14/11/2020

Me indica um podcast - Projeto Humanos Caso Evando: a (in)Justiça contada nos mínimos detalhes

Por Felipe Ribeiro.

Contar uma história criminal nunca é fácil e o desafio se torna ainda maior quando a vítima é uma criança. Por quase dois anos, o Projeto Humanos explorou e tentou trazer certa luz a um dos episódios policiais e jurídicos mais emblemáticos do Paraná. Só para a gente ter uma ideia, esse é o homicídio que até hoje é marcado pelo maior júri popular da história brasileira, com 34 dias. Com um trabalho, que não consigo definir menos que brilhante, Ivan Mizanzuk nos apresenta fatos, dúvidas e nos prova que toda a acusação foi uma mentira, já que tudo é feito a partir de confissões obtidas por meio de tortura.

Fazendo um breve resumo, apenas para contextualizar o caso, Evandro Ramos Caetano desapareceu em 6 abril de 1992, aos seis anos, em Guaratuba, no Litoral do Paraná. Cinco dias depois, um corpo foi encontrado próximo a sua casa e aí entra todo um elemento mórbido: o pequeno estava sem as mãos, sem os olhos, sem o couro cabeludo, sem alguns dedos dos pés, com uma parte da coxa esquerda faltando, com o ventre aberto e sem os órgãos internos. Apesar de testes de DNA comprovarem que de fato é a mesma pessoa, até hoje ronda um certo mistério se aquele de fato era o menino.

Inicialmente, o grupo de elite da Polícia Civil, o Tigre (Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial) foi designado para o caso. Sem conseguir solucionar o ocorrido, porém, um grupo da Polícia Militar, o Aguia (Ação de Grupo Unido de Inteligência e Ataque) foi enviado um tempo depois para desvendar o caso. E foi o que supostamente aconteceu.

           Sete pessoas acabaram presas por envolvimento no que o Aguia relatou como um ritual de magia negra. E aqui entram mais elementos que assustariam a todos: a filha e a esposa do prefeito de Guaratuba, Beatriz e Celina Abagge, estavam entre os acusados.

            Com todos esses elementos, é óbvio que o caso ganhou um estrondoso espaço da mídia e aqui é um dos primeiros pontos que merecem elogio a Ivan Mizanzuk. O produtor do podcast nos mostra como a mídia pode ser preconceituosa e criar narrativas que vão acompanhar acusados pelo resto da vida.

É o lado processual jurídico, porém, que talvez seja o maior destaque do trabalho. Ao longo dos 36 episódios, muitos que chegam a passar de 2 horas, Mizanzuk apresenta detalhes que partem do inquérito policial, passa pelas argumentações da defesa, pela acusação do Ministério Público do Paraná, pelo primeiro júri popular (aquele que é o mais longo da história do país), pela anulação do júri (sim!), e pelos demais júris, desta vez ocorridos de forma separada em Curitiba.

        O podcast também se destaca ao nos apresentar conceitos que poderiam ser, de certa forma, complexos, como o funcionamento de um júri popular no Brasil e as diferenças com o sistema penal dos Estados Unidos.

Tortura

À polícia, Beatriz, Celina Abagge, e outros três acusados: Osvaldo Marcineiro, Davi dos Santos Soares e Vicente de Paula Ferreira confessaram envolvimento no crime. As fitas com as confissões ganharam intensa repercussão na época e a divulgação delas gerou muita revolta na população de Guaratuba.

Durante a instrução processual, porém, os cinco, mais Airton Bardelli e Francisco Sérgio Cristofolini passam a alegar que sofreram torturas.

Para a acusação, isso nunca aconteceu, a ponto de as confissões continuarem sendo extremamente relevantes no decorrer do processo.

Quase trinta anos depois, porém, Mizanzuk apresenta novas fitas e elas provam: as torturas aconteceram, mesmo com a vigência da Constituição de 1988. Por óbvio, toda a história está contaminada e temos um mistério em aberto.

Com tudo isso, me resta aqui apenas indicar o podcast Projeto Humanos Caso Evandro. Ele está disponível em praticamente todas as plataformas, incluindo o Spotify e o Deezer. Em breve, o caso será retratado também em série da Globoplay e em livro, escrito pelo próprio Mizanzuk.

 

*Em tempo...

Lembra que eu falei da dúvida em torno do corpo? Ela aparentemente se justifica, uma vez que temos um caso ainda em aberto em Guaratuba: o desaparecimento de Leandro Bossi, que sumiu poucos meses antes de Evandro. Até hoje não temos uma resposta para esse caso, mas a relação entre eles sempre foi muito explorada e Mizanzuk relaciona muito bem as histórias.

Nenhum comentário:

Postar um comentário