26/05/2019

Opinião: Os cursos de Filosofia e Sociologia nas Universidades Públicas





Por Giovanna Maciel**


Outra polêmica envolvendo o atual governo no que concerne à educação, diz respeito à declaração do Presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais em 26 de abril deste ano, na qual ele comunicou que o Ministro da Educação Abraham Weintraiub estaria estudando descentralizar o investimentos em cursos de humanas – filosofia e sociologia – com o objetivo de focar em áreas que, supostamente, geram retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina. 

          Apoiado por uns e criticado por muitos, essa medida acarretaria em diversas consequências graves e, além disso, não traria os objetivos apontados pelo presidente como foco.

          Apesar de ter sido anunciado apenas neste ano, esta proposta não é tão nova, sendo que já correram no site do Senado – plataforma e-Cidadania –, pesquisas a respeito disso. O debate foi provocado pelo cidadão paulistano Thiago Turetti, o qual acredita que o país precisa de mais médicos e cientistas, por isso não considera adequado utilizar o dinheiro e espaço público para cursos de humanas. Segundo o autor da ideia legislativa,

A proposta visa a um melhor direcionamento do dinheiro do contribuinte. Nosso país precisa desenvolver esse senso de prioridade. Como contribuinte, eu quero que meu dinheiro seja investido para a formação de cientistas, engenheiros e médicos. Hoje, os cursos de humanas não cumprem com o seu currículo, simplesmente transformam os estudantes em militantes de esquerda. Essas pessoas protestam em favor do aborto e da legalização da maconha.

          Entretanto, para Daniel Cara (Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação), os argumentos utilizados por Bolsonaro – bem como por Turetti –, são falsos. Segundo ele, não é o curso universitário que gera o recurso econômico, mas sim o crescimento econômico. Isto é: não basta o diploma universitário, mas sim um mercado de trabalho que tenha vaga para contratar a pessoa. Cara afirma ainda que o presidente quer responsabilizar a educação pela incompetência econômica do governo.

          Na mesma linha, para Righetti e Ranieri, a proposta da redução de investimentos nos cursos de humanas só demonstra que o governo parece não conhecer as leis e a realidade do ensino superior. Isso porque as universidades brasileiras possuem autonomia didática garantida pela Constituição e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Segundo a legislação, a decisão sobre a criação, expansão, modificação e extinção dos cursos de graduação é prerrogativa exclusiva das universidades. Ou seja, não cabe ao MEC definir quais cursos de graduação devem receber mais ou menos investimentos. 

          Cláudia Costin, professora convidada da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), afirmou que, neste tempo da quarta revolução industrial, o que vai acontecer a médio prazo é a substituição do trabalho intelectual pela inteligência artificial. Todavia, menciona, o que nos diferencia como humanos é a capacidade de pensar e, por isso, a filosofia nunca foi tão urgente quanto hoje. Ainda, a professora afirma que a sociologia é importante justamente para entender essa nova sociedade que está emergindo.

          Além da grande diminuição de um pensamento sistêmico, derivado do estudo da filosofia e sociologia, Andreza de Souza Santos – diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford – aponta outra grave consequência: o “embranquecimento” das universidades federais. Isso porque, conforme pesquisa coordenada pela BBC Brasil, esses cursos possuem um estudante negro para cada 3 e 4 brancos, enquanto cursos como medicina e veterinária têm proporção de um negro para cada 16 brancos.

          Esses dados demonstram uma enorme diferença entre quadros de diversidade racial de cursos de humanas e de cursos de ciências biológicas e exatas. Isso porque o acesso a cursos como física, engenharia e medicina, para Andreza, não é democrático e universal por serem cursos de altas notas de corte e alto custo de manutenção ao longo do processo de formação. Com isso, a professora menciona que a redução dos custos em humanas, sem levar em conta o processo educativo desde a base, acarretará na elitização do conhecimento a curto prazo, reduzindo negros e pobres nas universidades.

          Ressalta-se que o Brasil tem problemas sociais gravíssimos e cabe aos sociólogos e profissionais das áreas correlatas estudar, entender e propor soluções para estes fenômenos. Por tanto, o governo erra ao achar que essas áreas não geram retorno imediato ao contribuinte. Como bem lembra Andreza Santos, os alunos da periferia que cursam humanas e ciências sociais, muitas vezes aplicam o conhecimento adquirido para desenvolver as próprias comunidades, produzindo, então, retornos econômicos.

          Porém, para Cara, não há motivo para pânico neste momento, isso porque “as universidades, especialmente as públicas, são administradas a partir do princípio constitucional da autonomia universitária, ou seja, quem decide o que vai ser lecionado são as próprias universidades. O ministro Weintraub está querendo aparecer, não tem nenhuma consistência no que foi afirmado”. Além disso, as universidades precisam, obrigatoriamente, ter um conjunto de áreas do conhecimento, inclusive as universidades privadas que recebem apoio do Fies ou Prouni.

          Esperamos que seja apenas mais uma falácia do atual governo, para agradar uma população que pouco sabe do assunto e continua acreditando que os cursos de humanas – e apenas esses cursos – são destinados apenas para a população usuária de substâncias entorpecentes e que insistem em acreditar que esses mesmos cursos não trazem retorno à sociedade – o que não deixa de ser contraditório, tendo em vista que o governo e seus pupilos possuem um “filósofo” como guru.

REFERÊNCIAS:

BASILIO, Ana Luiza. Por que os cursos de Filosofia e Sociologia incomodam Bolsonaro? Carta Capital. 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-que-os-cursos-de-filosofia-e-sociologia-incomodam-bolsonaro/>.

CORDEIRO, Tiago. Presidente quer reduzir investimentos em faculdades de filosofia e sociologia. Faz sentido? Gazeta do Povo. 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/presidente-quer-reduzir-investimentos-em-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-faz-sentido/>.

PASSARINHO, Nathalia. Sob ameaça de cortes no governo Bolsonaro, cursos de ciências sociais e humanas concentram diversidade racial. BBC Brasil. 9 mai. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48201426>.

PROPOSTAS para extinguir ou manter cursos de humanas movimentam portal e-Cidadania. Senado Federal. 24 abr. 2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/jovemsenador/home/noticias-1/externas/2018/04/copy_of_propostas-para-extinguir-ou-manter-cursos-de-humanas-movimentam-portal-e-cidadania>.

RIGHETTI, Sabine; RANIERI, Nina Stocco. Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal. Folha de S. Paulo. 27 abr. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/proposta-de-esvaziamento-das-humanas-e-equivocada-e-fere-a-constituicao-federal.shtml>.

TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de filosofia e sociologia das Universidades Públicas. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=111992>.

TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de humanas nas universidades públicas. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=100201>.

** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.


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