20/09/2013

QUALIDADE DE VIDA: DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (Maria da Glória Colucci)

QUALIDADE DE VIDA: DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS NOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL – ODS (ONU, 2015-2030).

Maria da Glória Colucci*

Dando continuidade aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM-2000-2015), a Organização das Nações Unidas lançou os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como proposta desafiadora de combate às situações ainda persistentes, de extrema miséria, fome, doenças crônicas, endêmicas ou não, somadas às carências de ordem socioeconômicas, que representam graves embaraços ao desenvolvimento sustentável e à qualidade de vida, obstaculizando o exercício dos direitos humanos fundamentais.
Poder-se-á dizer que a “sadia qualidade de vida” representa o elo entre o desenvolvimento sustentável e a dignidade da pessoa, ambos princípios constitucionais, insculpidos, respectivamente, nos arts. 225, 5º e 1º, III da Lei Maior, igualmente presentes no Documento Final da Rio+20 – fundamentos dos direitos individuais e coletivos.
Ao se promover a análise do Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada de 20 a 22 de junho de 2012, e a tutela dos direitos humanos fundamentais, se torna imprescindível destacar alguns aspectos a serem objeto de reflexão, tais como:
a)     a importância dos direitos humanos fundamentais, sob o prisma da sadia qualidade de vida, com base no texto constitucional;
b)     a necessidade de abordagem do desenvolvimento sustentável e suas interlocuções com a redução das desigualdades sociais, inclusão e promoção da pessoa, com base nos ODS (2015-2030);e, também,
c)      o minucioso exame dos avanços doutrinários, legais e jurisprudenciais em defesa da qualidade de vida e dos direitos humanos fundamentais, sobretudo, à vida, saúde, educação, trabalho, lazer, moradia, dentre outros, presentes na Constituição e no Documento Final da Conferência, são determinantes à compreensão da qualidade de vida.

            Quanto aos Estados signatários do Documento Final, firmado em junho de 2012, no Rio de Janeiro, com a participação da sociedade civil, renovaram o compromisso anteriormente assumido (2000, ONU), de promover “[...] um futuro econômico, social e ambientalmente sustentável para o nosso planeta e as gerações presentes e futuras”.[1]
            Sem dúvida, o foco determinante de todas as iniciativas governamentais, dos Chefes de Estado e demais representantes oficiais presentes à Conferência Rio+20, foi a preservação da vida humana na multiplicidade de aspectos que comporta, desde a gestação até à morte. Desta sorte, o Documento dá prioridade às populações mais vulneráveis do planeta, cuja situação de exposição contínua às adversidades naturais, políticas, étnicas, religiosas, e de outra ordem, tem-se intensificado crescentemente em virtude do abandono e exclusão social que sofrem:

Reconhecemos que as pessoas constituem o centro do desenvolvimento sustentável e a este respeito nos esforçamos em alcançar um mundo que seja justo, equitativo e inclusivo, e nos comprometemos a trabalhar conjuntamente para promover o crescimento econômico sustentável e inclusivo, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente, o que redundará em benefício de todos. (tradução livre).[2]

As várias áreas do saber humano, quer se apresentem como ciência, técnica, arte e suas particularizações, contribuem para o estudo da “qualidade de vida”, cujas interfaces são evidentes, sobretudo diante do inevitável conflito entre crescimento (quantitativo) e desenvolvimento (qualitativo). Visto que nem sempre se verifica a necessária convergência entre ambos, as desigualdades têm-se acentuado, apesar dos esforços e investimentos realizados:

Preocupa-nos profundamente o fato de que uma em cada cinco pessoas deste planeta, vale dizer, mais de 1000 milhões de pessoas, continuem vivendo em extrema pobreza, e que uma em cada sete, ou seja 14%, está mal nutrida, tanto que certos problemas de saúde pública, como as pandemias e epidemias, continuam a ser uma ameaça sempre presente.[3]
        
Sob o foco da sustentabilidade social novas perspectivas se oferecem, uma vez que a sociedade pós-moderna, em decorrência do consumismo exarcebado, exige que as empresas estejam alinhadas com a utilização de tecnologias não poluentes e energias renováveis, em prol da “sadia qualidade de vida” (art. 225, Constituição de 1988).
Tomando-se como base os fundamentos constitucionais para análise da “qualidade de vida”, não se poderá restringir sua interpretação e aplicação ao meio ambiente, em suas diversas significações, mas se deve ampliar sua compreensão à pesquisa dos direitos individuais e coletivos.
            Considerando-se a diversidade de questionamentos que a análise dos direitos humanos fundamentais envolve, algumas indagações podem ser oferecidas, tais como:
a)    Por que saúde, educação, cidadania, igualdade de gênero, automação, sustentabilidade e moradia possuem como vértices comuns a vulnerabilidade e dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF)?
b)    Qual o papel das políticas públicas no Brasil para a promoção dos direitos humanos fundamentais, nas áreas de sustentabilidade e qualidade de vida de populações carentes?
c)    Como a educação e o trabalho podem contribuir para minimizar os graves problemas sociais de saúde, drogas, criminalidade e exclusão no Brasil?
d)    De que modo mudanças climáticas, políticas e econômicas podem ser contornadas, ou superadas, mediante o compromisso firmado entre os Chefes de Estado, de Governo e representantes de alto nível, signatários do Documento Final da Rio+20 (junho, 2012)?

Conforme assinala Demétrius Coelho Souza, após minuciosa pesquisa bibliográfica sobre a qualidade de vida e suas relações com os direitos fundamentais, deve-se considerar que:

[...] os temas alusivos ao meio ambiente, qualidade de vida, bem-estar, dignidade da pessoa humana e valores fundamentais encontram-se intimamentes associados, não se podendo falar em qualidade de vida sem qualidade ambiental[...].[4]
           
Prosseguindo, o mesmo autor destaca a necessidade do olhar constitucional da “qualidade de vida” ser multidisciplinar, envolvendo a sustentabilidade urbana e a totalidade da pessoa humana (cidadão), diretamente afetado pelo meio ambiente em que mora, trabalha, descansa – “vive”:

Conclui-se, como já alertado, que os temas cidade, bem-estar, qualidade de vida, meio ambiente e planejamento encontram-se umbilicalmente associados. Não se pode deixar de mencionar, ainda, que o planejamento urbano deve ser realizado com o máximo de técnica e comprometimento possível, razão pela qual se encontra associado ao planejamento ambiental.[5]

            Apesar da amplitude dos temas, a análise deve se embasar, principalmente, nos Documentos Internacionais mais recentes, na Constituição da República em vigor, na doutrina e jurisprudência focadas nos direitos humanos fundamentais, além de outras fontes.
          Por último, a “qualidade de vida” é não só direito, como princípio, diretriz conceitual ou fonte para efetivação de práticas sustentáveis as mais diversas, devendo resultar sua observância em humanização das cidades, da saúde, do trabalho, da educação, da moradia etc, em cumprimento constitucional da solidariedade, refletida nos objetivos da República, presentes no art. 3º, incisos I a IV, da Carta de 1988.[6]






REFERÊNCIAS

[1] ONU, Documento Final da Conferência Rio+20 – “O Futuro que Queremos”(I.1), disponível em www.onu.org.br
2 Idem, I.6.
3 Idem, II.B.21
4 SOUZA, Demétrius Coelho. O meio ambiente das cidades. São Paulo: Atlas, 2010,p.51.
5 Idem, p.59.
6 BRASIL, Constituição da República Federativa do. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br





* Mestre em Direito Público pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular de Teoria Geral do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA, desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do CONPEDI – Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).  






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