Por: Alan José de Oliveira Teixeira
O que é publicidade velada?
Os usuários do Instagram muitas vezes se
deparam com anúncios, “dicas” e recomendações quando visualizam o stories
de algum outro usuário, normalmente alguém com um número considerável de
seguidores, como artistas, digital influencers e personalidades famosas
em geral. Sem contar a publicidade entre um stories e outro ou mesmo
publicações patrocinadas no feed. Outro meio de possível identificação
publicitária nessas mídias (o YouTube também entra nessa lista) são os chamados
“recebidos”, em que não é possível verificar se o autor do vídeo de fato
recebeu aqueles produtos de forma desinteressada ou se é uma permuta entre ele
e os fornecedores. Esse tipo de publicidade é também comum no Facebook.
Mas o que tem causado certas manifestações
do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR nos últimos
anos é a publicidade velada no Instagram. A publicidade velada, mascarada,
simulada ou dissimulada, é aquela transmissão de informações que não aparenta
publicidade. Segundo Flávio Tartuce, nesses casos há uma discrepância entre
aparência e essência[i]. O
Código de Defesa do Consumidor veda essa espécie de publicidade (art. 36), pois
ofende ao mandamento de que a publicidade deve ser veiculada de tal forma
que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.
Digital influencer Gabriela Pugliese, em 2016,
quando publicou foto no Instagram sobre nova cerveja da Skol com baixo nível de
calorias.
Publicidade velada no Instagram: implicações administrativas e
decisões do Conar
O Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária[i], no
art. 9º, retratando o princípio da ostensividade, afirma que a atividade
publicitária será sempre ostensiva. Para atender à exigência, na veiculação de
publicidade deve ser feita alusão à marca de produto ou serviço, razão
social do anunciante ou emprego de elementos reconhecidamente a ele associados.
É importante ressaltar que tais normas de
proteção ao consumidor existem com o intuito de tornar as relações de consumo
mais transparentes. Esse dever de informar recai sobre os fornecedores para que
os consumidores possam decidir, com segurança e pleno conhecimento, se lhes
interessa ou não adquirir o produto ou serviço[ii].
A exceção trazida pelo § 2º, do art. 9º, do
Código do Conar, é em relação ao teaser, que se trata de mensagem que
visa criar expectativa ou curiosidade no público. Segundo as normas
administrativas, esse tipo de publicidade poderá prescindir da identificação do
anunciante, do produto ou do serviço. Tratamento diferente ocorre com o merchandising,
o qual submete-se igualmente a todas as normas dispostas a respeito da
ostensividade e identificação publicitária.
E é justamente a ausência de identificação
publicitária que tem ensejado determinadas condenações do Conar. Segundo o
regulamento, o anúncio deve ser claramente distinguido como tal, seja qual
for a sua forma ou meio de veiculação. Ainda, prescreve o art. 29 do Código
de Autorregulamentação:
Este Código
não se ocupa da chamada “propaganda subliminar”, por não se tratar de técnica
comprovada, jamais detectada de forma juridicamente inconteste. São
condenadas, no entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos
“subliminares” em publicidade ou propaganda.
Isto é, apesar de controversa, a
publicidade velada é ilícita. Vejamos alguns casos interessantes que passaram
pelo crivo do Conar. A postagem mencionada anteriormente sobre publicidade
veiculada pela digital influencer Gabriela Pugliese ocorreu em 2015,
tendo ocaso sido julgado em fevereiro de 2016 pelo Conar (Representação
211/15):
O Conar
recebeu reclamação de dezesseis consumidores contra postagem em mídia social
onde Gabriela Pugliesi divulga apresentação da cerveja Skol. Os consumidores denunciaram
o fato de a mensagem não estar claramente identificada como publicidade, a
ausência de frase de advertência como prevista no Código, entre outras queixas.
Consideraram que os anúncios podem induzir ao consumo de álcool por menores de
idade.
Não houve
manifestação por parte dos responsáveis pelo blog. Já a Ambev negou o caráter
publicitário das mensagens, alegando que elas foram publicadas por livre
iniciativa de Gabriela. Informou a Ambev que é fornecedora exclusiva de
cervejas e refrigerantes para estabelecimento de propriedade da blogueira.
Informou ainda que solicitou a ela a interrupção da divulgação das mensagens.
O relator
iniciou seu voto esclarecendo que a ausência de defesa por parte de Gabriela
Pugliese o faz considerar como verdadeiras as denúncias trazidas pelos
consumidores.
Ele não
aceitou as alegações da Ambev e considerou, sim, as postagens como publicidade,
ainda que velada. A partir disso, constatou a violação de diferentes
dispositivos do Código, pelo que recomendou a sua alteração agravada por
advertência a Gabriela Pugliese e Ambev porque, além de desrespeitarem o
Código, "faltaram com boa-fé e responsabilidade social". Seu voto foi
acolhido por maioria[iii].
Mais
recentemente, o Conar advertiu Gabriela Pugliesi e a marca de chás Desinchá,
por post no stories. O julgamento da Representação feita em 2018 ocorreu
em fevereiro deste ano. Segundo a denúncia, a peça publicitária pode levar o
consumidor ao engano, levando-o a crer que não há risco no consumo do produto,
que conteria diuréticos em sua fórmula. Segundo a Desinchá, a blogueira
teria agido de modo espontâneo, após receber amostras do produto [os
“recebidos”]. A decisão do Conselho foi por advertir Gabriela e a empresa pelo
ocorrido. Feita nos stories, a publicidade velada é mais sutil, pois os
vídeos curtos do Instagram são exibidos por apenas 24 (vinte e quatro) horas.
A atriz Bruna Marquezine também já foi
notificada pelo órgão em razão de posts publicitários veiculados no Instagram
sem identificação, em 2017.
Entretanto, o que se percebe é que as
consequências da prática, por ora, possuem respostas meramente administrativas
– o que, de forma alguma, retira a importância da atividade desempenhada pelo
Conar e demais órgãos de defesa do consumidor.
Relevante esclarecer aspecto afeto à
responsabilidade consumerista acerca da publicidade velada:
Deve ficar
claro que esse tipo de publicidade ilícita não interessa tanto à
responsabilidade civil consumerista, mas sim à imposição de multas
administrativas pelos órgãos competentes. Em outras palavras, a
categoria está mais próxima da tutela administrativa do que da tutela
material do consumidor[iv].
O simples fato de o Conselho receber
denúncias e julgar essas publicidades ocultas à luz do Código de
Autorregulamentação e, por reflexo, da proteção ao consumidor, serve no mínimo
ao propósito de conscientização dos usuários do Instagram, Facebook, YouTube e
redes sociais em geral, que acabam, querendo ou não, se tornando consumidores.
O Blog Unicuritiba Fala Direito convidou a
Professora Doutora Andreza Baggio, que leciona a disciplina de Direito do
Consumidor no UNICURITIBA, para falar sobre as implicações jurídicas desse tipo
de publicidade:
"Segundo
o Código de Defesa do Consumidor a publicidade é regida pelo princípio da
identificação ou da não captura, e, por esta razão, o código trata a
publicidade velada como publicidade ilícita. O problema da publicidade
realizada pelas redes sociais é exatamente este: YouTubers e influenciadores
digitais costumam apresentar em seus vídeos e postagens produtos de marcas variadas
sem que fique claro para os consumidores o seu conteúdo publicitário. O CONAR
tem se manifestado sobre estes casos no sentido de orientar os responsáveis
pelas postagens para que identifiquem seus comentários como publicidade,
especialmente porque muitos desses influenciadores têm suas páginas e vídeos
voltados ao público infantil e adolescente. É importante observar que nestes
casos, tanto a empresa quanto o influenciador podem ser responsabilizados
solidariamente, pois a conduta de não deixar clara a qualidade de publicidade
das postagens fere princípios basilares do Direito do Consumidor como boa-fé e
confiança. Tal responsabilização engloba a possibilidade de advertência pelo
CONAR, multa administrativa a ser fixada pelo PROCON e até mesmo a condenação
em demandas individuais ou coletivas pelos danos resultantes de enganosidade,
ou ainda, no caso de crianças e adolescentes, é possível que tais postagens
sejam classificadas como publicidade abusiva."
Como se vê, além do Conar, o PROCON, como
órgão de proteção ao consumidor, é competente para fixar multas administrativas
em vista de danos decorrentes de publicidade enganosa ou abusiva.
Para cumprir as regras destinadas à
publicidade, verifica-se que alguns influenciadores digitais informam “parceria
paga com...” ou até mesmo utilizam a hashtag “#publi”, que são meios
que, pelo menos, tentam identificar que a publicação, vídeo etc., de fato se
trata de publicidade.
Referências
[i] CONSELHO NACIONAL DE AUTORREGULAMENTAÇÃO
PUBLICITÁRIA. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.
Disponível em: <http://www.conar.org.br>.
[ii] SOUZA, S. C.; WERNER, J. G. V.; NEVES, T. F. C.
N. Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 17.
[iii] Informações retiradas do sítio oficial do
Conar.
[iv] TARTUCE, Flávio; NEVES; Daniel Amorim
Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e
Processual. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 465.
[i] TARTUCE, Flávio; NEVES; Daniel Amorim
Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: Direito Material e
Processual. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
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