26/06/2019

Em pauta: Publicidade velada no Instagram - conheça as implicações administrativas





Por: Alan José de Oliveira Teixeira



O que é publicidade velada?

Os usuários do Instagram muitas vezes se deparam com anúncios, “dicas” e recomendações quando visualizam o stories de algum outro usuário, normalmente alguém com um número considerável de seguidores, como artistas, digital influencers e personalidades famosas em geral. Sem contar a publicidade entre um stories e outro ou mesmo publicações patrocinadas no feed. Outro meio de possível identificação publicitária nessas mídias (o YouTube também entra nessa lista) são os chamados “recebidos”, em que não é possível verificar se o autor do vídeo de fato recebeu aqueles produtos de forma desinteressada ou se é uma permuta entre ele e os fornecedores. Esse tipo de publicidade é também comum no Facebook.
Mas o que tem causado certas manifestações do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR nos últimos anos é a publicidade velada no Instagram. A publicidade velada, mascarada, simulada ou dissimulada, é aquela transmissão de informações que não aparenta publicidade. Segundo Flávio Tartuce, nesses casos há uma discrepância entre aparência e essência[i]. O Código de Defesa do Consumidor veda essa espécie de publicidade (art. 36), pois ofende ao mandamento de que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
 Digital influencer Gabriela Pugliese, em 2016, quando publicou foto no Instagram sobre nova cerveja da Skol com baixo nível de calorias.
 
Publicidade velada no Instagram: implicações administrativas e decisões do Conar

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária[i], no art. 9º, retratando o princípio da ostensividade, afirma que a atividade publicitária será sempre ostensiva. Para atender à exigência, na veiculação de publicidade deve ser feita alusão à marca de produto ou serviço, razão social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados.
É importante ressaltar que tais normas de proteção ao consumidor existem com o intuito de tornar as relações de consumo mais transparentes. Esse dever de informar recai sobre os fornecedores para que os consumidores possam decidir, com segurança e pleno conhecimento, se lhes interessa ou não adquirir o produto ou serviço[ii].
A exceção trazida pelo § 2º, do art. 9º, do Código do Conar, é em relação ao teaser, que se trata de mensagem que visa criar expectativa ou curiosidade no público. Segundo as normas administrativas, esse tipo de publicidade poderá prescindir da identificação do anunciante, do produto ou do serviço. Tratamento diferente ocorre com o merchandising, o qual submete-se igualmente a todas as normas dispostas a respeito da ostensividade e identificação publicitária.
E é justamente a ausência de identificação publicitária que tem ensejado determinadas condenações do Conar. Segundo o regulamento, o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual for a sua forma ou meio de veiculação. Ainda, prescreve o art. 29 do Código de Autorregulamentação:

Este Código não se ocupa da chamada “propaganda subliminar”, por não se tratar de técnica comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste. São condenadas, no entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos “subliminares” em publicidade ou propaganda.

Isto é, apesar de controversa, a publicidade velada é ilícita. Vejamos alguns casos interessantes que passaram pelo crivo do Conar. A postagem mencionada anteriormente sobre publicidade veiculada pela digital influencer Gabriela Pugliese ocorreu em 2015, tendo ocaso sido julgado em fevereiro de 2016 pelo Conar (Representação 211/15):

O Conar recebeu reclamação de dezesseis consumidores contra postagem em mídia social onde Gabriela Pugliesi divulga apresentação da cerveja Skol. Os consumidores denunciaram o fato de a mensagem não estar claramente identificada como publicidade, a ausência de frase de advertência como prevista no Código, entre outras queixas. Consideraram que os anúncios podem induzir ao consumo de álcool por menores de idade.

Não houve manifestação por parte dos responsáveis pelo blog. Já a Ambev negou o caráter publicitário das mensagens, alegando que elas foram publicadas por livre iniciativa de Gabriela. Informou a Ambev que é fornecedora exclusiva de cervejas e refrigerantes para estabelecimento de propriedade da blogueira. Informou ainda que solicitou a ela a interrupção da divulgação das mensagens.

O relator iniciou seu voto esclarecendo que a ausência de defesa por parte de Gabriela Pugliese o faz considerar como verdadeiras as denúncias trazidas pelos consumidores.

Ele não aceitou as alegações da Ambev e considerou, sim, as postagens como publicidade, ainda que velada. A partir disso, constatou a violação de diferentes dispositivos do Código, pelo que recomendou a sua alteração agravada por advertência a Gabriela Pugliese e Ambev porque, além de desrespeitarem o Código, "faltaram com boa-fé e responsabilidade social". Seu voto foi acolhido por maioria[iii].

          Mais recentemente, o Conar advertiu Gabriela Pugliesi e a marca de chás Desinchá, por post no stories. O julgamento da Representação feita em 2018 ocorreu em fevereiro deste ano. Segundo a denúncia, a peça publicitária pode levar o consumidor ao engano, levando-o a crer que não há risco no consumo do produto, que conteria diuréticos em sua fórmula. Segundo a Desinchá, a blogueira teria agido de modo espontâneo, após receber amostras do produto [os “recebidos”]. A decisão do Conselho foi por advertir Gabriela e a empresa pelo ocorrido. Feita nos stories, a publicidade velada é mais sutil, pois os vídeos curtos do Instagram são exibidos por apenas 24 (vinte e quatro) horas.
A atriz Bruna Marquezine também já foi notificada pelo órgão em razão de posts publicitários veiculados no Instagram sem identificação, em 2017.
Entretanto, o que se percebe é que as consequências da prática, por ora, possuem respostas meramente administrativas – o que, de forma alguma, retira a importância da atividade desempenhada pelo Conar e demais órgãos de defesa do consumidor.
Relevante esclarecer aspecto afeto à responsabilidade consumerista acerca da publicidade velada:

Deve ficar claro que esse tipo de publicidade ilícita não interessa tanto à responsabilidade civil consumerista, mas sim à imposição de multas administrativas pelos órgãos competentes. Em outras palavras, a categoria está mais próxima da tutela administrativa do que da tutela material do consumidor[iv].

O simples fato de o Conselho receber denúncias e julgar essas publicidades ocultas à luz do Código de Autorregulamentação e, por reflexo, da proteção ao consumidor, serve no mínimo ao propósito de conscientização dos usuários do Instagram, Facebook, YouTube e redes sociais em geral, que acabam, querendo ou não, se tornando consumidores.
O Blog Unicuritiba Fala Direito convidou a Professora Doutora Andreza Baggio, que leciona a disciplina de Direito do Consumidor no UNICURITIBA, para falar sobre as implicações jurídicas desse tipo de publicidade:

"Segundo o Código de Defesa do Consumidor a publicidade é regida pelo princípio da identificação ou da não captura, e, por esta razão, o código trata a publicidade velada como publicidade ilícita. O problema da publicidade realizada pelas redes sociais é exatamente este: YouTubers e influenciadores digitais costumam apresentar em seus vídeos e postagens produtos de marcas variadas sem que fique claro para os consumidores o seu conteúdo publicitário. O CONAR tem se manifestado sobre estes casos no sentido de orientar os responsáveis pelas postagens para que identifiquem seus comentários como publicidade, especialmente porque muitos desses influenciadores têm suas páginas e vídeos voltados ao público infantil e adolescente. É importante observar que nestes casos, tanto a empresa quanto o influenciador podem ser responsabilizados solidariamente, pois a conduta de não deixar clara a qualidade de publicidade das postagens fere princípios basilares do Direito do Consumidor como boa-fé e confiança. Tal responsabilização engloba a possibilidade de advertência pelo CONAR, multa administrativa a ser fixada pelo PROCON e até mesmo a condenação em demandas individuais ou coletivas pelos danos resultantes de enganosidade, ou ainda, no caso de crianças e adolescentes, é possível que tais postagens sejam classificadas como publicidade abusiva."

Como se vê, além do Conar, o PROCON, como órgão de proteção ao consumidor, é competente para fixar multas administrativas em vista de danos decorrentes de publicidade enganosa ou abusiva.
Para cumprir as regras destinadas à publicidade, verifica-se que alguns influenciadores digitais informam “parceria paga com...” ou até mesmo utilizam a hashtag “#publi”, que são meios que, pelo menos, tentam identificar que a publicação, vídeo etc., de fato se trata de publicidade.

Referências



[i] CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO PUBLICITÁRIA. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Disponível em: <http://www.conar.org.br>.

[ii] SOUZA, S. C.; WERNER, J. G. V.; NEVES, T. F. C. N. Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 17.

[iii] Informações retiradas do sítio oficial do Conar.

[iv] TARTUCE, Flávio; NEVES; Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 465.
 



[i] TARTUCE, Flávio; NEVES; Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e Processual. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.



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