Crianças rezando abraçadas, para agradecer, antes de comer o "Sopão".
Quando falamos em “Direitos
Humanos” ou, ainda, “Direito das Minorias”, muitos dizem concordar e defender.
Porém, quantos realmente colaboram na proteção destes direitos?
De acordo com o último
relatório divulgado pelo Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos,
no ano de 2018 foram mais de 889 denúncias de violações aos direitos das
pessoas em situação de rua, incluindo as relativas à negligência e violências
psicológicas, físicas e institucionais.
Diante dessa realidade, surge
a egressa Larissa Isadora Ribeiro que, junto a um grupo de amigos, iniciou um
projeto no inverno de 2018, visando acolher, justamente, esta parcela
“invisível” da sociedade. Assim, nasceu o projeto “Sopão Curitiba”, em 8 de
junho de 2018, uma noite em que os termômetros de Curitiba marcavam torno de
3ºC.
Semanas antes, ao se deparar
com um rapaz encolhido em uma marquise estreita tentando se esconder da chuva,
Larissa se sentiu incapaz por não conseguir ajuda-lo, já que havia deixado sua
carteira em casa. Depois de chorar algumas horas, se deu conta de que isso não
ajudaria aquele homem a comer. Então, mais tarde, preparou um sanduíche e levou
para ele.
Não foi o suficiente. Ela
permaneceu incomodada com a situação, porque, nas palavras dela: “fome não é
algo que dá só uma vez”. No mesmo dia, em torno das 2h da manhã, criou um grupo
no whatsapp com alguns amigos próximos falando que conseguiria fazer algumas
marmitas para distribuir, mas que sozinha não daria conta. Na mesma semana,
postou em um grupo de alunos do UNICURITIBA e no seu perfil pessoal, ambos no
facebook. Para sua surpresa, muita gente se mobilizou para ajudar.
Na primeira entrega, a mãe de uma das
voluntárias que preparou a refeição, foi canja. Foram preparadas 44 porções,
fizemos um café, juntamos algumas roupas, meias e cobertores e fomos lá no
Capanema. Já na primeira entrega eu ouvi pessoas que vivem nas ruas com tanto
amor para dar ao próximo, que me constrangeu. Muitos deixaram de comer, para
priorizar algum amigo com mais fome. Pegaram uma blusa só, ao invés de duas
(mesmo com o frio) para que outra pessoa não ficasse sem. Muita gente com fé, e
uma fé e amor incondicionais.
O sopão foi crescendo aos poucos, e eu
acredito que isso se dá principalmente porque as pessoas perceberam o quanto a
comida transforma. Transforma tanto quem recebe uma comida quentinha, temperada
e preparada com amor - e muitas vezes questiona até “se merecem tudo isso”,
quanto quem arrecada e prepara a comida, e recebe em troca um abraço e um
sorriso que fazem tudo valer a pena. A gente aprende todo dia que a comida
transforma MESMO. A gente tenta sempre fazer com que as pessoas se sintam
amadas, sintam que ainda tem pelo que lutar, que ainda tem gente que acredita e
torce por eles, que eles são alguém. E comida tem dessas, abraça a alma da
gente.
Assim, as 44 marmitas iniciais se transformaram
em 250 distribuídas todos os sábados, acompanhadas de sobremesa, café quente,
chás e sucos.
Aliás, o projeto cresceu tanto
que chegou à Ocupação Tiradentes, onde a líder comunitária “abriu as portas” da
sede comunitária para, todos os dias, desenvolverem atividades pedagógicas com
as crianças, e alfabetização de adultos, incentivando a educação e evitando que
fiquem nas ruas. Para contribuir com a iniciativa de Carla (responsável por
tocar esses projetos), Larissa e seus amigos passaram a fornecer, diariamente,
os lanches para estas crianças e adultos, como forma de incentivar que
continuem nas atividades e continuem buscando aprender coisas novas e ir atrás
de seus sonhos. Como se não bastasse, alguns voluntários ainda dispõem um tempo
dos seus dias para levar novas atividades para as crianças, como aulas de
pintura e momentos de leituras.
A gente já teve algumas conquistas
enormes, resultado do trabalho em equipe de todos do sopão. Conseguimos ajudar
algumas pessoas a saírem das ruas, voltando para sua cidade, tendo
oportunidades de emprego, recebendo tratamento em razão de dependências. Nessa
semana uma das moças que conhecemos no sopão, moradora do Capanema, começou um
curso de gastronomia que vai possibilitar que ela ingresse no mercado de
trabalho. Já conseguimos entregar carrinho de reciclagem para algumas pessoas
em situação de rua terem um meio de trabalho que gere uma renda maior, enfim.
Para o futuro, a ideia é ter
um espaço só para o Sopão, não só para armazenar as doações, mas também para
cultivar uma horta própria – reduzindo o desperdício de alimentos e promovendo
uma alimentação mais saudável – e, eventualmente, receber os atendidos pelo
projeto em um jantar ou café da manhã. Além disso, dar a possibilidade de eles
tomarem banho e recuperar as forças para continuar nessa árdua rotina de quem
vive nas ruas.
Sobre as histórias que mais a
marcaram, Larissa nos contou que, positivamente, foi a Maria, moradora do
Capanema e que sempre janta com o pessoal do projeto. Há alguns meses, a Maria
disponibilizou sua casa para a realização de uma festa de aniversário para
Otávio, filho de sua vizinha. Desde então, os voluntários conheceram o tamanho
de sua bondade e, mesmo sendo nova, já enfrentou muitas dificuldades, mas
sempre se doando um pouco para dos demais. Recentemente, o grupo conseguiu com
que Maria iniciasse um curso de gastronomia, dando a oportunidade para que
consiga um emprego e aumentar sua renda. Em mensagem à Larissa, ela disse: “Conserteza vai vou colocar uma placa no meu
portão a entrada é franca e buffet é livre kkkkkk vem que eu tenho certificado
kkkk [...] Não vejo a hora sabe daí quero fazer um almoço bem gostoso pra todos
vc e depois quando eu poder e tiver condições quero ajudar com uma coisa ou
outra pra vcs porém distribuir tbm” [sic]
Entretanto, os voluntários
também se deparam com muitas histórias tristes. Dentre estas histórias, Larissa
lembra de um rapaz que, ao receber a refeição, deixou ela ao lado dele, no
chão, para conversar com a equipe. Um pouco depois, uma barata passou pela
marmita e, ao ver a cena, avisaram que buscariam outra para ele. Nesse momento,
ele riu e disse que já estava acostumado a dividir a comida com bichos e que
“não tinha problema”, como se fosse normal o que eles vivenciam e como se fosse
aquilo que merecem. Para ela, foi horrível ver que vivem nesta realidade e que
passam a aceitar isso.
O sopão foi crescendo aos poucos, e eu acredito que isso se
dá principalmente porque as pessoas perceberam o quanto a comida transforma.
Transforma tanto quem recebe uma comida quentinha, temperada e preparada com
amor - e muitas vezes questiona até “se merecem tudo isso”, quanto quem
arrecada e prepara a comida, e recebe em troca um abraço e um sorriso que fazem
tudo valer a pena. A gente aprende todo dia que a comida transforma MESMO. A
gente tenta sempre fazer com que as pessoas se sintam amadas, sintam que ainda
tem pelo que lutar, que ainda tem gente que acredita e torce por eles, que eles
são alguém. E comida tem dessas, abraça a alma da gente.
[...] Eu aprendo todo santo dia com o sopão. Fiz amigos
maravilhosos (tanto voluntários quanto atendidos) que me ensinam todo dia sobre
amor ao próximo e empatia. E, como boa inquieta que sou, aprendo todo dia com
as pessoas do sopão, uma frase que li uma vez: a gente não precisa de uma
pessoa fazendo tudo perfeito, mas de todos juntos fazendo o melhor que podem.
Para
saber mais sobre o projeto e/ou colaborar, basta acessar a página deles: