em trânsito, conectado ou conectando-se com a sede da empresa[ii].

          Mas e quando o home office não é uma opção do trabalhador? Com a incidência da pandemia, foi recomendado aos empregadores que “liberassem” seus empregados para trabalhar de casa, a fim de evitar a proliferação do vírus. Ocorre que, em muitos casos, os funcionários não estavam (nem estão) preparados para isso, não possuindo uma estrutura adequada para exercer suas atividades cotidianas. Esse problema fica ainda maior nos casos em que há uma figura específica em casa: os filhos - especialmente os mais novos.

          Com as escolas e CEIs fechados, resta aos pais o dever de acompanhar e auxiliar no desenvolvimento dos alunos, enquanto os professores preparam conteúdos online. Porém, como é sabido, crianças demandam cuidados em tempo (praticamente) integral, não compreendendo, muitas vezes, que os pais, apesar de estarem em casa, também precisam cumprir as funções laborais.

          Em breve pesquisa pelo Google é extremamente comum encontrar dicas e sugestões para “sobreviver” a este período com os pequenos em casa. Entretanto, esse texto não é sobre isso. É, na verdade, sobre a realidade da sobrecarga das mães, que acabam assumindo todas as tarefas: laborais, domésticas e maternais.

          Essa “jornada feminina” ficou evidenciada na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada antes do Covid-19. Segundo o estudo, a jornada semanal das mulheres dura, em média, 3 horas a mais do que a dos homens (levando em conta o tempo dedicado ao cuidado da casa e de seus moradores).

Essa jornada adicional parte da tese de que quando uma mulher chega em casa, no final do dia, ela pratica seu segundo emprego não-remunerado no ambiente doméstico, ao comprar mantimentos, cozinhar, limpar e lavar a louça, além de performar “o trabalho invisível” — que é planejar, coordenar e antecipar necessidades de todos da casa.[iii]

          Além disso, a pesquisa demonstra que 92,2% das mulheres realizam afazeres domésticos, contra apenas 78,2% dos homens. Quanto aos cuidados dos filhos, aponta-se que os pais costumam participar de atividades como ler, jogar ou brincar (73,7%) e fazer companhia em casa (87,9%). Porém, na hora de fazer o dever de casa, eles estão presentes em somente 60,7% dos casos. Claro, isso tudo sem mensurar o trabalho extradomiciliar[iv]. Em outra pesquisa, desta vez realizada pela startup Pin People, nota-se que a experiência do trabalho remoto está mais difícil para as mães do para os pais[v].

          Veja-se que, tanto no universo do trabalho, quanto no ambiente doméstico, o coronavírus trouxe desafios e deixou ainda mais explícita a carga invisível absorvida pelas mulheres.

“Agora cuido da casa, do meu marido e ajudo o meu filho, que está estudando em casa até tudo voltar ao normal. Eu gosto disso, de ficar mais perto deles. A gente tem pouco tempo junto normalmente”, diz. “Mas sinto como se eu, mesmo sem trabalhar, estivesse com o triplo de tarefas. Faz duas semanas e está sendo muito cansativo. O duro é não saber quando vai acabar.” [vi]

          De acordo com Marilane Teixeira, pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp, é devido às construções sociais essa expectativa de que as mulheres estarão à frente do “trabalho do cuidado”. Segundo ela, é estabelecido que esse é o papel da mulher, vez que ela – em tese – possui maior habilidade e cuidado. Ademais, esse aumento da “carga mental” imposta pela pandemia não é sequer pensado ou visto; é como se fosse algo “natural” às mulheres[vii].

O tal home office materno não é lá tão bom assim. O tempo corre mais do que deve, as crianças não tem maturidade para entender que o fato de mamãe estar na frente de um computador, ela está trabalhando e menos ainda, que aquilo ali é o que paga as contas da casa, ou parte delas. Somos consequentemente interrompidas não só pelos filhos, mas pelo telefone que toca, pela hora do almoço que chega, pelo trânsito, pela roupa que se acumula no cesto, pela pia de cheia de louça que quando vemos, o da acabou e nada do que tínhamos de trabalho foi finalizado.[viii]

          Diante disso tudo, surge a frustração por não conseguir realizar tudo com a excelência desejada. Afinal, se algumas mulheres conseguem, porque “eu” não conseguiria? A situação se agrava ainda mais em momentos de crise, em que todo mundo que tem um trabalho que pode ser feito remotamente está sendo liberado para assim o fazer, mas não serão avaliados da mesma maneira ao final da crise (que, nesse caso, sequer há previsão).

Gestores preocupados com inclusão precisarão levar em consideração que o home office e – a qualidade do mesmo – é totalmente diferente para alguém sem filhos (ou que age como se o fosse) e quem tem um bebê. Assim como é bem mais desafiador trabalhar e se concentrar tendo em casa crianças pequenas, do que adolescentes. Claro que este será um problema para pais e mães que compartilharem os cuidados com as crianças, mas como as empresas irão encarar cada um deles no cumprimento das atribuições profissionais? E como será para as mães-solo (que comandam 11,6 milhões de lares, segundo o IBGE)?[ix]

          Assim, as mulheres-mães, especialmente mães de filhos pequenos, se vêem em uma situação de ainda maior desvantagem na competição existente no mercado de trabalho - pois são cobradas a partir das mesmas métricas daqueles que não tem filhos. Ante toda a dificuldade que lares, filhos e trabalhos proporcionam normalmente, agravada pela atual pandemia, a questão não é apenas sobre a possibilidade ou não do home office; é muito além e pode trazer desdobramentos inclusive sobre a saúde mental materna.

Toda esta situação demonstra que é mais do que necessário desconstruir o mito do “instinto materno”, o qual afasta os homens de suas responsabilidades (sim, pasmem, responsabilidade; não “ajuda”) e reforça a desigualdade de gênero como algo natural. É essencial interromper os clichês e parar de romantizar relações construídas no dia a dia, que também tem seus altos e baixos. 

          Portanto, não se trata sobre a eficácia ou dificuldades trazidas pelo trabalho remoto – que, de fato, é a melhor opção para o momento. A supercarga emocional evidenciada através de um “simples” vírus é uma questão estrutural, patriarcal e que vai além do trabalho assalariado, englobando tarefas “invisíveis”, mas que insistem em cair nos ombros das mulheres que, quando muito, são menosprezadas por ofertas de “ajuda” dos parceiros do gênero oposto.


[i] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
[ii] BASILE. César Reinaldo Offa. Direito do Trabalho. v. 27. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
[iii] MARTINELLI, Andréa; FERNANDES, Marcella. Como a quarentena escancara a sobrecarga de mães dentro de casa. HuffPost. 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/maes-isolamento-trabalho_br_5e824d85c5b603fbdf4795b5>.
[iv] MARTINELLI, Andréa; FERNANDES, Marcella. Como a quarentena escancara a sobrecarga de mães dentro de casa. HuffPost. 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/maes-isolamento-trabalho_br_5e824d85c5b603fbdf4795b5>.
[v] FREIRE, Anny. Home Office é mais difícil para mães, mostra pesquisa. Tribuna Online. 08 abr. 2020. Disponível em: <https://tribunaonline.com.br/home-office-e-mais-dificil-para-maes-mostra-pesquisa>.
[vi] MARTINELLI, Andréa; FERNANDES, Marcella. Como a quarentena escancara a sobrecarga de mães dentro de casa. HuffPost. 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/maes-isolamento-trabalho_br_5e824d85c5b603fbdf4795b5>.
[vii] MARTINELLI, Andréa; FERNANDES, Marcella. Como a quarentena escancara a sobrecarga de mães dentro de casa. HuffPost. 31 mar. 2020. Disponível em: <https://www.huffpostbrasil.com/entry/maes-isolamento-trabalho_br_5e824d85c5b603fbdf4795b5>.
[viii] GAMA, Gabriela.Home Office Materno e a Baixa Produtividade. Aprendizados de Mãe. 30 jan. 2019. Disponível em: <http://aprendizadosdemae.com/2019/01/home-office-materno-e-a-baixa-protudividade/>,
[ix] LEITE, Tayná. Coronavírus mostra que trabalhar de casa com filhos não é um sonho. AzMina. Disponível em: <https://azmina.com.br/colunas/coronavirus-mostra-que-trabalhar-de-casa-com-filhos-nao-e-um-sonho/>.
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08/03/2020

Especial: Porque comemoramos hoje o Dia da Mulher?








Oficializado em 1975 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o Dia Internacional das Mulheres é comemorado desde o início do século XX e possui raízes históricas, profundas e sérias. Ao contrário de muitas outras datas comemorativas, essa não foi criada pelo comércio, e possui como finalidade conservar, reafirmar e promover conquistas e direitos femininos.

Embora muitas pessoas afirmem que o dia 08 de março foi escolhido para a celebração devido a um incêndio ocorrido nos Estados Unidos nos anos 1911, a pesquisadora Ana González apresenta outra versão dos fatos, desmistificando a data e apresentando a real história por trás da data.

Conforme apontam os estudos, tudo começou com a busca pelo sufrágio universal, a princípio nos Estados Unidos, em 1848 na Convenção de Seneca Falls. No evento, a figura central foi Elizabeth Candy Stanton (auxiliada por Lucreia Mott), que se encarregou não apenas em realizá-la, mas também em redigir uma declaração de princípios e resoluções que foram ali aprovadas. Assim, a Declaração de Seneca Falls se tornou o primeiro documento estadunidense em que mulheres expressaram o repúdio à falsa igualdade em que viviam, exigindo a pela e total liberdade do gênero.

Estamos reunidas para protestar contra uma forma de governo, que existe sem o consentimento dos governados, para declarar o nosso direito de ser livres como o homem, de sermos representadas em um governo que sustentamos com os nossos impostos, para ter leis tão vergonhosas que dão ao homem o poder de castigar e encarcerar sua esposa, para se apossar do salário que ela recebe, das propriedades que herda e, em caso de separação, dos filhos que ama (...) E, por estranho que pareça a muitos, exigimos agora o nosso direito de votar de acordo com a declaração do governo sob o qual vivemos (...) Todos os homens brancos neste país têm os mesmos direitos, independentemente das suas diferenças na mente, no corpo ou de estado. O direito é nosso. A questão agora é como tomaremos posse do que por direito nos pertence. (Elizabeth Cady Stanton)

Todavia, a única resolução não aprovada por unanimidade foi, justamente, aquela em que exigia o direito das mulheres ao voto. Não por acaso, o primeiro lugar na lista das injustiças e usurpação que a declaração atribuía aos homens era ter negado às mulheres “o direito inalienável de votar”. Daí se originava o restante das leis que os homens aprovaram para privar as mulheres de administrar suas propriedades e seus salários, subjugá-las à autoridade dos maridos e tirar-lhes os filhos em caso de divórcio.

Esse pensamento de Stanton se derivou do seu ideal abolicionista, vez que viu, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), a oportunidade de igualar os direitos na sociedade. Com a libertação dos escravos negros no país norte-americano, surgiu a esperança de que as mulheres, tal como os negros, adquirissem o direito a voto. Porém, ao contrário do que se desejava, apenas os ex-escravos, homens, adquiriram o sufrágio, momento em que o voto feminino se tornou o tema central do movimento pelos direitos da mulher.

Com o passar dos anos, tanto Stanton como outras mulheres deram início a uma série de Associações, que visavam à igualdade entre os gêneros, em especial no que tangia o voto. Mesmo que seguindo por opiniões e métodos distintos, a finalidade de todos era, de modo geral, a mesma: o sufrágio.

Ao mesmo tempo, na Europa, desenvolveu-se um movimento operário apoiado pelos sindicatos e partidos socialistas, que estimulavam o sindicalismo e a participação das atividades políticas desenvolvidas por tais partidos. Dentre as reformas que pretendiam alcançar, estavam: o reconhecimento do direito de voto para todas as mulheres, o acesso à educação, um sistema educativo baseado na coeducação, uma reforma legal que facilitasse a obtenção do divórcio, o reconhecimento do direito das mulheres a limitar o tamanho de sua família como seu direito pessoal mais inerente e, finalmente, a socialização das tarefas domésticas, por meio de serviços como lavanderias, restaurantes populares, creches etc.

Destaca-se, porém, que nem todos os homens da social-democracia alemã viam com bons olhos o desejo de suas companheiras de alcançar a sua emancipação, vez que continuavam acreditando que a mulher era intelectual e socialmente inferior.

As mulheres sempre foram marginalizadas porque os homens de todas as classes e partidos sempre lhes negaram uma existência autônoma. (Simone de Beauvoir)

              Surge, então, outro nome no movimento sufragista (feminista e socialista): Clara Eissner Zetkin (1857-1933). A alemã tinha como intuito, dentre tantas outras coisas, confrontar a noção “tradicional” da mulher como dona de casa, calada e submissa, que ainda dominava a mente de muitos homens e, até mesmo, mulheres.

          Quanto ao Dia Internacional da Mulher, teve sua primeira celebração em 1909 em diferentes dias de fevereiro e março, a depender do país. Nos Estados Unidos, precursor da comemoração, o Partido Socialista Americano designou o último domingo do mês de fevereiro (28/02/1909) como Woman’s Day. Ante ao sucesso da ideia, surgiu a expectativa de que a jornada passasse a ser anual e assim ocorreu; no ano seguinte, 1910, a celebração aconteceu também no último domingo do fevereiro (28/02/1910), contando novamente com o apoio do PSA.

Posteriormente, ainda em 1910, Zetkin propôs uma celebração anual das lutas pelos direitos das mulheres trabalhadores, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas (Copenhague, 26 de agosto de 1910), sem, contudo, fixar uma data específica. Na oportunidade, também foram discutidos temas como o voto feminino universal, a proteção social para mães e filhos e a aprovação de medidas para assegurar relações mais regulares e firmes entre as mulheres socialistas de todos os países.

De acordo com as organizações políticas e sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão em seus respectivos países um dia especial das mulheres, cujo principal objetivo será promover o direito de voto das mulheres. Será necessário debater esta proposição com relação à questão da mulher a partir da perspectiva socialista. Esta comemoração deverá ter um caráter internacional e será necessário prepará-la com muito esmero. (Clara Eissner Zetkin)

Mas, conforme a historiadora Renée Côte, o compromisso deste partido só se deu devido ao temos de que quando as mulheres alcançassem o direito ao voto, votassem em outros partidos que não o PSA. Isso ficou ainda mais evidente após mudanças internas no partido, deixando a pauta das mulheres de lado e, principalmente, afastando o “poder de decisão” delas nas reuniões.

Em 1911, a data escolhida para a celebração na Alemanha foi 19 de março, em memória ao ocorrido no mesmo dia em 1848, quando Guilherme I da Prússia prometeu – e descumpriu –, dentre outras coisas, o sufrágio feminino. No mesmo ano também houve comemoração na Áustria, Dinamarca, Suécia e em outras nações europeias.

Já nos Estados Unidos, ocorreu em 25 de março de 1911 o fato que muitos atribuem como o pontapé do Dia Internacional das Mulheres: o incêndio na fábrica The Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque. Foram ao menos 146 vítimas fatais, das quais 123 eram mulheres, gerando revoltas principalmente pelo fato de que foram as condições do prédio que impediram o resgate destas pessoas, já que as portas eram trancadas pelos empregadores, o ambiente era superlotado e as saídas de emergência inadequadas. A partir de então, sindicatos e ligas passaram a organizar protestos em busca de melhores condições de trabalho.

Outro grande marco ocorreu em 1917, sendo ainda mais importante naquilo que viria a ser o Dia Internacional das Mulheres. Em 08 de março (calendário gregoriano; pelo calendário soviético a data era 23/02) na URSS ocorreu a primeira manifestação de trabalhadoras por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada do país na Primeira Guerra Mundial.

Os acontecimentos de 23 de fevereiro de 1917 são importantes, não só porque deram origem à revolução e porque foram protagonizados por mulheres, mas também porque, como tudo parece apontar, esses acontecimentos foram os que fizeram que o Dia Internacional da Mulher passasse a ser comemorado, sem mais alterações de data até hoje, no dia 8 de março. (Ana Isabel Álvarez González)

          Com a posse do governo Bolchevista, foram decretadas leis, códigos e reformas proclamando a igualdade de gêneros na, ainda, URSS. Entretanto, tal direito foi novamente posto de lado no país a partir de 1928, com a chegada de Stalin ao poder, junto com a sua política do “pleno emprego”, a qual ignorava os direitos trabalhistas já conquistados, além de dificultar a conciliação entre trabalho remunerado e doméstico.

          Voltando aos Estados Unidos, foi em 1919 que finalmente o sufrágio feminino foi reconhecido, com a adoção da Décima Nova Emenda à Constituição. Todavia, isso só ocorreu para acabar com a contradição estadunidense, que justificava sua entrada na guerra para “estender a democracia a todo o mundo”, enquanto, dentro do próprio país, as mulheres eram privadas de seus direitos.

          Em 1921, foi celebrada a 2ª Conferência Internacional de Mulheres Comunistas, com a participação de 82 delegadas oriundas de 21 países diferentes. Na ocasião, uma delegada búlgara apresentou a proposta para a oficialização do dia 08 de março como o Dia Internacional das Mulheres, em lembrança ao ocorrido anos antes da URSS.

          Com a ebulição da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a data dedicada às mulheres não foi esquecida, embora tenham adquirido um novo caráter. A ideia, a partir de então, era a necessidade de elaborar uma carta de direito das mulheres, repensando seu trabalho como artífices da paz, oportunidade que surgiu com a criação das Nações Unidas, pouco antes do final da guerra.

          Desta forma, nos anos seguintes, o Dia Internacional da Mulher passou a ser uma data para elogiar o trabalho das mulheres ao longo da guerra, além de reconhecer o direito de participar na construção de um “novo mundo de paz”. Inclusive, em 1947, foi instituída nas Nações Unidas a Comissão sobre o Status da Mulher, com a função de promover o reconhecimento e a conscientização dos direitos políticos, econômicos e sociais da população feminina.

          Ao final da década de 1960, com a segunda onda do movimento feminista, o Dia passou a ser uma ocasião para reafirmar, em escala internacional, a consciência feminista das mulheres, acobertando a marca comunista original. Para isso, a própria ONU omitiu a relação da celebração com o comunismo, mostrando a intenção de que o Dia Internacional da Mulher se tornasse uma celebração na qual as reivindicações femininas ficassem integradas, em um marco muito mais amplo.

          Por fim, é importante destacar que associar o 8 de março, única e exclusivamente à flores e chocolates acarreta em um esquecimento do real motivo da existência da data, além de reduzir as mulheres a estereótipos já conhecidos. Nesta data, mais do que presentear, é importante refletir as ações tomadas ao longo de todo o ano, valorizar as mulheres e suas produções, de modo a inseri-las, de fato, no lugar que as é de direito: a sociedade.

Esse dia tem uma importância histórica porque levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A desigualdade de gênero permanece até hoje. As condições de trabalho ainda são piores para as mulheres. [...] Já faz mais de cem anos que isso foi levantado e é bom a gente continuar reclamando, porque os problemas persistem. Historicamente, isso é fundamental. (Eva Blay)



Nota: as informações contidas neste texto foram obtidas através da leitura da obra “As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres”, da pesquisadora Ana Isabel Álvarez González.


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19/08/2019

Me indica um filme: Suffragettes




Por Vitória Farias



Podemos dizer que o século XX representa o nascimento social da mulher, pois foi nessa época que conquistaram o direito ao voto, esse de extrema importância, uma vez que representa o exercício da cidadania. Nesse contexto se passa o filme “As sufragistas”, lançado em 2015 e dirigido pela britânica Sarah Gavron. Conta com a participação de grandes atrizes como Carey Mulligan, Helena Bunham e Meryl Steep, que interpretam mulheres revolucionárias que viveram durante a primeira onda feminista da Inglaterra.

O filme apresenta uma grande crítica ao governo, machista e opressor, desse período histórico. A mulher era inferiorizada e a sociedade excessivamente sexista. Ela era vista como uma propriedade que pertencia e obedecia ao homem. O casamento era a passagem da responsabilidade de cuidar, proteger e, principalmente, chefiar do pai para o marido. As mulheres não tinham independência sobre suas vidas e suas escolhas. Todo o seu salário era entregue ao seu companheiro. Ela não tinha liberdade e muito menos autonomia.

A sociedade como um todo, era submetida a péssimas condições de trabalho: locais fechados, sem equipamentos de segurança e com emissão diária de gases e produtos tóxicos. Mas isso se ampliava ainda mais em relação às mulheres. Suas cargas horárias de trabalho eram extensas e cansativas. Muitas sofriam abuso sexual, verbal e psicológico de homens com cargos superiores. O filme expõe, através da protagonista Maud Watts, que muitas vezes as mulheres grávidas trabalhavam exaustivamente, inclusive na etapa final da gestação e pouco após terem os bebês. Maud afirma que nasceu na fabrica em que trabalha. Começou seu oficio, durante meio período, aos sete e aos doze anos assumiu a mesma carga horaria de todas as outras. O filme representa uma sociedade afastada do humanismo e deixa a pensar quantas outras mulheres não morreram por não aguentar essa carga excessiva.

A política era exercida exclusivamente por homens. E aí surge uma provocação ao assistir ao filme: Os homens poderiam representar as mulheres? Durante o longa, é possível compreender que homens não exprimem as vontades e as necessidades de uma mulher, pois eles não sabem o que elas vivem e como a discriminação as afeta. Afirmo isso, pois, se as representassem, elas ganhariam o mesmo salario que seus maridos, teriam a mesma carga horária de trabalho, autonomia sobre sua vida e seu dinheiro.  Se assim fosse, dariam a ela o direito ao ensino e a vida política. Durante uma discussão no parlamento o filme nos traz os argumentos que eram utilizados para impedir o voto feminino. Eles alegavam que elas seriam de um sexo frágil e não teriam equilíbrio hormonal para exercer tal atividade. Declaram também, que elas não precisam desse direito, pois seus maridos já elegiam por elas, porque saberiam quais seriam suas exigências.

Existem vários pontos importantes a serem analisados no filme, e um deles é a atitude rebelde que essas mulheres adquiriram como forma de chamar a atenção para as suas reinvindicações. As sufragistas apelaram para uma campanha nacional de desobediência civil. Existem várias cenas no filme que demonstram isso: mulheres quebrando vitrines e explodindo lugares públicos gritando pelo direito ao voto, escrevendo os próprios jornais, já que a imprensa não era verdadeira sobre suas pautas. Esse aspecto traz um pensamento valorativo do voto. Muitas vezes ele parece ser natural. Não paramos para pensar o quanto lutamos pra isso e quantas mulheres morreram para que hoje todas nós possamos exercer nossos direitos e deveres como cidadãs.

Outro ponto marcante ao assisti-lo, é a mudança extraordinária que ocorre na vida de Maud após ser inserida na causa sufragista. Maud, uma mulher comum para a época que trabalhava, era casada e tinha um filho, uma mulher que achava normal as condições de trabalho que ela, e muitas outras, se submetiam (ela chega inclusive a afirmar que os patrões eram bons), a forma como inferiorizavam as mulheres e os abusos que sofriam. Era comum Maud se sentir inferior e sempre obedecer à lei sem ao menos confronta-la. Aos poucos, com a ajuda de outras mulheres que defendiam a causa, Maud foi começando a entender os problemas sociais e políticos que enfrentava e porque o voto poderia mudar isso. O momento que ela afirma, com orgulho, ser uma sufragista é emocionante. A protagonista percebe que a lei não está e nunca esteve ao lado de mulheres e vai lutar para que ela e outras possam mudar isso, como ela mesma deixa claro no filme: “O senhor me disse que ninguém ouve garotas como eu. Eu não posso mais viver com isso. Toda minha vida eu fui respeitosa, fazendo o que os homens me pediam. Agora eu sei. Não valho nada mais, nada menos que você. A Sra. Pankhurst disse uma vez que se é certo para os homens lutar por sua liberdade, então é certo para as mulheres lutarem pelas delas.” A partir desse momento nasce uma nova mulher. Uma Maud totalmente engajada no movimento sufragista e que se importa com a situação da mulher na sociedade.

O filme se encerra com um momento trágico, no qual Emily Davidson (Natalie Press), que até então não tinha um destaque na história, toma uma atitude extremamente importante para a luta do direito ao voto feminino. A ação de Emily trouxe a atenção e a visibilidade que o movimento precisava, mas teve um custo alto.

Após muita luta e a prisão de várias mulheres, elas conquistam o direito ao voto em 1918, para aquelas que tinham mais de 30 anos. Em 1928 esse direito se iguala ao dos homens.

Trazendo essa luta para o Brasil, observamos que em 1932, na Era Vargas, as mulheres obtiveram a garantia ao voto. Porém nessa época, o Código Civil vigente (1916) mantinha elementos profundos da subordinação da mulher e da visão dela como propriedade masculina. Somente em 1988, com a nova Constituição, que foi introduzido o principio da igualdade entre homens e mulheres perante a lei.

É importante que tenhamos uma reflexão sobre essa conquista: as sufragistas deram o “ponta pé inicial” para toda essa luta. Hoje todas nós, mulheres, podemos votar e escolher quem melhor nos representa e como cidadãs temos o dever de continuar lutando por uma maior inclusão e representatividade.
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15/08/2019

Em pauta: Violência de gênero na universidade







1.     Gênero e relações de poder
Nas últimas décadas, o debate quanto à violência de gênero tem sido pauta de pesquisa e reflexão teórica no meio acadêmico, assim como os avanços em nossa legislação e atuação de políticas públicas para o seu enfrentamento, ambos necessários quando se objetiva uma sociedade mais justa e menos desigual. A discussão sobre gênero é inesgotável visto que nossa sociedade se funda predominante em constructos binários, como o bem e o mal, o rico e o pobre, dia e a noite, o público e o privado, e o feminino e o masculino, sendo este último um norteador estruturante.
A professora e historiadora norte-americana Joan Scott[1] em sua definição de gênero divide-o em duas partes: a primeira, coloca-o como inerente às relações sociais fundado nas distinções entre os sexos; e, a segunda, confere ao gênero a forma inicial de se atribuir significado às relações de poder.  Para Scott, é possível fragmentar estas partes em mais quatro elementos: o gênero enquanto agente simbólico cultural de representações múltiplas que frequentemente são apresentadas como contraditórias; como conceitos normativos que evidenciam as interpretações simbólicas expressos pela religião, educação, ciência, política ou mesmo no ordenamento jurídico; possuindo a sua construção no parentesco, na economia e na organização política (ou seja, em instituições); e, por fim, seu aspecto identitário subjetivo.

O gênero é, portanto, um meio de decodificar o sentido e de compreender as relações complexas entre diversas formas de interação humana. Quando os(as) historiadores(as) procuram encontrar as maneiras como o conceito de gênero legitima e constrói as relações sociais, eles/elas começam a compreender a natureza recíproca do gênero e da sociedade e das formas particulares, situadas em contextos específicos, como a política constrói o gênero e o gênero constrói a política.[2]

            Portanto, estudar as relações de gênero implica em estudar a sociedade tanto em termos simbólicos culturais, quanto suas dimensões sociais, jurídicas, políticas e econômicas que ratificam tais representações, em sua maioria binárias, distintas e desiguais. A depender de seu gênero, numa sociedade patriarcal, machista e alienante que mitifica vínculos de sujeição e dominação entre homens e mulheres, sua vida será desenhada por atribuições e expectativas que diferem se feminino ou masculino. Tais diferenças estão inseridas nas divisões de trabalho, em cargos e salários, formas de tratamento e como um corpo ocupa os lugares, em como será visto, respeitado, interpretado, objetificado e/ou violado.

Então, em primeiro lugar e acima de tudo, dizer que o gênero é performativo é dizer que ele é um certo tipo de representação; (...) o gênero é induzido por normas obrigatórias que exigem que nos tornemos um gênero ou outro (geralmente dentro de um enquadramento estritamente binário); a reprodução de gênero é, portanto, sempre uma negociação com o poder (...).[3]

            Podemos notar uma consonância nas representações de gênero e o exercício das relações poder, pois ambos compõem as relações humanas em sociedade e, em contextos de violência e violações de direitos, tais distinções de gênero, e sua esfera simbólica de dominação e sujeição, contornam as relações de poder, atuando de forma visceral na supressão de direitos e contribuindo para a desigualdades entre os sexos. E, neste ponto, a psicanalista e pesquisadora do Núcleo Diversitas FFLCH/USP, Maria Lucia Homem, enfatiza que, enquanto sujeitos responsáveis pela teia social em que vivemos, precisamos defender o direito de sermos ativos no lugar que ocupamos. Para Homem, é fundamental que se contenha o movimento histórico injusto e prioritariamente opressivo que destina ao feminino um lugar de “repositório do ódio, da castração, do mal, do menos, do não-fálico e do menos valor”[4].

2.     Violência de gênero nas universidades

Infelizmente os espaços em que nós, mulheres, nos sentimos seguras, são poucos. Isso, além de evidenciar a falta de segurança — refletida nos altos índices de feminicídio em nosso país —, demonstra que nossas vozes ainda são silenciadas — fato possível de ser visto na pequena representação feminina em cargos parlamentares e em cargos de chefia de empresas, por exemplo. Os dados podem ser verificados no relatório das Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil[5], um informativo realizado pelo IBGE em 2018.


E, dentro deste cenário desigual, que diminui e/ou desconsidera o papel e a contribuição da mulher no mercado de trabalho, na política e como ator social digno respeito e igual consideração, temos a violência em si, que está presente em todos os espaços — doméstico, educacional, social e político. E, a violência, se dá tanto de forma violenta e agressiva, como em manifestações sutis e normatizadas pela sociedade, que possuem em seu conteúdo premissas que repetem e ratificam a subjugação da mulher.

As instituições acadêmicas de ensino superior infelizmente não estão ilesas da violência de gênero, tratando-se de um assunto importante a ser debatido, e sua prática ser combatida, muitas vezes é negligenciado ou ocultado pelas instituições e pelos próprios discentes. Para isso, podemos reportar à pesquisa realizada pelo Instituto Avon[6] em parceria com o Data Popular, de 2015, que procurou identificar o comportamento dos jovens universitários em relação ao tema violência contra a mulher no ambiente universitário.

A pesquisa entrevistou 1823 estudantes universitários de todo o Brasil, sendo que 60% eram mulheres, e 40% homens. Tais estudantes, em sua maioria entre 16 a 35 anos, predominantemente de classe econômica média e alta, sendo 76% de instituições privadas e 24% de instituições públicas. O Instituto Avon listou seis formas de violências na pesquisa, demonstrando que, além da violência física[7] e sexual[8], as mulheres estão sujeitas também à coerção[9], ao assédio sexual[10], a desqualificação intelectual[11] e a agressão moral/psicológica[12].


 Em relação a agressão moral/psicológica, 24% das estudantes já foram inseridas em rankings, enquanto 14% tiveram suas imagens (em vídeo ou em fotos) sendo repassadas, sendo que em ambas as situações a autorização delas não foi solicitada. 71% dos homens e mulheres que participaram da pesquisa conhecem casos de assédio moral/psicológico ocorridos nas universidades, sendo que 52% das mulheres afirmaram ter sofrido tal violência, enquanto 24% dos homens admitiram terem realizado.


Muitos homens desconhecem que estão praticando uma violência, pois tais ações são normatizadas em seu meio, outros tantos por vezes são pressionados a tomar tais posturas violentas para se manterem pertencentes ao grupo, e há aqueles que ainda culpam a mulher pelos abusos e violências sofridas.
A pesquisa ainda revelou que 56% das entrevistadas já sofreram assédio sexual, enquanto 26% dos homens, confessaram já tê-lo cometido. Em referência a violência sexual em si: 28% já foram violadas; 11% sofreram tentativa de abuso sob efeito de álcool; e 13% dos homens admitiram já terem praticado violência sexual. A coerção dada por práticas forçosas de ingestão de álcool, sofrida por 12% das mulheres, também ocorre em leilões, desfiles, entre outras degradações, em que 11% das entrevistadas já foram coagidas a participar. Já a violência física constou 10% de mulheres agredidas, enquanto 4% dos homens confessaram terem cometido tal ato.


Os dados apresentados acima, pelo Instituto Avon, são alarmantes. A academia tem sido mais um dos espaços geradores de medo para as mulheres. 42% das estudantes afirmaram se sentirem inseguras no ambiente universitário, enquanto 36% deixaram de realizar atividades na universidade que poderiam resultar em situações de violência. Das entrevistadas, 63% não reagiram às violências sofridas, por conta do medo.

3.     We Should All Be Feminists

Ao contrário da hegemonia feminina em praticamente todos os números relativos ao acesso ao ensino superior e à sua conclusão, o número de docentes do sexo masculino ainda é, em média, 10 pontos percentuais mais elevado do que o feminino.[13]

Não apenas as estudantes sofrem com a violência de gênero nas universidades, mas as professoras também estão dentro das estatísticas. Quando o assunto é mercado de trabalho, a mulher ainda encontra obstáculos para a sua inserção — tanto no que tange as jornadas duplas de dedicação, bem como a própria validação enquanto profissional, muito mais custosa às mulheres.

Na primeira aula de escrita para uma turma de pós-graduação, fiquei apreensiva. Não com o conteúdo do curso, já estava bem preparada e gosto da matéria. Estava preocupada com o que vestir. Eu queria ser levada a sério. Sabia que, por ser mulher, eu automaticamente teria que “demonstrar” minha capacidade. E estava com medo de parecer feminina demais, e não ser levada a sério. Queria passar batom e usar uma saia bem feminina, mas desisti da ideia. Escolhi um terninho careta, bem masculino e feio. A verdade é que, quando se trata de aparência, nosso paradigma é masculino. Muitos acreditam que quanto menos feminina for a aparência da mulher, mais chances ela terá de ser ouvida.[14]

Chimamanda Ngozi Adichie, em sua obra Sejamos Todos Feministas, cita uma fala da ganhadora do Nobel da Paz Wangari Maathai, que dizia que “quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos.”. Um fato que evidencia nossa realidade desigual entre os gêneros em um mundo cuja a população feminina equivale a 52% da população mundial. E, a escritora nigeriana pontuou em sua fala que se despende muito tempo na formação das meninas ensinando-as a se preocupar com o que os meninos pensam delas, mas o mesmo não ocorre na formação dos meninos.
Para Adichie, um mundo mais justo corresponde a um mundo em que homens e mulheres são mais felizes e mais autênticos consigo mesmos, e para que isso ocorra a mudança se dá na criação de nossos filhos e filhas. Tal criação não deve ser nociva — nem por uma masculinidade impositiva, nem por uma sujeição feminina reiterada —, mas uma criação que preze pela igualdade de direitos, respeito e consideração.





[1] SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Christine Rufino Dabat, Maria Betânia Ávila. New York, Columbia University Press. 1989
[2] SCOTT, 1989, p. 23.
[3] BUTLER, Judith. Corpos em aliança e política das ruas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018. p. 39.
[4] HOMEM, Maria Lucia. Impasses atuais do feminismo. São Paulo: Casa do Saber, 2018. Disponível em: <https://youtu.be/_S1hyyaZm50>. Acesso em: 02.ago.2019.
[5] ESTATÍSTICAS de gênero: uma análise dos resultados do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2018.

[6] INSTITUTO AVON. Violência contra a mulher no ambiente universitário. São Paulo: Instituto Avon/Data Popular, 2015.
[7] Ser agredida fisicamente. (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)
[8] Estupro / Tentativa de abuso enquanto sob efeito de álcool / Ser tocada sem consentimento / Ser forçada a beijar veterano. (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)

[9] Ingestão forçada de bebida alcoólica e / ou drogas / Ser drogada sem conhecimento / Ser forçada a participar em atividades degradantes (como leilões e desfiles). (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)
[10] Comentários com apelos sexuais indesejados / Cantada ofensiva / Abordagem agressiva. (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)
[11] Desqualificação ou piadas ofensivas, ambos por ser mulher. (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)
[12] Humilhação por professores e alunos / Ofensa / Xingada por rejeitar investida / Músicas ofensivas cantadas por torcidas acadêmicas / Imagens repassadas sem autorização / Rankings (beleza, sexuais e outros) sem autorização. (INSTITUTO AVON, 2015, p. 4)
[13] BARRETO, Andreia. A Mulher no Ensino Superior: distribuição e representatividade. Cadernos do GEA, n. 6, jul./dez. 2014.
[14] ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 40-41.
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