O seriado americano “13 Reasons Why” disponibilizado
na Netflix em 2017, acompanha a história Hannah Baker por meio da visão de seu
amigo de escola Clay Jensen.
Na 1º temporada, Clay recebe uma caixa
de sapatos com 7 fitas cassetes. Ao escutar o conteúdo delas, descobre
que as gravações foram realizadas por sua amiga/ “Crush” Hannah Baker, uma jovem que cometeu suicídio, recentemente.
Cada fita possui motivos que a levaram a realizar tal conduta, bem como culpados.
Ao ler as instruções, Hannah deixou claro que se as fitas não fossem
devidamente repassadas para todas as 13 pessoas envolvidas, alguém de sua
confiança iria entregar todas as gravações à polícia.
ATENÇÃO: A partir deste momento haverá alguns Spoilers!!
Motivos que levaram Hannah Baker a
suicidar-se:
1º
motivo: Justin Foley –
Primeiro beijo de Hannah. Apesar de ter sido apenas um beijo, em determinado
momento de descontração, durante um encontro no parquinho, Justin tira uma foto
da parte de baixo de sua saia e divulga a imagem para todos os seus colegas.
Esta atitude fez com que a jovem fosse rotulada de “menina fácil”, pois
concluíram que foram muito além de um simples beijo.
2º
motivo: Jessica Davis –
Primeira amiga. Quando Hannah entrou na escola, fez amizade com Jessica. Ocorre
que, assim que Jessica começa a se relacionar com Alex e realizar atividades
extracurriculares, afasta-se de Hannah e a acusa de dar em cima de seu namorado
(Neste episódio, Jessica deu um tapa no rosto de Hannah pelas suposições
criadas em sua cabeça).
3º
motivo: Alex Standall –
Novato, amigo da protagonista. Jessica, Alex e Hannah formavam um trio de amigos,
mas ambos a abandonaram após iniciarem um relacionamento. Alex, também, foi uma das pessoas que que
aumentaram a importunação sexual em relação a Hannah, pois incluiu seu nome
numa lista de “garotas mais atraentes da escola”.
OBS: Assim que ouve as fitas, ele também
tenta suicídio.
4º
motivo: Tyler Down –
Fotografia e perseguição. Tyler era conhecido por ser o fotógrafo da escola.
Porém, além disto, ele perseguia a Hannah, pois tirava fotos dela através da
janela de seu quarto, sem que a mesma percebesse sua presença. Em um destes
registros, ele a flagrou beijando outra garota, a Courtney. Tal atitude
acarretou ataques homofóbicos.
5º
motivo: Courtney
Crimsen – Traição de confiança. Em que pese tenha beijado Hannah, quando a foto
foi divulgada, inventou que era outra pessoa e que Hannah estava envolvida num
relacionamento lésbico.
6º
motivo: Marcus Cule –
Propostas sexuais. A princípio, ele parece ser um bom rapaz, mas ao marcar um
encontro com Hannah, chega atrasado, a humilha e faz propostas sexuais na
frente de seus amigos, que se divertem com a situação.
7º
motivo: Zach Dempsey –
Ele tenta ajudar Hannah, mas em certo momento, discutem e se afastam um do
outro.
8º
motivo: Ryan Sahaver
– Publicação de poema sem devida
autorização. Dentro da escola havia um grupo de poesia. Ryan era o líder e
editor da revista do local. Ele se usa disto para divulgar um poema de Hannah,
sem sua autorização, o que lhe acarretou um sentimento de ridicularização.
9º
motivo: Justin Foley (novamente)
– Cumplice de estupro. Justin é culpado pelo fato de ter permitido a realização
do estupro contra Jessica.
10º
motivo: Sheri Holland –
Morte de colega. Na volta de uma festa, Sheri bate o carro num sinaleiro e não
permite que Hannah ligue à polícia. Por conta disto, Jeff (colega de escola) sofre
um acidente e não resiste.
11º
motivo: Clay – Ausência
de atitudes. Clay era extremamente apaixonado por Hannah, mas não percebia os
sinais de que ela não estava bem e precisava de ajuda. Até iniciaram um
relacionamento, mas pelos seus traumas, ela pediu para que ele se afastasse,
ele o fez e ela gostaria que ele tivesse lutado pelo seu amor.
12º
motivo: Bryce Walker –
Realização do estupro. Bryce é o “bam bam bam” da escola e chefe do time de
basquete. Estupra Jessica no momento em que ela estava inconsciente e após
isto, estupra Hannah numa jacuzzi.
13º
motivo – Kevin Potter:
Omissão da escola. Hannah chegou a pedir ajuda à escola sobre tudo o que estava
acontecendo, porém, Kevin desconfia de suas alegações e diz que ela deverá: ou
apontar o culpado, diretamente, ou esquecer de todos os acontecimentos e seguir
sua vida.
A segunda temporada, refere-se ao
julgamento da escola por saberem da realização do estupro e do bullying
enfrentado pela protagonista e por terem se mantido omissos, o que acarretou o
suicídio de Hannah. Aqui, os episódios não se utilizam de fitas e sim polaroids, que foram fundamentais para
que houvesse a descoberta de outros estupros ocorridos no colégio.
OBS: um dos episódios mais chocantes desta
temporada foi a realização do estupro contra Tyler Down (Prometo que não darei
mais Spoilers).
Após este breve resumo, veremos o lado
jurídico do seriado:
1.
Partilha de imagens íntimas sem consentimento:
Dispõe o art. 5º, X, da Constituição
Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem
das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação”.
Neste sentido, o art. 20 do Código
Civil protege o direito de imagem da seguinte forma:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração
da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a
transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem
de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Portanto, todo indivíduo possui
direito de imagem e poderá haver a responsabilização tanto daquele que faz a
publicação quanto de quem a compartilha.
Sobre este tema, tramita na Câmara
dos Deputados o PL 242/19 que criminaliza o ato de tirar foto por debaixo da
saia ou vestido de uma mulher, sem sua permissão, em locais públicos ou
privados. Para quem praticar o chamado upskirting
(já criminalizado no Reino Unido), a pena poderá ser de dois a seis anos de
reclusão, mais multa. A proposta será analisada pelas
comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e CCJ. Depois segue para o plenário
da Câmara.
2. Bullying
De acordo com a lei 13.185/15, Bullying diz respeito a todo ato de
violência, seja física, seja psicológica, intencional e repetitiva que ocorre
sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais
pessoas, com o intuito de intimidá-las ou agredi-las, causando-lhe dor e
angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre os envolvidos.
Quando ele é caracterizado? SEMPRE
que houver qualquer forma de intimidação, humilhação ou discriminação
provenientes de ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e
apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos;
expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado.
A Constituição Federal, no art. 227,
redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de 2010, dispõe que:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida,
à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura,
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Além disto, há diversos Tratados
Internacionais dos quais o Brasil é signatário, como, por exemplo, a Convenção
Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), impõe a
dignidade física, psíquica e moral do indivíduo, protegendo, portanto, a vítima
de bullying que, apesar de não sofrer violência física, sofre coação moral e
psíquica, vendo sua esfera psicológica ser abalada em tal processo.
Desta forma, percebe-se que os
agressores deverão responder pelos seus atos.
3.
Importunação sexual
De acordo com o art. 215-A do CP, a importunação
sexual diz respeito a uma conduta de “praticar contra alguém e sem a sua
anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de
terceiro”, à qual é cominada pena de reclusão, de um a cinco anos, se o fato
não constitui crime mais grave.
Este crime tem como bem jurídico
protegido, conforme o capítulo que foi inserido, a liberdade sexual da
vítima, ou seja, seu direito de escolher quando, como e com quem praticar
atos de cunho sexual. É crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer
pessoa, seja do mesmo sexo/gênero ou não. A vítima pode ser qualquer
pessoa, ressalvada a condição de vulnerável.
4.
Estupro
De acordo com a redação determinada
pela Lei n. 12.015/2009, ao art. 213 do CP, constitui crime de estupro a ação
de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.
Capez, declara que:
O dispositivo legal abarcou diversas situações
que não se enquadrariam na acepção originária do crime de estupro, o qual
sempre tutelou a liberdade sexual da mulher, consistente no direito de não ser
compelida a manter conjunção carnal com outrem. Portanto, a nota característica
do delito em exame sempre foi o constrangimento da mulher à conjunção carnal,
representada pela introdução forçada do órgão genital masculino na cavidade
vaginal. A liberdade sexual do homem jamais foi protegida pelo aludido tipo
penal.
Com a nova epígrafe do delito em estudo,
entretanto, passou-se a tipificar a ação de constranger qualquer pessoa (homem
ou mulher) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se
pratique outro ato libidinoso. Deste modo, ações que antes configuravam crime
de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), atualmente revogado pela Lei n.
12.015/2009, agora integram o delito de estupro, sem importar em abolitio
criminis. Houve uma atipicidade meramente relativa, com a mudança de um tipo
para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a configurar também
estupro, com a mesma pena).
Sendo assim, o estupro passou a abranger
a prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua
tutela legal para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do
homem.
5.
Suicídio
Conforme Capez, suicídio é a
deliberada destruição da própria vida. Suicida, segundo o Direito, é somente
aquele que busca direta e voluntariamente a própria morte. Apesar de o suicídio
não ser um ilícito penal, é um fato antijurídico, dado que a vida é um bem
público indisponível, sendo certo que o art. 146, § 3o, II, do Código Penal
prevê a possibilidade de se exercer coação contra quem tenta suicidar-se,
justamente pelo fato de que a ninguém é dado o direito de dispor da própria
vida. Segundo Durkheim, o
suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um
ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que
deveria produzir esse resultado”.
6.
Induzimento, instigação ou auxílio a
suicídio
Não obstante a lei penal não punir o
suicídio, cujas razões de índole político-criminal veremos logo mais adiante,
ela pune o comportamento de quem induz, instiga ou auxilia outrem a
suicidar-se. É que, sendo a vida um bem público indisponível, o ordenamento
jurídico veda qualquer forma de auxílio à eliminação da vida humana, ainda que
esteja presente o consentimento do ofendido.
Capez conceitua os termos da
seguinte forma:
Induzir:
Significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento quando a
ideia de autodestruição é inserida na mente do suicida, que não havia
desenvolvido o pensamento por si só.
Instigar: Significa
reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. O sujeito ativo
potencializa a ideia de suicídio que já havia na mente da vítima.
Prestar auxílio:
Consiste na prestação de ajuda, que tem caráter meramente secundário. O auxílio
pode ser concedido antes ou durante a prática do suicídio.
Portanto, qualquer ato que ajude a
vítima a cometer suicídio é crime!
Agora, se você que está lendo este post sofre algum tipo de violência, NÃO
SOFRA CALADO! #ConselhoDeAmiga.
(O
CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do
suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e
precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas todos
os dias. Se estiver precisando de ajuda, ligue 188 ou clique aqui)
O QUE DIZEM NOSSOS
PROFESSORES:
Questionados
pelo Blog “Unicuritiba Fala Direito” sobre a influência do seriado em relação
ao suicídio, o professor de Psicologia Perci Klein respondeu de forma clara e
direta:
“Um seriado apenas não
seria o motivo de influenciar jovens ao suicídio. Precisamos pensar quem é este
jovem: Até que ponto é influenciável? Tem maturidade para assistir, assimilar e
interpretar o que está vendo? Como reage a tal informação? Teve mediação da
família e ou da escola? Está é a grande questão!
O seriado fez os
indivíduos pensarem a questão da vida, da morte, das perdas, dos sonhos, e o
que representa o suicídio numa sociedade globalizada. ”
REFERÊNCIAS:
CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial :
arts. 213 a 359-H.
CAPEZ,
Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial :
arts. 121 a 212.
** Helem Keiko Morimoto é acadêmica do
nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog
UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele
Hastreiter.
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