Desde que saí do Unicuritiba tenho continuado minha
formação acadêmica cursando um Mestrado em Direito. O conhecimento obtido
durante minha graduação possibilitou debates intelectuais de alto nível com
pesquisadores de diversos países, como é o caso da Red Iberoamericana Juvenil
de Derecho Administrativo – RIJDA, organização internacional de estudantes e
pesquisadores do Direito Público da qual faço parte, e que surgiu como
resultado do II Congreso Internacional de Estudiantes de Derecho Administrativo
ocorrido na Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), em 2016. Aprendi
muito sobre imigração em uma conversa com meu colega mexicano Alfonso Mendonza,
um dos membros fundadores da RIJDA, a quem convidei para redigir o texto abaixo
com aspectos centrais de sua pesquisa para o Blog Unicuritiba Fala Direito.
(Alan José de Oliveira Teixeira - ex-integrante do Blog Unicuritiba Fala Direito)
A migração
extracontinental
Alfonso Mendoza-Juárez*
A migração é um tema complexo e de grande importância
a nível mundial. É um fenômeno social por meio do qual uma ou mais pessoas
mudam de seu lugar de origem para outro, de forma temporal ou permanente. O
deslocamento pode ocorrer com o mesmo povo, dentro da cidade, país, ou de um
país para outro.
A migração mais conhecida é a de pessoas que mudam de
um país para outro. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima a existência
de 254 milhões de migrantes internacionais.[1]
Nesse contexto, fala-se então em país de origem (onde os migrantes moravam),
país de trânsito (país onde os migrantes transitam pelo mar, ar ou terra) e
país de destino (onde os migrantes querem chegar).
As origens da migração têm muitas vertentes, e pode
ser pelo interesse de um indivíduo, por questões pessoais, acadêmicas, de turismo,
pela falta de trabalho no país de origem, pela existência de violência, fome
etc. Porém, quando o trânsito acontece de forma irregular, as pessoas são mais
vulneráveis à violência, morte, fome, tortura, desaparecimento e ao tráfico
humano.
Pela importância, há muitos acordos internacionais
sobre a proteção de migrantes, tais como:
·
Declaração de New York pelos Refugiados e os migrantes
·
Convenção Internacional sobre a Proteção dos direitos de todos os
trabalhadores migrantes e suas famílias (1990)
·
Pacto Mundial para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (2018)
A migração na
América-Latina
Os países da América Latina têm muitas semelhanças em
sua História e Cultura. Mas, cada um também têm suas diferenças culturais que
os fazem únicos no mundo. Por exemplo, o carnaval brasileiro, a Guelaguetza
mexicana, o festival internacional de Salsa na Colombia, o Machu Pichu no Perú.
Ademais, tais países ainda enfrentam problemas que
aproximam suas realidades, quais sejam: corrupção, divisão nacional, falta de
recursos públicos, acesso à justiça, credibilidade da mídia, uma crise no
exercício e na defensa dos direitos humanos etc. Essa conjuntura pode ser
referida como “Os males da América-Latina”[2].
Na atualidade se soma a crescente migração dos últimos
anos, a causa de insegurança pela violência, os grupos criminosos, o aquecimento
global e a impossibilidade da agricultura e gado nos campos, a pobreza e falta
de opções de trabalho, os grandes projetos de construção e a destruição das
terras ancestrais, instabilidade e demais questões políticas.
A migração extracontinental
Quando falamos de “extracontinental” nos referimos
àquela migração na qual as pessoas não só mudam de pais, mas também de
continente, e “pode ser considerada como o fluxo misturado composto por
migrantes econômicos, e em menor medida, pelas pessoas refugiadas, quem
solicitam asilo e outras categorias de pessoas, entre os quais também se
identifica vítimas de human traffic, principalmente
de países na África e na Ásia”. (Flacso, 2011: 5).
É importante lembrar que cidadãos de diversos países
da África tentam frequentemente cruzar a costa do continente africano para a
Europa buscando uma vida melhor. Veja-se, por exemplo, que nos últimos anos a
Síria teve um crescimento de pessoas tentando chegar à Europa em razão da
violência que assola aquele país, como se viu na imagem do menino sírio
encontrado na costa de Turquia (2015).
Na América também há migração extracontinental. O
principal ponto de migração extracontinental é o Brasil, onde muitas pessoas
oriundas do continente africano, principalmente angolanos, pela proximidade
idiomática, chegam com a ideia de obter melhores condições de vida.[3]
Mesmo sem ser outro continente, a migração haitiana é
considerada como extracontinental por alguns, pela distância desde as costas da
América até a ilha do Caribe, chegando também uma importante população ao
Brasil.[4]
Essa movimento migratório gerou uma constante
mobilidade para o interior do Brasil e também para outros países da região como
a Colômbia, o Equador, a Argentina, o Chile. Apesar disso, pelas circunstâncias
atuais do continente, as rotas migratórias foram mudadas, principalmente pela
migração venezuelana, acrescentando os fluxos migratórios para os Estados
Unidos. O México, nesse diapasão, é um país de trânsito para alguns, e destino
para outros.
Recentemente um grande grupo de africanos e asiáticos
chegarem ao sul do México, com a intenção de ir para aos Estados-Unidos,[5] mas
autoridades migratórias mexicanas os detiveram para que voltassem ao seu país
de origem.[6]
As complicações são presentes. É certo que a
vulnerabilidade das pessoas migrantes é produto: das dificuldades que têm para
comunicar-se na língua do país onde se encontram; do desconhecimento da cultura
e costumes; da ausência de representação política; da dificuldade de exercício
dos direitos; dos obstáculos para obter documentação de identidade; além do acesso
aos recursos judiciais pelas violações a seus direitos humanos. São, por óbvio,
alguns fatores que destaco, sem a pretensão de esgotá-los.
De acordo a legislação mexicana, para fazer um retorno
é necessário a credenciamento do Consulado como nacional do país, embora não
exista Consulado da Angola no México ou nos Estados Unidos, o que complica os
tramites migratórios. Importante ressaltar que muito embora o idioma seja um
ponto problemática para os migrantes, o caso dos migrantes haitianos é
interessante por ser comum, entre eles, o domínio duas ou mais línguas.
Retomando a migração nas américas suscitada
anteriormente, é possível observar que alguns migrantes logram êxito, nesse
movimento, em chegar ao norte do México, na fronteira com os Estados Unidos.[7] E sendo
o México um país de origem, trânsito e destino, com outros migrantes
centro-americanos, da Ásia, Haiti e migrantes mexicanos, esperam solicitar
asilo lá, mas as políticas migratórias atualmente não são favoráveis a eles.
Respostas para a migração
Atualmente é aceito o direito de migrar de um lugar
para outro, mas também que os Estados podem regular as condições pela admissão
dos estrangeiros tendo o respeito dos direitos humanos como principal limite.
Não obstante, culturalmente há um rechaço do migrante
irregular com a falsa ideia de ser um delinquente. É relevante lembrar que são
as problemáticas donde o migrante mora a causa de sair arriscando sua vida no
trajeto e muitas vezes com o pouco dinheiro que têm.
As fronteiras como linhas imaginárias só fazem crer
que o problema é de um país quando são problemas regionais que necessitam de
uma resposta regional. Fazer com que as pessoas retornem ao seu país de origem
sem a existência de segurança e trabalho só gera que novamente eles tentem
ingressar pois não têm o que perder.
* Faculdade de
Direito- Universidad Nacional Autónoma de México- UNAM; membro fundador e
presidente da comissão acadêmica da Rede Ibero-americana Juvenil de Direito
Administrativo. https://orcid.org/0000-0001-8554-0310; mendozajuarezalfonso@gmail.com
[1] NACIONES
UNIDAS. Migración. Disponível em: <https://www.un.org/es/sections/issues-depth/migration/index.html>.
[2] Jorge Carpizo,
ilustre constitucionalista mexicano, definiu como “os males do México”
situações como a “corrupção contínua, divisão entre mexicanos, recursos
públicos insuficientes, estagnação na defesa dos direitos humanos, obtenção de
justiça sem credibilidade, a mídia ". JORGE, Carpizo. 1999:
Problemas acumulados. México: Novos estudos constitucionais, UNAM-Porrua, 2000,
p. 14. Mas é possível falar dos "males da América Latina"? A resposta
é sim, embora com certas reservas devido ao contexto de cada país da região,
sem ignorar a existência de certos pontos em comum, como migração, violência,
corrupção e crise dos direitos humanos.
[3] Ademais, devido
as políticas migratórias o Brasil tive um grande recebimento de europeus como
consequência da segunda guerra mundial. CIDOB, Anuario Internacional CIDOB 2003
/edición 2004), Brasil, Edicions Bellaterra, pp. 573-580. https://www.cidob.org/publicaciones/serie_de_publicacion/anuario_internacional_cidob/anuario_internacional_cidob_2003_edicion_2004_brasil_perfil_de_pais/(language)/esl-ES
[4] París Pombo,
Maria Dolores (coord..), Informe Especial, Migrantes Haitianos y Centroamericanos
em Tijuana, Baka California, México, CNDH, p.26.
https://www.cndh.org.mx/sites/all/doc/Informes/Especiales/Informe-Migrantes-2016-2017.pdf.
[5] Maria de Jesus Peters,
Migrantes de África y Ásia saturan estación en Chiapas, El Universal, 21-03-2019,
https://www.eluniversal.com.mx/estados/migrantes-de-africa-y-asia-saturan-estacion-en-chiapas.
[6] O dato em
2019: 186 750 pessoas foram postas à
disposição das autoridades migratórias e retornadas a seu pai. Secretaria de Gobernación,
Boletín Anual 2019, p.128,
http://portales.segob.gob.mx/work/models/PoliticaMigratoria/CEM/Estadisticas/Boletines_Estadisticos/2019/Boletin_2019.pdf
[7] Fernández, Manny, Más de
setecientos inmigrantes centroafricanos han llegado a la frontera entre México
y Estados Unidos, New York Times (español), 19 de junio de 2019.
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