Maria da Glória Colucci[i]
Uma das evidências mais gritantes das
desigualdades sociais no século XXI é, sem dúvida, a extrema pobreza.
Ao descrever um dos períodos mais
conflituosos da sociedade burguesa dos séculos XVI e XVII e o adensamento das
vilas e cidades, Leo Huberman estabeleceu uma estranha sequência, espécie de
escalada dos seres humanos empobrecidos da época: “... Homem pobre, mendigo,
ladrão:”[ii]
Como se pode notar, a triste evolução
do trajeto econômico e social dos indivíduos à margem do acesso às riquezas não
difere, em nada, do que ocorre nas cidades globalizadas da atualidade, com a
presença de moradores de rua, catadores de material reciclável, pedintes etc.
Nas sociedades globalizadas, o
adensamento urbano, somado à escassez de moradia, e ao desemprego se incumbem
de gerar os segmentos sociais marginalizados que se conhece como “pobres”. O
intenso comércio internacional e a exclusão do acesso aos bens e serviços
ampliam o fenômeno da pobreza para além dos limites territoriais nacionais; de
sorte a se tornar um dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ,
identificado na Agenda Global 2030 (ONU), como sendo urgente necessidade dos
Chefes de Estado e Autoridades presentes à sede das Nações Unidas, em Nova
York, de 25 a 27 de setembro de 2015, “Acabar com a pobreza em todas as suas
formas, em todos os lugares”.[iii]
À vulnerabilidade econômica, social e
moral, somam-se a vulnerabilidade profissional e intelectual que impedem o
acesso às fontes de recursos representadas pelo trabalho decente (ODS 8); em
razão da falta de profissionalização dos indivíduos em extrema pobreza e de
investimentos em educação para o mercado de trabalho.
Por outro lado, a extrema pobreza
aparece quantificada na Agenda 2030 como sendo aquela situação em que a pessoa
vive com menos de US$1,25 por dia, o que se torna aviltante em uma época em que
o consumismo, o desperdício e o descarte de bens se tornaram algo corriqueiro.[iv] Correlatamente, a criminalidade se
intensificou, sem que o Poder Público tenha alcançado controle da segurança
pública no País:
Mas
a pobreza, com a humilhação e a falta de perspectiva, é uma dedicada
companheira de viagem; ela persiste não apenas em países cuja pobreza, miséria
e desnutrição são conhecidas desde tempos imemoriais, mas está tornando a
visitar terras das quais parecia ter sido expulsa e banida de uma vez por
todas, sem direito de retorno.[v]
De algum modo, a pobreza extrema
estimula a prática de crimes contra o patrimônio, além de outros tantos “males
sociais”, conforme descreve Bauman; e se entende abrangendo “homicídios,
mortalidade infantil, níveis crescentes de problemas mentais e emocionais
[...]”[vi]
Quanto ao Direito Econômico
Internacional, Celso Lafer afirma que os reflexos da fase posterior à Segunda
Guerra Mundial foram muitos, procurando-se superar o “protecionismo, as
desvalorizações cambiais competitivas, as grandes crises financeiras” e,
acrescente-se, a pobreza, a miséria e a exploração do trabalho.[vii]
O aumento de impostos, somado à má
distribuição das riquezas, a pobreza em todas as suas faces, acrescida das doenças
e do desemprego, afetam, significativamente, a qualidade de vida do grupo
social e, não apenas, dos denominados “pobres”. A propósito da qualidade de
vida sua aferição se dá pelo IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, cujos
elementos de composição priorizam o bem-estar social e individual de um País, e
sua percepção não se reduz, apenas, ao crescimento econômico – avaliado pelo
PIB – Produto Interno Bruto.
Dentre os objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil (art. 3º, III), previstos na vigente
Constituição (1988), encontra-se o de “erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais”.[viii]
No Brasil, historicamente, podem ser
lembrados, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, conforme dispõem a
Emenda Constitucional n. 31, de 14/12/2000; a Emenda Constitucional n.67, de
22/12/2010 e a Lei Complementar n.111, de 6/7/2001; por fim, o Decreto n.7.492,
de 2/6/2011, instituiu o Plano Brasil Sem Miséria.[ix]
A Agenda Global da Organização das
Nações Unidas, ao prever o combate à pobreza e à fome, se propôs até 2030 a
“reduzir pelo menos à metade a proporção de homens, mulheres e crianças, de
todas as idades, que vivem na pobreza, em todas as suas dimensões, de acordo
com as definições nacionais” (1.2).[x]
REFERÊNCIAS
[i] Advogada. Especialista em Filosofia do Direito
(PUC-Pr). Mestre em Direito Público (UFPR). Professora aposentada da UFPr.
Professora titular de Teoria do Direito (UNICURITIBA). Membro do Instituto dos
Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro da
Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do
Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de
Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa em
Seres Humanos do UNICURITIBA. Escritora e poetisa, com vários prêmios em textos
jurídicos e poéticos.
[ii] HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 9º ed. Trad.
Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Ed,
1973, p.106.
[iii] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em
www.sustainbledevelopmentun.org
[iv] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030
para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em www.sustainbledevelopmentun.org
[v] BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais:
desigualdades sociais numa era global. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013, p.52.
[vi] Idem, p.53.
[vii] LAFER, Celso. In o Brasil e a globalização:
pensadores do direito internacinal. Org. por Maurício Almeida Prado, Renata
Duarte de Santana. São Paulo: Ed. Cultura, 2013, p.45.
[viii] BRASIL. Constituição da República Federativa
do. 1988. Disponível em www.planalto.gov.br
[ix] BRASIL. Decreto n.7.492, de 2 de junho de 2011.
Institui o Plano Brasil Sem Miséria. Disponível em www.brasil.gov.br
[x] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em www.sustainbledevelopmentun.org
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