Por Nicoly Schuster.
O Instituto Mais Cidadania, em conjunto com os Grupos de Pesquisa orientados pelos professores Dalton Borba e Eduardo Seino[i], conseguiu habilitação para atuar como amicus curiae no julgamento da ADPF 548[ii] perante o Supremo Tribunal Federal. A ação foi proposta em 2018, objetivando a declaração de nulidade de atos do Poder Público, especialmente decisões dos tribunais eleitorais, que feriram a liberdade de ensino nas universidades públicas federais e estaduais.
De acordo com Roosevelt Arraes[iii], os grupos de pesquisa
do UNICURITIBA já acompanhavam as ações em trâmite no STF, sobre as quais
recaia a elaboração de estudos dos pesquisadores. Com o surgimento do
Instituto, a participação dos docentes e discentes nesses julgamentos se
tornou uma forma de contribuir com a sociedade através do conhecimento
jurídico.
Segundo o professor Luiz Gustavo de Andrade[iv], a primeira ação
envolvendo a parceria do UNICURITIBA com o Instituto foi no julgamento da ADPF
618, proposta em face de Resoluções do Conselho Federal de Medicina que
disciplinam a transfusão sanguínea em pacientes com risco de vida adeptos da
religião Testemunhas de Jeová. Neste caso, o Sindicato dos Médicos no Estado do
Paraná pediu um parecer jurídico e estudo de teorias da justiça acerca dos
direitos em discussão, o que acabou sendo produzido pelos grupos de pesquisa
dos professores Luiz Gustavo, Roosevelt Arraes, Eduardo Seino e Dalton Borba,
em fevereiro deste ano (2020).
Os professores Roosevelt Arraes e Luiz Gustavo explicam que é feita uma
avaliação das ações mais relevantes que tramitam nos grandes tribunais do país,
especialmente no STF, STJ e TSE. A partir deste levantamento, é feito um estudo
de caso, verificando-se quais questões possuem afinidade com a linha de
pesquisa conduzida pelos professores. Feito isso, identifica-se dentre os
estudantes orientados pelos professores - seja nos grupos de pesquisa ou em
projetos de monografia - aqueles que possuem algum escrito ou leitura
relacionados ao tema. Esses alunos, em conjunto com os orientadores, produzem
as peças a serem encaminhadas aos tribunais.
O que permitiu essa
ponte entre alunos e professores com as grandes cortes do país, de acordo com
Arraes, foi a qualidade dos estudos produzidos nos grupos de pesquisa da
UNICURITIBA. Além de já terem atuado perante o STF, no julgamento da ADPF
618, o Instituto já participou de julgamentos também no Tribunal Superior
Eleitoral e no Tribunal de Justiça do Paraná.
A ADPF 548 foi proposta no contexto do pleito eleitoral de 2018, entre o
primeiro e segundo turno das eleições, que foram fortemente marcados pela
polarização política entre grupos apoiadores do atual Presidente Jair Bolsonaro
e de seu principal opositor Fernando Haddad. Nesse período, surgiram em algumas
universidades públicas movimentos contrários a regimes autoritários, com
manifestações em favor da democracia e em oposição, principalmente, ao fascismo
e à ditadura militar. A Justiça Eleitoral passou a intervir de maneira a
proibir essas manifestações, por meio de fiscalização de aulas em universidades
públicas, apreensão de cartazes e materiais e da vedação de aulas e reuniões
que tratassem de temas como fascismo, democracia ou ditadura. As proibições
tinham como fundamento a vedação de propaganda eleitoral em bens públicos, dada
pelo artigo 37, da Lei nº 9.504 de 1997.
Nessa conjuntura, a Procuradoria Geral da República propôs a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental nº 548, com o objetivo de ver declarados
nulos os atos do Poder Público, especialmente as decisões judiciais e atos
administrativos que determinaram as buscas e apreensões dos alegados materiais
de campanha eleitoral e a proibição de discussões políticas no âmbito das
universidades. A Procuradoria, ainda, requereu liminarmente medida cautelar
para:
“[...] suspender todo e qualquer ato
que determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades
públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas e
debates, a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de
depoimentos.”
A Ministra Relatora Cármen Lúcia entendeu que a referida norma tem como
objetivo garantir ao cidadão um processo eleitoral transparente que lhe permita
a livre formação de sua escolha. Por isso, a interpretação da lei nº 9.504/97
precisa ser de acordo com a sua finalidade e de modo a respeitar os princípios
fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal. Portanto, segundo a
Ministra, os citados atos do Poder Público, além de não condizerem com a
finalidade específica da Lei, atentam contra a liberdade dos professores e dos
alunos e contra a autonomia das universidades. Cármen Lúcia, então, concedeu o
pedido liminar - decisão que posteriormente foi referendada por unanimidade
pela Corte - para:
“[..] suspender os efeitos de atos
judiciais ou administrativos, emanado de autoridade pública que possibilite,
determine ou promova o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e
privadas, o recolhimento de documentos, a interrupção de aulas, debates ou
manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade disciplinar
docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela
prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos
ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração de
universidades públicas e privadas e serventes a seus fins e desempenhos.”
Após o deferimento do ingresso do Instituto Mais Cidadania como amicus
curiae, foi agendado o julgamento virtual da arguição para o dia 8 de maio
de 2020, ocasião em que os ministros decidirão pela declaração ou não da
nulidade dos atos que determinaram a fiscalização e controle de aulas em
universidades, o recolhimento de materiais e documentos e a inquirição de
pessoas envolvidas nas manifestações.
Quando perguntado sobre como é participar julgamentos tão expressivos, o
professor Roosevelt Arraes afirmou que:
“É muito gratificante. Nesses
julgamentos mais expressivos, que são hard cases (casos difíceis) fica mais
evidente a importância da filosofia do direito, da filosofia política, da
ética, das teorias da justiça, da hermenêutica jurídica e da argumentação. Isso
é um diferencial para o profissional do direito.
[...]
Quando se tem o reconhecimento de um
trabalho em um caso difícil, é sinal que se está no caminho para se aperfeiçoar
profissionalmente, está num caminho profissional diferenciado.”
Para o professor,
além de possuir conhecimento técnico acerca da dogmática própria do direito, é
preciso o domínio da argumentação jurídica que envolve a filosofia, a ética, as
teorias da justiça e a hermenêutica jurídica para que o operador do direito se
torne efetivamente um jurista. Já para o mestre Luiz Gustavo, atuar em demandas
sobre controle de constitucionalidade permitem que ele veja de fato a
influência do trabalho do advogado na sociedade.
[i] Professores do Centro Universitário Curitiba
– UNICURITIBA
[ii]
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental: espécie de ação de controle
de constitucionalidade de caráter residual -próprias para as hipóteses nas
quais não cabe outro tipo de ação de controle - cabível contra atos do poder
publico que infrinjam preceitos fundamentais.
[iii]
Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e Presidente do
Instituto Mais Cidadania.
[iv]
Professor do Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA e Diretor Jurídico do
Instituto Mais Cidadania
REFERÊNCIAS:
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