Por
Felipe Ribeiro.
Contar
uma história criminal nunca é fácil e o desafio se torna ainda maior quando a
vítima é uma criança. Por quase dois anos, o Projeto Humanos explorou e tentou
trazer certa luz a um dos episódios policiais e jurídicos mais emblemáticos do
Paraná. Só para a gente ter uma ideia, esse é o homicídio que até hoje é
marcado pelo maior júri popular da história brasileira, com 34 dias. Com um
trabalho, que não consigo definir menos que brilhante, Ivan Mizanzuk nos
apresenta fatos, dúvidas e nos prova que toda a acusação foi uma mentira, já
que tudo é feito a partir de confissões obtidas por meio de tortura.
Fazendo
um breve resumo, apenas para contextualizar o caso, Evandro Ramos Caetano
desapareceu em 6 abril de 1992, aos seis anos, em Guaratuba, no Litoral do Paraná.
Cinco dias depois, um corpo foi encontrado próximo a sua casa e aí entra todo
um elemento mórbido: o pequeno estava sem as mãos, sem os olhos, sem o couro
cabeludo, sem alguns dedos dos pés, com uma parte da coxa esquerda faltando,
com o ventre aberto e sem os órgãos internos. Apesar de testes de DNA
comprovarem que de fato é a mesma pessoa, até hoje ronda um certo mistério se
aquele de fato era o menino.
Inicialmente,
o grupo de elite da Polícia Civil, o Tigre (Tático Integrado de Grupos de
Repressão Especial) foi designado para o caso. Sem conseguir solucionar o
ocorrido, porém, um grupo da Polícia Militar, o Aguia (Ação de Grupo Unido de
Inteligência e Ataque) foi enviado um tempo depois para desvendar o caso. E foi
o que supostamente aconteceu.
Sete pessoas acabaram presas por envolvimento no que o Aguia relatou como um ritual de magia negra. E aqui entram mais elementos que assustariam a todos: a filha e a esposa do prefeito de Guaratuba, Beatriz e Celina Abagge, estavam entre os acusados.
Com
todos esses elementos, é óbvio que o caso ganhou um estrondoso espaço da mídia
e aqui é um dos primeiros pontos que merecem elogio a Ivan Mizanzuk. O produtor
do podcast nos mostra como a mídia pode ser preconceituosa e criar narrativas
que vão acompanhar acusados pelo resto da vida.
É
o lado processual jurídico, porém, que talvez seja o maior destaque do
trabalho. Ao longo dos 36 episódios, muitos que chegam a passar de 2 horas,
Mizanzuk apresenta detalhes que partem do inquérito policial, passa pelas argumentações
da defesa, pela acusação do Ministério Público do Paraná, pelo primeiro júri
popular (aquele que é o mais longo da história do país), pela anulação do júri
(sim!), e pelos demais júris, desta vez ocorridos de forma separada em
Curitiba.
O podcast também se destaca ao nos apresentar conceitos que poderiam ser, de certa forma, complexos, como o funcionamento de um júri popular no Brasil e as diferenças com o sistema penal dos Estados Unidos.
Tortura
À
polícia, Beatriz, Celina Abagge, e outros três acusados: Osvaldo Marcineiro,
Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula Ferreira confessaram envolvimento no
crime. As fitas com as confissões ganharam intensa repercussão na época e a
divulgação delas gerou muita revolta na população de Guaratuba.
Durante
a instrução processual, porém, os cinco, mais Airton Bardelli e Francisco
Sérgio Cristofolini passam a alegar que sofreram torturas.
Para
a acusação, isso nunca aconteceu, a ponto de as confissões continuarem sendo
extremamente relevantes no decorrer do processo.
Quase
trinta anos depois, porém, Mizanzuk apresenta novas fitas e elas provam: as
torturas aconteceram, mesmo com a vigência da Constituição de 1988. Por óbvio,
toda a história está contaminada e temos um mistério em aberto.
Com
tudo isso, me resta aqui apenas indicar o podcast Projeto Humanos Caso Evandro.
Ele está disponível em praticamente todas as plataformas, incluindo o Spotify e
o Deezer. Em breve, o caso será retratado também em série da Globoplay e em
livro, escrito pelo próprio Mizanzuk.
*Em
tempo...
Lembra
que eu falei da dúvida em torno do corpo? Ela aparentemente se justifica, uma
vez que temos um caso ainda em aberto em Guaratuba: o desaparecimento de
Leandro Bossi, que sumiu poucos meses antes de Evandro. Até hoje não temos uma
resposta para esse caso, mas a relação entre eles sempre foi muito explorada e
Mizanzuk relaciona muito bem as histórias.
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