29/04/2019

Me indica um filme? - 12 homens e uma sentença









Beatriz Andretta e Maria Vitoria Sabino
Acadêmicas do Primeiro Período de Direito do UNICURITIBA

O filme “12 homens e uma sentença", que se passa em uma sala do júri de um tribunal americano na cidade de Nova Iorque, baseia-se em um caso de assassinato (supostamente) executado por um garoto de 18 anos; ele teria esfaqueado seu pai dentro de seu apartamento. O caso foi encaminhado por um Tribunal do Júri, o qual, formado por 12 homens, teria que seguir a determinação do juiz de, unanimemente, condenar ou absolver o réu à cadeira elétrica. 

Logo nas primeiras cenas, pode-se notar o grau de grandiosidade atribuído ao Tribunal; visto em seu plano superior, a câmera desce, lentamente, passa pela audiência e, por fim, concentra-se no rosto do acusado, angustiado. É o único momento em que vê-se sua face.

Em seguida, os doze  jurados entram na sala de votação, para que o dispositivo institucionalizado possa se concretizar. Onze deles, votam pela culpabilidade do jovem, enquanto somente um (jurado #8) – impelido pela clemência cabida e pautado em elementos lógicos – votou pela sua inocência; prezava por uma dúvida racional e um debate mais bem elaborado, haja vista que a maioria julgava com pressa e sem um profundo embasamento, além de não estarem focados. Nos termos expostos por Hans Kelsen: as relações fáticas, do ponto de vista jurídico, não se ligam ao princípio da causalidade, mas sim ao da imputação. Assim, conforme à postura do jurado #8, não é o fato em si de o garoto ter cometido o homicídio que o constitui pela norma jurídica, mas a possibilidade de um órgão competente verificá-lo.

Durante a argumentação, um dos jurados utiliza-se do perfil do garoto e de sua vivência para embasar seu posicionamento pró-condenação; o menino, que teve sua infância marcada pela morte precoce da mãe e prisão do pai e, desde muito cedo, esteve inserido em um contexto de violência, por esse viés discriminatório atrelado à visão determinista, só poderia ser um criminoso. Baseando-se nisso, foi tipificado pelo jurado como um culpado incontestável. Além disso, o seu histórico criminal já continha um roubo de carro com 15 anos, duas detenções por brigas com faca e uma retenção no juizado de menores por jogar uma pedra no professor, corroborando a argumentação a favor de sua punição. 

            Analisando sequencialmente os fatos, o júri recorda o suposto desencadeamento do caso: uma discussão entre pai e filho por volta das 20h. Segundo o testemunho do réu, seu pai o teria socado duas vezes naquela noite. Entretanto, esse tipo de agressão sempre foi recorrente em sua vida; defendia-se com os próprios punhos desde os 5 anos de idade. Assim, a partir dessa análise, aqueles que haviam votado a favor de sua condenação acreditavam que esse teria sido o motivo do assassinato, principalmente, é claro, pelo fato de o acusado ser morador da favela. 

Nesse momento, percebe-se um preconceito por parte desses jurados, uma vez que fundamentam seu posicionamento em critérios deterministas. Descrevem a favela como um ambiente de sujeitos imundos, insignificantes e, sobretudo, que representam problemas em potencial para a sociedade. Ademais, não por coincidência, o jurado, especificamente, que anteriormente relatava seus problemas particulares com seu filho adolescente, atribui à geração do garoto um caráter desrespeitoso, especialmente para com seus pais – um agravante para o comportamento que lhe incumbiria a responsabilidade pelo homicídio. 

Diante disso, o jurado #8 utiliza-se do encadeamento lógico de ideias e consegue estabelecer uma dúvida razoável e, alguns, têm sua certeza desestabilizada. O clima a ser construído é de uma discussão polarizada, repleta de angústia e dúvida, evidenciando a fragilidade da justiça e a imprescindibilidade da imparcialidade. Em suma, a justiça, como parte do meio social, reflete estereótipos dos quais deveria abster-se.

Perturbados pelo calor, seguem a discutir a cronologia dos fatos entre brigas e constante irritação, que certamente não colaboram com a progressão do julgamento. Sem demora, o júri decide por uma nova votação e, não surpreendente na perspectiva lógica, o grupo dos jurados a favor da absolvição do caso aumentara (como só aumentará até o final do filme). À vista disso, infere-se que o preconceito e o julgamento precipitado só levam o homem ao erro; nesse contexto, à condenação de um ser inocente pela falta de clareza dos fatos.

Por fim, o terceiro jurado, que até então impunha-se severamente em vista da condenação do jovem e parecia irredutível em seu parecer, muda de posição e revela sua fragilidade pessoal: o trauma de ter sido agredido e abandonado por seu filho. Extremamente passional, ele projetava a figura de  seu próprio filho no garoto latino e, por meio de um processo psicológico complexo, ele condenava seu filho e não o acusado.

Pela análise do filme, atrelada à noções teóricas dos campos do Direito e da Filosofia, ficou demonstrado que a decisão jurídica não se resume a um silogismo, que se restringiria à exposição declaratória e mecanicista da norma geral, mas por um discurso hermenêutico complexo, resumido pela ideia de “fato juridicamente comprovado”. Jamais saberemos se o garoto matou ou não seu pai; há uma lacuna impedindo que a verdade factual seja captada pelo Direito. 

Mais que isso, apesar da trama envolvendo os doze jurados, o réu, as testemunhas e todas as suas realidades conturbadas, a discussão transpõe o íntimo das personagens, inserindo frases, pensamentos e reflexões riquíssimas no meio da narrativa. O que nos leva ao aspecto instigante do filme: ficamos presos e angustiados na sala do júri, comparamos os discursos, colocando-nos quase na posição de analistas psicológicos dos personagens e percebemos, de forma semelhante ao que acontece na realidade concreta de um julgamento, que as narrativas são contraditórias e discordantes entre si. E é justamente essa experiência zetética que prende nossa atenção, a fim de assimilarmos todas as intrínsecas relações entre a verdade e a justiça no processo judicial, presentes tanto no filme, como além das telas.



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