PRINCÍPIO FEDERATIVO E COMADRISMO POLÍTICO: A PEC 33/2011
por Maria da Glória
Colucci
O crescente desrespeito ao
princípio federativo, fundado na independência e harmonia dos Poderes da
República (art. 2º, da Constituição de 1988), tem causado sucessivos
constrangimentos à comunidade jurídica do País.
Se por um lado referidos atos
atentatórios aos princípios fundamentais da Lei Maior revelam grosseira
ignorância dos preceitos constitucionais, de outro, transparecem ou deixam
evidenciar sórdidos e inconfessáveis interesses de bastidores (“comadrismo
político”), no intuito de retaliar, fragilizar e denegrir a mais alta Corte do
País – o Supremo Tribunal Federal.
Tentam as ofensivas orquestradas
nos corredores palacianos abalar os alicerces da República, a partir de
iniciativas esdrúxulas, destituídas de valor ético-jurídico, surpreendentes,
senão ridículas, em seus propósitos obscuros.
Não se limitam tais investidas à
agressão ao STF, em sua competência originária de “guardião da Constituição”
(art. 102 da Carta da República) mas, diretamente, se lançam contra o disposto
no parágrafo 4º do art. 60, que veda, expressamente, proposta tendente a abolir
a “separação dos Poderes” (inciso II). À luz de uma hermenêutica
lógico-sistemática, o inciso supracitado se encontra vinculado ao disposto no
art. 2º da Carta Magna de 1988, que determina a observância à independência e
harmonia entre os Poderes.
Causam calafrios as urdiduras
políticas no sentido de ousar transferir de um Poder para outro, ao arrepio dos
preceitos constitucionais, competência originária, própria do Supremo Tribunal
Federal, consoante se depreende da ementa da PEC 33/2011 – Proposta de Emenda à
Constituição, de autoria de Nazareno Fonteles (PT/PI); apresentada em 25 de
maio de 2011 que:
Altera a quantidade mínima de votos de membros de
tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito
vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo
Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a
inconstitucionalidade de Emendas à Constituição. 1
O autor da PEC 33/2011 justifica
sua propositura com base no que identifica como: “[...] judicialização das
relações sociais e o ativismo judicial”. 2
A “judicialização das relações
sociais” nada mais é do que resultado da evolução do sentido
prático-constitucional do exercício da cidadania, pela conscientização de que
os conflitos de interesses devem ser levados à apreciação do Poder Judiciário,
quanto não solucionados pela conciliação ou outros meios extrajudiciais.
Longe de representar um desvio
ou “problema” a ser combatido, é o exercício do direito de ação,
constitucionalmente previsto no art. 5º, XXXV: “[...] a lei não excluirá da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.3
Aduz em sua Justificação o
deputado-autor da PEC 33/2011, também, que o “ativismo judicial” decorre de
iniciativas “proativas” do Poder Judiciário que, segundo alega, tem
desempenhado papel de “protagonista” de atuações invasivas na esfera do Poder
Legislativo, em nome do “controle de constitucionalidade de norma legal ou ato
normativo” (art. 103, incisos e parágrafos da Lei Maior).
O que parece ser “proatividade”
do Poder Judiciário ao interpretar a Constituição, é emanação do dever
jurisdicional de normatizar situações cotidianas de grande significado
político-social, que a sociedade brasileira espera tenham disciplina legal
adequada, condizente com os novos rumos que a sociedade brasileira requer, mas,
devido à incúria do Poder Legislativo permaneceram in albis até manifestação do STF, tais como: a) fidelidade
partidária; b) vedação de nepotismo ao Poder Executivo e Legislativo; c)
verticalização das coligações partidárias; d) redução de vagas de vereadores
etc.
Os casos exemplificados revelam
fortes conteúdos éticos em que o resgate da dignidade da soberania popular se
impôs aos “pequenos deuses”, ocupantes do Poder Legislativo, cujos desmandos,
corrupções e atos atentatórios à ética parlamentar se tonaram públicos e
notórios.
Se o Poder Legislativo fosse
cumpridor dos seus deveres constitucionais, respeitando os princípios do art.
37 da Carta Constitucional, dentre os quais “a moralidade”, não haveria tantas
iniciativas do Poder Judiciário, em matérias que deveriam ser competência do
legislador federal; conforme constata o próprio autor da PEC 33/2011:
Por óbvio, devemos reconhecer as deficiências do Poder
Legislativo, que tem passado por várias crises de credibilidade. Contudo, esse
aspecto não deve justificar tais medidas, como se houvesse vácuo político a ser
ocupado pelo Supremo Tribunal Federal. 4
Embora negado, o vácuo
legislativo é de tal forma evidente que a sociedade tem se deparado com o
descalabro reinante no Poder Legislativo que, pelo menos constitucionalmente,
deveria representar o cidadão brasileiro, mas que, infelizmente, somente
“representa” os interesses de seus integrantes...
As decisões judiciais do STF
suprem, na atualidade, a única garantia de que os direitos individuais e
coletivos serão preservados, diante do descontrole e da sanha eleitoreira do
Legislativo,
Por outro tanto, dando-se conta
de que não mais ocupam o cenário político com o protagonismo exacerbado que
algum tempo já tiveram, em que mantiveram “esquemas” de desvio de verbas,
gastos excessivos em viagens de familiares, compra de votos e assim em diante,
sem que as CPI’s (Comissões Parlamentares de Inquérito) dessem a devida solução
(...), agora, conscientes do espaço não ocupado, pretendem retomá-lo,
valendo-se de ofensas gritantes à Constituição da República.
A sociedade brasileira aguarda
que em breve tempo, apesar das manipulações dos envolvidos e dos supostos
interesses reclamados, que se tome como norte o texto constitucional, na
salvaguarda dos direitos e garantias individuais e coletivos.
REFERÊNCIAS
1 PEC
33/2011 – Projetos de Lei e Outras Proposições –
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=503667
2 Idem -
Justificação
3 Brasil,
Constituição da República Federativa do. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível
em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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