Beatriz Andretta e Maria Vitoria Sabino
Acadêmicas do Primeiro Período de Direito do UNICURITIBA
O filme “12 homens e uma sentença", que se passa em uma sala do
júri de um tribunal americano na cidade de Nova Iorque, baseia-se em um caso de
assassinato (supostamente) executado por um garoto de 18 anos;
ele teria esfaqueado seu pai dentro de seu apartamento. O caso foi encaminhado
por um Tribunal do Júri, o qual, formado por 12 homens, teria que seguir a
determinação do juiz de, unanimemente, condenar ou absolver o réu à cadeira
elétrica.
Logo nas primeiras cenas, pode-se notar o grau de grandiosidade
atribuído ao Tribunal; visto em seu plano superior, a câmera desce, lentamente,
passa pela audiência e, por fim, concentra-se no rosto do acusado, angustiado.
É o único momento em que vê-se sua face.
Em seguida, os doze jurados entram na sala de votação, para que o
dispositivo institucionalizado possa se concretizar. Onze deles, votam pela
culpabilidade do jovem, enquanto somente um (jurado #8) – impelido pela
clemência cabida e pautado em elementos lógicos – votou pela sua inocência;
prezava por uma dúvida racional e um debate mais bem elaborado, haja vista que
a maioria julgava com pressa e sem um profundo embasamento, além de não estarem focados. Nos termos expostos por Hans Kelsen: as
relações fáticas, do ponto de vista jurídico, não se ligam ao princípio da
causalidade, mas sim ao da imputação. Assim, conforme à postura do jurado #8,
não é o fato em si de o garoto ter cometido o homicídio que o constitui pela
norma jurídica, mas a possibilidade de um órgão competente verificá-lo.
Durante a argumentação, um dos jurados utiliza-se do perfil do garoto e
de sua vivência para embasar seu posicionamento pró-condenação; o menino, que
teve sua infância marcada pela morte precoce da mãe e prisão do pai e, desde
muito cedo, esteve inserido em um contexto de violência, por esse viés
discriminatório atrelado à visão determinista, só poderia ser um criminoso.
Baseando-se nisso, foi tipificado pelo jurado como um culpado incontestável.
Além disso, o seu histórico criminal já continha um roubo de carro com 15 anos,
duas detenções por brigas com faca e uma retenção no juizado de menores por
jogar uma pedra no professor, corroborando a argumentação a favor de sua
punição.
Analisando
sequencialmente os fatos, o júri recorda o suposto desencadeamento do caso: uma
discussão entre pai e filho por volta das 20h. Segundo o testemunho do réu, seu
pai o teria socado duas vezes naquela noite. Entretanto, esse tipo de agressão
sempre foi recorrente em sua vida; defendia-se com os próprios punhos desde os
5 anos de idade. Assim, a partir dessa análise, aqueles que haviam votado a
favor de sua condenação acreditavam que esse teria sido o motivo do assassinato,
principalmente, é claro, pelo fato de o acusado ser morador da favela.
Nesse momento, percebe-se um preconceito por parte desses jurados, uma
vez que fundamentam seu posicionamento em critérios deterministas. Descrevem a
favela como um ambiente de sujeitos imundos, insignificantes e, sobretudo, que
representam problemas em potencial para a sociedade. Ademais, não por coincidência,
o jurado, especificamente, que anteriormente relatava seus problemas
particulares com seu filho adolescente, atribui à geração do garoto um caráter
desrespeitoso, especialmente para com seus pais – um agravante para o
comportamento que lhe incumbiria a responsabilidade pelo homicídio.
Diante disso, o jurado #8 utiliza-se do encadeamento lógico de ideias e
consegue estabelecer uma dúvida razoável e, alguns, têm sua certeza
desestabilizada. O clima a ser construído é de uma discussão polarizada,
repleta de angústia e dúvida, evidenciando a fragilidade da justiça e a
imprescindibilidade da imparcialidade. Em suma, a justiça, como parte do meio
social, reflete estereótipos dos quais deveria abster-se.
Perturbados pelo calor, seguem a discutir a cronologia dos fatos entre
brigas e constante irritação, que certamente não colaboram com a progressão do
julgamento. Sem demora, o júri decide por uma nova votação e, não surpreendente
na perspectiva lógica, o grupo dos jurados a favor da absolvição do caso
aumentara (como só aumentará até o final do filme). À vista disso, infere-se
que o preconceito e o julgamento precipitado só levam o
homem ao erro; nesse contexto, à condenação de um ser inocente pela falta de
clareza dos fatos.
Por fim, o terceiro jurado, que até então
impunha-se severamente em vista da condenação do jovem e parecia irredutível em
seu parecer, muda de posição e revela sua fragilidade pessoal: o trauma de ter
sido agredido e abandonado por seu filho. Extremamente passional, ele projetava
a figura de seu próprio filho no garoto latino e, por meio de um processo
psicológico complexo, ele condenava seu filho e não o acusado.
Pela análise do filme, atrelada à noções teóricas
dos campos do Direito e da Filosofia, ficou demonstrado que a decisão jurídica
não se resume a um silogismo, que se restringiria à exposição declaratória e
mecanicista da norma geral, mas por um discurso hermenêutico complexo, resumido
pela ideia de “fato juridicamente comprovado”. Jamais saberemos se o garoto
matou ou não seu pai; há uma lacuna impedindo que a verdade factual seja
captada pelo Direito.
Mais que isso, apesar da trama
envolvendo os doze jurados, o réu, as testemunhas e todas as suas realidades
conturbadas, a discussão transpõe o íntimo das personagens, inserindo frases,
pensamentos e reflexões riquíssimas no meio da narrativa. O que nos leva ao
aspecto instigante do filme: ficamos presos e angustiados na sala do júri, comparamos
os discursos, colocando-nos quase na posição de analistas psicológicos dos
personagens e percebemos, de forma semelhante ao que acontece na realidade
concreta de um julgamento, que as narrativas são contraditórias e discordantes
entre si. E é justamente essa experiência zetética que prende nossa atenção, a
fim de assimilarmos todas as intrínsecas relações entre a verdade e a justiça
no processo judicial, presentes tanto no filme, como além das telas.
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