Por Giovanna Maciel**
Outra
polêmica envolvendo o atual governo no que concerne à educação, diz respeito à declaração do Presidente
Jair Bolsonaro em suas redes sociais em 26 de abril deste ano, na qual ele
comunicou que o Ministro da Educação Abraham Weintraiub estaria estudando
descentralizar o investimentos em cursos de humanas – filosofia e sociologia –
com o objetivo de focar em áreas que, supostamente, geram retorno imediato ao
contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina.
Apoiado por uns e criticado por
muitos, essa medida acarretaria em diversas consequências graves e, além disso,
não traria os objetivos apontados pelo presidente como foco.
Apesar de ter sido anunciado apenas
neste ano, esta proposta não é tão nova, sendo que já correram no site do
Senado – plataforma e-Cidadania –, pesquisas a respeito disso. O debate foi
provocado pelo cidadão paulistano Thiago Turetti, o qual acredita que o país
precisa de mais médicos e cientistas, por isso não considera adequado utilizar
o dinheiro e espaço público para cursos de humanas. Segundo o autor da ideia
legislativa,
A proposta
visa a um melhor direcionamento do dinheiro do contribuinte. Nosso país precisa
desenvolver esse senso de prioridade. Como contribuinte, eu quero que meu
dinheiro seja investido para a formação de cientistas, engenheiros e médicos.
Hoje, os cursos de humanas não cumprem com o seu currículo, simplesmente
transformam os estudantes em militantes de esquerda. Essas pessoas protestam em
favor do aborto e da legalização da maconha.
Entretanto,
para Daniel Cara (Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação), os
argumentos utilizados por Bolsonaro – bem como por Turetti –, são falsos.
Segundo ele, não é o curso universitário que gera o recurso econômico, mas sim o
crescimento econômico. Isto é: não basta o diploma universitário, mas sim um
mercado de trabalho que tenha vaga para contratar a pessoa. Cara afirma ainda
que o presidente quer responsabilizar a educação pela incompetência econômica
do governo.
Na mesma linha, para Righetti e
Ranieri, a proposta da redução de investimentos nos cursos de humanas só
demonstra que o governo parece não conhecer as leis e a realidade do ensino
superior. Isso porque as universidades brasileiras possuem autonomia didática
garantida pela Constituição e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação. Segundo a legislação, a decisão sobre a criação, expansão,
modificação e extinção dos cursos de graduação é prerrogativa exclusiva das
universidades. Ou seja, não cabe ao MEC definir quais cursos de graduação devem
receber mais ou menos investimentos.
Cláudia Costin, professora convidada
da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard e diretora do Centro de
Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio
Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), afirmou que, neste tempo da quarta revolução
industrial, o que vai acontecer a médio prazo é a substituição do trabalho
intelectual pela inteligência artificial. Todavia, menciona, o que nos
diferencia como humanos é a capacidade de pensar e, por isso, a filosofia nunca
foi tão urgente quanto hoje. Ainda, a professora afirma que a sociologia é
importante justamente para entender essa nova sociedade que está emergindo.
Além da grande diminuição de um
pensamento sistêmico, derivado do estudo da filosofia e sociologia, Andreza de
Souza Santos – diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de
Oxford – aponta outra grave consequência: o “embranquecimento” das
universidades federais. Isso porque, conforme pesquisa coordenada pela BBC
Brasil, esses cursos possuem um estudante negro para cada 3 e 4 brancos,
enquanto cursos como medicina e veterinária têm proporção de um negro para cada
16 brancos.
Esses dados demonstram uma enorme
diferença entre quadros de diversidade racial de cursos de humanas e de cursos
de ciências biológicas e exatas. Isso porque o acesso a cursos como física,
engenharia e medicina, para Andreza, não é democrático e universal por serem
cursos de altas notas de corte e alto custo de manutenção ao longo do processo
de formação. Com isso, a professora menciona que a redução dos custos em
humanas, sem levar em conta o processo educativo desde a base, acarretará na
elitização do conhecimento a curto prazo, reduzindo negros e pobres nas
universidades.
Ressalta-se que o Brasil tem problemas
sociais gravíssimos e cabe aos sociólogos e profissionais das áreas correlatas
estudar, entender e propor soluções para estes fenômenos. Por tanto, o governo
erra ao achar que essas áreas não geram retorno imediato ao contribuinte. Como
bem lembra Andreza Santos, os alunos da periferia que cursam humanas e ciências
sociais, muitas vezes aplicam o conhecimento adquirido para desenvolver as
próprias comunidades, produzindo, então, retornos econômicos.
Porém, para Cara, não há motivo para
pânico neste momento, isso porque “as universidades, especialmente as públicas, são
administradas a partir do princípio constitucional da autonomia universitária,
ou seja, quem decide o que vai ser lecionado são as próprias universidades. O
ministro Weintraub está querendo aparecer, não tem nenhuma consistência no que
foi afirmado”. Além disso, as universidades precisam, obrigatoriamente, ter um
conjunto de áreas do conhecimento, inclusive as universidades privadas que
recebem apoio do Fies ou Prouni.
Esperamos que seja apenas mais uma falácia do atual
governo, para agradar uma população que pouco sabe do assunto
e continua acreditando que os cursos de humanas – e apenas esses cursos – são
destinados apenas para a população usuária de substâncias entorpecentes e
que insistem em acreditar que esses mesmos cursos não trazem retorno à
sociedade – o que não deixa de ser contraditório, tendo em vista que o governo e seus pupilos
possuem um “filósofo” como guru.
REFERÊNCIAS:
BASILIO, Ana Luiza. Por que os cursos de Filosofia e Sociologia incomodam
Bolsonaro? Carta Capital. 26 abr.
2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-que-os-cursos-de-filosofia-e-sociologia-incomodam-bolsonaro/>.
CORDEIRO, Tiago. Presidente quer reduzir investimentos em faculdades de
filosofia e sociologia. Faz sentido? Gazeta
do Povo. 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/presidente-quer-reduzir-investimentos-em-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-faz-sentido/>.
PASSARINHO, Nathalia. Sob ameaça de cortes no governo Bolsonaro, cursos
de ciências sociais e humanas concentram diversidade racial. BBC Brasil. 9 mai. 2019. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48201426>.
PROPOSTAS para extinguir ou manter cursos de humanas movimentam portal
e-Cidadania. Senado Federal. 24 abr.
2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/jovemsenador/home/noticias-1/externas/2018/04/copy_of_propostas-para-extinguir-ou-manter-cursos-de-humanas-movimentam-portal-e-cidadania>.
RIGHETTI, Sabine;
RANIERI, Nina Stocco. Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada
e fere a Constituição Federal. Folha de
S. Paulo. 27 abr. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/proposta-de-esvaziamento-das-humanas-e-equivocada-e-fere-a-constituicao-federal.shtml>.
TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de filosofia e sociologia das
Universidades Públicas. Senado Federal.
Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=111992>.
TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de humanas nas universidades
públicas. Senado Federal. Disponível
em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=100201>.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário