O fato mais comentado desta
semana foi, sem dúvidas, a denúncia de que o jogador Neymar Jr. teria estuprado a modelo Najila
Trindade Mendes de Souza. Desde então, o caso vem ocupando espaço nos meios de
comunicação e causando diversos debates sobre quem estaria falando a verdade. Este texto não pretende fazer qualquer
juízo de valor ou assumir uma posição quanto ao caso, mas apenas discorrer
sobre os tipos penais envolvidos no debate e as possibilidades jurídicas do
caso.
Pelo que se sabe até agora, parecem
ter ocorrido, ao menos, dois crimes: 1) exposição de fotos íntimas; 2) estupro
ou denunciação caluniosa. E é sobre esses delitos que iremos discorrer a
seguir.
ESTUPRO
Tipificado no
artigo 213 do Código Penal, o crime de estupro se dá pelo constrangimento de
alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a
praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (pena de
reclusão de 6 a 10 anos).
Ou seja, com a alteração do
Código Penal pela Lei 12.015/09, o estupro não é mais entendido apenas como a
penetração de um homem contra a mulher, abrangendo como bem jurídico tutelado a
liberdade sexual do homem e da
mulher, no que tange a faculdade de ambos escolherem livremente seus parceiros
sexuais – podendo recusar, inclusive, o próprio cônjuge[i]. Além disso, destaca Bitencourt, “não é
necessário que a força empregada seja irresistível:
basta que seja idônea para coagir a
vítima a permitir que o sujeito ativo realize seu intento”[ii].
Ainda,
para o enquadramento no tipo penal, não há qualquer espaço para se questionar a
vida pregressa ou a moral sexual (seja lá qual for o significado desta expressão!) da(o) ofendida(o), podendo ser a vítima, inclusive,
garotas(os) de programa, sempre que a prática sexual for contra a sua vontade.
Conforme Guilherme Nucci[iii],
“sob essa ótica, é crucial afastar todo tipo de preconceito e posições
hipócritas, pretendendo defender uma resistência sobre-humana por parte da
vítima, a fim de comprovar o cometimento do estupro”.
No caso em
discussão, Najila afirma que, a princípio, a relação foi
consensual, mas ao dizer que não poderiam praticar a conjunção carnal devido à
ausência de preservativo, o jogador se manteve em silencio, a agrediu e iniciou a penetração, segurando-a com força e a impedindo de
reagir, ainda que ela tenha pedido para que ele parasse com o ato[iv].
Caso tenha
ocorrido a violação, nos termos da entrevista dada pela suposta vítima ao SBT,
não há dúvidas quanto ao cometimento do estupro. Isso porque, ainda que tenha
inicialmente consentido, a partir do momento da recusa e da continuidade do ato por Neymar, caracterizado
está o ato forçado para lasciva sexual.
Todavia, Neymar
alega que a relação foi consensual do começo ao fim e que foi vítima de uma
armação por parte da modelo. Se as provas comprovarem a versão do jogador, Najila
poderá responder por Denunciação Caluniosa.
DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA
Conforme o
artigo 339, do Código Penal, a denunciação caluniosa é: “Dar causa à
instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de
investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”.
Nesse sentido, é indispensável que
o arquivamento ou absolvição (art. 386, I, IV, V, CPP) tenha como fundamento a
falsidade da imputação com o conhecimento do imputante. Além disso, é
indispensável a conclusão definitiva da investigação ou absolvição transitada
em julgado, como um mínimo de garantia da Administração da Justiça[v]. Destaca-se, ainda, que o elemento subjetivo do crime é o
dolo, ou seja, a vontade consciente de provocar a investigação policial,
judicial, administrativa, civil ou de improbidade.
Então, findada a
investigação policial – e eventual processo criminal, caso o Ministério Público
decida por realizar denúncia ao Poder Judiciário –, havendo a comprovação de
que Neymar Jr. não cometeu o crime de estupro e, mesmo ciente disso, Najila fez
a imputação à ele, poderá o jogador, optar em denunciá-la por denunciação
caluniosa, além de incidir os crimes contra a honra (art. 138 a 140, CP), danos
morais e lucros cessantes pela perda de contratos (art. 5º, V e X, CF).
DIVULGAÇÃO DE IMAGENS INTIMAS
Enquanto o enquadramento
dos dois delitos anteriores depende de uma instrução probatória que esclareça o
que ocorreu entre as quatro paredes de um quarto de hotel em Paris, há outro
delito envolvido no debate, nos quais os indícios de autoria e materialidade foram
testemunhados por milhões de pessoas do mundo todo, através da Internet e das
redes sociais.
Após a notícia da denúncia de
estupro ter vindo à tona, o jogador Neymar divulgou em sua rede social um vídeo
com conversas entre o casal, contando com fotos íntimas da modelo. Alegou ter
borrado as fotos para evitar sua identificação, entretanto, só foram censurados
os mamilos e a vulva, mas as fotos de lingerie e, inclusive, a foto dos glúteos
se mantiveram em evidência. Além disto, o incomum prenome de Najila não foi
apagado em uma das mensagens, o que permitiu sua rápida identificação
nas redes sociais.
O artigo
218-C, do Código Penal, trata sobre a exposição de fotografias ou vídeos
íntimos contendo cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da
vítima. Conforme o
dispositivo, ainda que Najila tenha encaminhado fotos de teor sexual
para Neymar Jr., e ainda que ele tenha
mostrado a conversa com a finalidade de se defender e não a expor, em momento
algum há o consentimento dela para que as fotos viessem a público. Destaca-se
que aquele consentimento dado para que alguém
capte ou receba uma imagem com conteúdo íntimo
não se estende para que o remetente possa compartilhar as fotos e/ou vídeos com
terceiros.
Desta forma, caso seja responsabilizado pela divulgação
indevida, o jogador poderá responder tanto no âmbito criminal quanto no cível.
Nesse sentido, pelo Código Penal, incidirá a pena do artigo acima mencionado, inclusive com a agravante do §1º, visto que ambos
mantiveram relações sexuais e, ainda, pode-se considerar uma possível intenção
de vingança ou humilhação da pessoa com quem trocava as mensagens. Já na esfera
civil, haja vista a ilicitude da conduta, bem como a existência de nexo causal
entre fato e dano, surge o claro dever de indenizar Najila, independentemente da
existência ou não do crime de estupro, vez que foram condutas autônomas e
distintas.
Em relação a isso, o Blog Unicuritiba Fala Direito conversou com especialistas no tema para uma melhor compreensão quanto a este crime.
Alex Mecabô[vi],
advogado e egresso do UNICURITIBA, autor do livro “Direitos humanos fundamentais e a antropologia das
emoções: a prática de Revenge Porn”, atualmente mestrando na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Grupo de
Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI), afirma:
[...] o caso exige duas reflexões distintas.
Sob a perspectiva civil, acredito que há responsabilidade por violação dos
direitos da personalidade da moça, na medida em que ela foi levada ao
escrutínio público, contra sua vontade, após a veiculação de uma conversa
íntima. Já sob a ótica penal, compreendo que não há conformação do fato com o
tipo descrito no 218-C. Se a imagem não é nítida e não identifica a suposta
vítima, não há nudez e não há crime. Entendo, também, que não há dolo do
Neymar, já que, a priori, a intenção era se defender de uma acusação pública e
não expor as imagens íntimas da moça.
O
entendimento, no entanto, divide opiniões inclusive entre os especialistas do mesmo Grupo, que
dedica-se, dentre outras coisas, a debater questões jurídicas ligadas à
Internet. Nesse sentido, a também mestranda da UFPR e pesquisadora do GEDAI, Alice de Perdigão Lana[vii], autora do livro "Mulheres expostas: revenge porn, gênero e
o Marco Civil da Internet", afirma:
Independentemente da existência de estupro
ou não, da índole do jogador ou de Najila, ou mesmo dos motivos que levaram
Neymar Jr. a realizar a exposição da troca de mensagens, o fato é que imagens
de nudez foram divulgadas sem consentimento da pessoa exposta - o que é crime,
conforme o art. 218-C do Código Penal. A ampla defesa milita em favor do
acusado dentro do processo penal, nos autos, e não no universo midiático. Além
disso, essa exposição não consentida gera direito à indenização por danos morais.
No vídeo divulgado por Neymar Jr., é
possível ver o nome, rosto e corpo da mulher exposta. Ainda que algumas das
imagens estejam borradas, não são todas e não estão suficientemente
anonimizadas. Não é difícil saber que alguém com tantos recursos e assessoria
quanto o jogador teria, facilmente, condições de borrar corretamente o nome,
rosto e corpo de Najila em toda a troca de mensagens. No entanto, não o fez,
expondo a modelo ao pesado julgamento moral do Brasil e do mundo.
A disseminação não consensual de imagens
íntimas - pejorativamente caracterizada como um mero "crime de
internet" pelo pai de Neymar - não é escusável. Esse "crime de
internet", com assustadora frequência, tem consequências devastadoras na
vida das mulheres expostas - como mudança de emprego, de escola e mesmo de
cidade ou estado. Não são raros os casos que terminam com suicídio. Sua
gravidade e seus efeitos não devem ser banalizados.
Independentemente
do desfecho das investigações, é importante lembrar que também comete o crime
do art. 218-C quem recebe as fotos e as compartilha com outras pessoas. Isto é:
caso você receba fotografias e/ou vídeos íntimos de qualquer pessoa e, sem o
consentimento dela, repassa aos amigos, poderá incidir na mesma pena do artigo.
Por
isso, ao se deparar com imagens de cunho
sexual, não passe a diante!
Notas:
1.
Alex Mecabô é advogado,
graduado pelo UNICURITIBA e mestrando em Direito das Relações Sociais, pela
UFPR. Autor do livro “Direitos humanos fundamentais e a antropologia das
emoções: a prática de Revenge Porn” (disponível na Biblioteca física do
UNICURITIBA).
2.
Alice de
Perdigão Lana é graduada pela UFPR, mestranda e bolsista CAPES em
Direito das Relações Socias pela UFPR e pesquisadora sobre a privacidade e
dados pessoais. Pesquisadora no Grupo de Estudos em Direito Autoral e
Industrial (GEDAI/UFPR) e no Grupo Direito, Biotecnologia e Sociedade
(BIOTEC/UFOR). Autora do livro "Mulheres expostas: revenge porn, gênero e
o Marco Civil da Internet" (disponível, na íntegra, no site
https://www.gedai.com.br/publicacoes/revenge-porn-genero-e-o-marco-civil-da-internet/).
[i]
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal: Parte Especial 4 – Crimes contra a dignidade sexual até
crimes contra a fé pública. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 50.
[ii]
Ibid., p. 55.
[iii]
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra
a Dignidade Sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 19.
[iv] ENTREVISTA com mulher que acusa Neymar de Estupro. YouTube. 2019 (5min até 6min).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bXb0QmWNE7E>. Acesso em: 06 jun. 2019.
[v]
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de
Direito Penal: Parte Especial 5 – Crimes contra a Administração Pública e
crimes praticados por prefeitos. 12ª ed. São Paulo: Saraiva: 2018. p. 327.
[vi] Relato fornecido à Giovanna Maciel, via whatsapp.
[vii]
Relato fornecido à Giovanna Maciel, via whatsapp.
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