O contrato de namoro é um negócio jurídico celebrado entre duas pessoas
que mantém um relacionamento amoroso (namoro) e que pretendem afastar os
efeitos da união estável através da assinatura de um documento público. Ainda,
no mesmo instrumento, declara-se a independência financeira dos companheiros,
podendo constar a ausência expressa de comunicação entre os bens presentes e
futuros, bem como se há a intenção de constituir ou não união estável
posteriormente[i].
Desta forma, não há acordo obrigacional entre as partes, apenas uma
declaração de existência de uma situação de fato, não vinculada ao âmbito
jurídico, já que não é disciplinado por nenhuma lei.
NAMORO X UNIÃO ESTÁVEL
Conforme Pablo Stolze[ii],
tal contrato entrou na pauta de discussões com o advento da Lei nº 8.971/94,
que regulamentou a união estável no Brasil, e posterior alteração pela Lei nº
9.278/1996, a qual dispôs que, para a sua caracterização, basta o intuito do
casal em conviver de forma pública e duradoura, com o objetivo de constituir
família (art. 1.723, CC).
A partir daí a diferença entre união estável e um simples namoro se
tornou tênue, dificultando o trabalho do Judiciário quanto a identificação e,
ainda, causando incertezas nos casais que não pretendem, a priori, formar um
núcleo familiar.
O objetivo de constituir família é o principal diferenciador entre os
institutos, sendo que na união estável ele é preexistente, enquanto no namoro a
intenção é projetada para o futuro, sem se ter a certeza de quando e se
existirá. Ou seja, na primeira hipótese, o casal se comporta com sendo da mesma
família e tem a plena convicção de estarem vivendo em uma relação familiar,
sendo, inclusive, reconhecidos socialmente como tal.
Ressalta-se que, ainda que no namoro possa haver uma vontade em formar
família, ela ainda não existe, assim como o casal não se comporta como tal. Por
isso, mesmo em casos em que as pessoas namoram há 10 anos, por exemplo, não se
pode afirmar que vivem em uma união estável.
Ainda, observa-se que a união estável
possui consequências jurídicas, principalmente patrimoniais, como o direito à
alimentos, à herança, à partilha de bens e, ainda, os deveres recíprocos de
convivência (art. 1.724,CC). São justamente esses efeitos que se pretende
afastar com essa forma contratual.
RELEVÂNCIA
Diante da proximidade entre as
hipóteses, muitos casais procuram demonstrar, em documento escrito, sua relação
como namorados, visando resguardar seus patrimônios. Isso porque, com a quebra
de paradigmas e a proximidade entre os relacionamentos atuais, é comum que um
permaneça mais tempo na casa do outro, compartilhando objetos e até mesmo
animais de estimação, ainda que não se trate de uma união estável.
Há quem defenda que realizar o contrato de namoro é importante para
demonstrar a vontade das partes, inclusive em caso de término, para que não
haja, equivocadamente, um pedido judicial requerendo o reconhecimento e
dissolução de união estável[iii].
Sendo assim, pode ser considerado como um instrumento interessante para antever
essa situação e, caso restar configurada a união estável posteriormente, prever
o regime de bens a ser aplicado ou, ainda, deixar claro que não pretendem que
aquela relação seja reconhecida como tal.
Todavia, não é possível afirmar que o contrato terá validade, tampouco
efeitos jurídicos em todos os casos, ainda que sirva como prova em um eventual
processo de reconhecimento de união estável.
VALIDADE E EFICÁCIA
Para
alguns autores, a declaração de existência de namoro, expresso em contrato, é
licita e válida no ordenamento brasileiro, embora seja irrelevante e incapaz de
gerar efeitos práticos[iv].
O tema é polêmico
visto que muitos operadores do direito entendem que este contrato é nulo. Nessa
linha, entendem que as normas referentes à união estável, por serem de ordem
pública, sobrepõem-se ao contrato de
namoro. Ou seja, mesmo que se faça o contrato de namoro, se
eventualmente ficar evidenciada uma união estável, o que valerá é a realidade
vivida pelos envolvidos[v].
Assim sendo, o
contrato só será nulo quando utilizado para afastar as regras do Direito de
Família, de modo em que nenhum acordo entre os particulares será capaz de
afastar os efeitos patrimoniais desta entidade familiar. Assim, para Maria
Berenice Dias[vi],
tal contrato não tem o condão de afastar a responsabilidade patrimonial que
venha a surgir decorrente da caracterização da união estável. Para a jurista, o
ato é inexistente e ineficaz no ordenamento jurídico, apenas moneterizando a
relação afetiva.
Por outro lado,
Regina Beatriz Tavares[vii]
defende a licitude e validade do contrato de namoro, desde que firmada com a
finalidade de refletir a realidade – de simples namoro –, sem causando qualquer
dano às partes ou a outrem.
Finalmente, embora
desafiem a jurisprudência os casos em que vivem sob o mesmo teto, dormindo na
mesma cama e compartilhando a convivência familiar, havendo o entendimento de
que se trata de mero namoro e tendo em vista que é o seu estilo de viver, é o
desfrute da liberdade do casal. Desta forma, ainda que sem validade jurídica, o
instrumento serve como uma forma de exteriorizar o pensamento do casal[viii].
O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES?
Profa. Dra. Fernanda Schaefer: “O ponto
central da discussão parece ser mesmo demonstrar a intenção de ambos em
constituir família, elemento subjetivo, interno, de caracterização da união
estável. É o compromisso inequívoco de criar uma entidade familiar, assumindo
deveres pessoais e patrimoniais recíprocos. É elemento que, sem dúvida, só pode
ser avaliado no caso concreto pelo nível de comprometimento do casal.
Dessa forma, ainda que o relacionamento seja prolongado, ainda que
haja convivência pública, que frequentem reciprocamente as respectivas casas,
que compartilhem interesses, que realizem diversas viagens juntos, se não
demonstrada a intenção conjunta de constituir família, união estável não será,
ainda que com ela se pareça. Não deve o Estado, atribuir ao namoro o status de
união estável, contra a vontade expressa dos namorados, sob pena de sufocar
relacionamentos e, até mesmo, provocar insegurança jurídica. [...]
Na prática, então, pode-se afirmar que essas declarações sendo
livres de qualquer vício (especialmente os do consentimento) e não se
destinando a dissimular uma eventual união estável buscando caracterizá-la como
namoro, terão validade pelo que são: declarações bilaterais que afirmam um
relacionamento afetivo sem intenção de constituir família, portanto, namoro na
sua mais pura configuração, independente do tempo de sua constituição e
duração.”
Profa. Me. Adriana Martins Silva: “No meu entendimento, o contrato de namoro não tem nenhuma validade,
não tem como surtir efeitos jurídicos, porque, na verdade, o que caracteriza a
união estável, diante do artigo 1.723 do nosso Código Civil é a união estável
que tem uma continuidade, uma duração razoável, que tem publicidade e com o
objetivo de constituição de uma família. Portanto, há um entendimento inclusive
do STJ que não há nem a necessidade nem de coabitação e por isso, fica até um
pouco complexo fazer uma análise de um namoro sério, em que eu faço inclusive
um contrato, em que eu convivo com a pessoa ou não, no mesmo teto, e eu tenho
um relacionamento pautado na união dos requisitos próprios dessa entidade
familiar. Portanto, deverá ser analisado o caso concreto, precisa ser
verificado esse objetivo subjetivo de constituir família. Então, o meu
entendimento é que não vai impactar nas situações do âmbito familiar. Namoro é
namoro, se não ficar configurada uma entidade com o objetivo desta constituição
e juntando os requisitos ora mencionados, não tem como confundir a união
estável – entidade familiar sacramentada como tal – e o contrato de namoro, que
não tem efetividade nenhuma diante do caso concreto.”
[i] LARA, Aline. Contrato de Namoro. Migalhas. 21 abr. 2014. Disponível em:
<https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI199310,101048-Contrato+de+namoro>.
[ii] GAGLIANO, Pablo Stolze. Contrato de Namoro. [s.d.] Disponível
em: <www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/artigosc/Pablo_namoro.doc>.
[iii] BARONI, Arethusa; CABRAL, Flávia Kirilos
Beckert; CARVALHO, Laura Roncaglio de. Contrato de Namoro: Perguntas e
respostas. Direito Familiar. 12 dez.
2018. Disponível em: <https://direitofamiliar.com.br/contrato-de-namoro-perguntas-e-respostas/>.
[iv]
MONTEMURRO, Danilo. Contrato de namoro é valido, mas tem pouca eficácia. Conjur. 17 nov. 2013. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2013-nov-17/danilo-montemurro-contrato-namoro-valido-utilidade>.
[v]
BARONI, Arethusa; CABRAL, Flávia
Kirilos Beckert; CARVALHO, Laura Roncaglio de. Contrato de Namoro: Perguntas e
respostas. Direito Familiar. 12 dez.
2018. Disponível em: <https://direitofamiliar.com.br/contrato-de-namoro-perguntas-e-respostas/>.
[vi]
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito
das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
[vii]
SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal
falado contrato de namoro. Disponível em: <http://reginabeatriz.com.br/o-mal-falado-contrato-de-namoro/>.
[viii] PINHEIRO,
Raphael Fernando. “Namorar com contrato?” A validade jurídica dos contratos de
namoro. Âmbito
Jurídico. mai. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11589>.
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