Por Giovanna Maciel
Recentemente, uma
astronauta estadunidense – Anne McClain – foi acusada de cometer o primeiro
crime praticado no espaço sideral.
Segundo as informações do
caso, McClain viveu por seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS),
onde teria acessado a conta bancária de Summer Worden, sua ex-esposa. Conforme
a denúncia de Worden, que é oficial de inteligência da Força Aérea dos Estados
Unidos, o que ocorreu foi um furto de identidade e acesso indevido a registros
privados. Embora a astronauta confirme o acesso às informações bancárias, nega
ter sido feito de forma ilegal.
O fato está sendo apurado
pela Comissão Federal de Comércio (FTC) e pela NASA, mas levanta-se a questão
sobre qual seria o juízo competente para
julgar crimes espaciais, já que o espaço, assim como o alto-mar, é
considerado res communis (pertence ao
mesmo tempo a todos e a ninguém).
Normativa internacional no
espaço:
A necessidade de
regulamentação jurídica sobre fatos ocorridos no espaço extra-atmosférico teve
inicio em 1957, com o primeiro satélite artificial entrando em órbita, o Sputnik, pertencente à União Soviética
(1957) e com a posterior chegada do homem à Lua, na Missão Apolo XI (1969).
Entre estes dois marcos, o
Institut de Droit International
(1963) adotou a primeira Resolução sobre o regime jurídico no espaço,
determinando que o espaço e corpo celestes não podem ser objeto de nenhuma
apropriação, mas que podem ser livremente explorados e utilizados por todos os
Estados, desde que com fins pacíficos. Para Valério Mazzuoli, foi nesse momento
que surgiu uma nova parte do Direito Internacional Público.
Com a necessidade de
elaborar instrumentos vinculantes, prevendo a direitos e responsabilidades dos
Estados, a ONU criou um órgão especial, denominado “Comitê das Nações Unidas
para Uso Pacífico do Espaço” (COPUOS), através da Resolução 1.348 (XIII) e
1.472 A (XIV). A partir dos trabalhos do comitê, foram concebidos cinco grandes
acordos internacionais sobre o tema:
1.
Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados
na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive na Lua e Demais Corpos
Celestes (1967);
2.
Tratado sobre o Salvamento e a Devolução de Astronautas e a
Restituição de Objetos Lançados ao Espaço Ultraterreste (1968);
3.
Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos
Causados por Engenhos Espaciais (1972);
4.
Convenção sobre Registro de Objetos Lançados do Espaço Exterior
(1975);
5.
Acordo sobre Atividades dos Estados na Lua e outros Corpos
Celestes (1979);
Embora, até hoje, não se
tenha um consenso sobre a fronteira entre os espaços aéreo e ultraterrestre,
entende-se que a ISS está no espaço sideral, contando com o envolvimento de cinco
agências espaciais: NASA (Estados Unidos), CSA (Canadá), JAXA (Japão), Roscosmos
(Rússia) e ESA (países europeus). Além disso, conta com uma estrutura legal que
estabelece que: a qualquer pessoa e
posses no espaço, aplica-se a lei nacional de sua origem. Do mesmo modo
como ocorre nas lides em alto-mar, vigorando o princípio da nacionalidade – que
abrange crimes cometidos pelos cidadãos de um país fora de duas fronteiras – e
o da universalidade – que permite que os países processem alguém por crimes
graves contra o direito internacional.
Tal disposição é expressa
no primeiro (e mais relevante) tratado, que prevê que o criminoso do espaço, em
princípio, está sujeito às leis dos países do que é cidadão, ou ao país do dono
da espaçonave onde o crime foi cometido. Nesse sentido, respondendo ao
questionamento inicial, o juízo
competente para julgar McClain é o Poder Judiciário dos Estados Unidos.
Entretanto, com
possibilidade do turismo espacial (que já está sendo amplamente explorada por
diversas empresas), nos deparamos com outro problema. Sendo o turista espacial
de um país X, voando a bordo de uma nave de um país Y, e venha a cometer um
crime, qual dos dois países teriam a autoridade para julgá-lo?
Sem dúvidas, a evolução
humana e seu maior domínio sobre as tecnologias, há uma necessidade de mudanças
em princípios basilares do Direito Internacional, em especial o Privado, a fim
de atender as demandas dos conflitos humanos. Assim, devemos começar a pensar
nas nuances de crimes espaciais desde logo, evitando uma “briga entre gigantes”
quando, de fato, o turismo espacial for efetivado.
Referências:
ACCIOLY,
Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA. Paulo Borba. Manual
de Direito Público. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
COMO divórcio
teria levado Nasa a investigar denúncia do primeiro crime no espaço. BBC Brasil. 24 ago. 2019. Disponível em:
<https://www.bbc.com/portuguese/geral-49463163>. Acesso em: 24 set.
2019.
CREUZ, Derek
Assenço. Crimes no Espaço Sideral e o Caso McClain. Jornal de Relações Internacionais. 16 set. 2019. Disponível em:
<http://jornalri.com.br/2019-2/crimes-no-espaco-sideral-e-o-caso-mcclain>. Acesso em: 24 set.
2019.
GNIPPER,
Patrícia. Cometendo crimes do espaço: como esse tipo de ato pode ser julgado? Canaltech. 30 ago. 2019. Disponível em:
<https://canaltech.com.br/espaco/cometendo-crimes-no-espaco-como-esse-tipo-de-ato-pode-ser-julgado-148329/>. Acesso em: 24 set.
2019.
LIMA,
Fernando. E se um astronauta matar um colega no espaço? SuperInteressante. 14 ago. 2017. Disponível em: <https://super.abril.com.br/blog/oraculo/e-se-um-astronauta-matar-um-colega-no-espaco/>. Acesso em 24 set.
2019.
MAZZUOLI.
Valério de Oliveira. Curso de Direito
Internacional Público. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
Nenhum comentário:
Postar um comentário