22/05/2020

Em pauta: Autonomia da Polícia Federal



Por Giovanna Maciel 


          Além do coronavírus, outro tema se mantém em alta diariamente: o governo da República Federativa do Brasil. A bola da vez é a autonomia (ou não) da Polícia Federal, que ensejou inclusive no pedido de demissão do então Ministro da Justiça e denúncias sobre a postura do Presidente por suposta tentativa de intervenção na diretoria geral do órgão.

Independentemente de certos ou errados, este texto pretende analisar a discussão acerca da autonomia do órgão federal, que, aliás, é antiga.

          Embora haja divergências sobre a origem da Policia Federal, é unânime que a regulação do molde atual do Departamento de Polícia Federal (DEF) se deu com a promulgação da Constituição Federal, em 1988. A partir deste momento, a instituição passou a ser subordinada ao Ministério da Justiça, tendo como atribuições a polícia administrativa e, em caráter exclusivo, a polícia judiciária.

          Assim, conforme a Carta Magna, em seu artigo 144, §1º:



§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.[i]

         

Também, as atribuições da Polícia Federal são definidas em legislações infraconstitucionais, que versam sobre o combate ao terrorismo, segurança de Chefes de Estado estrangeiros e de Organismos Internacionais (quando em visita ao Brasil), crimes cibernéticos, violações aos Direitos Humanos, crimes políticos e lavagem de dinheiro, por exemplo.

          Com sede situada em Brasília, a instituição possui unidades descentralizadas (superintendências regionais) em todas as capitais dos estados federativos, bem como delegacias e postos avançados em diversas cidades do país.

          Dentre os departamentos da Polícia Federal, tem-se a Diretoria de Inteligência Policial, que consististe na ampliação das investigações até o seu limite. Assim, ao invés de focar em “quem está fazendo o quê e contra quem”, passou-se a investigar “quem está fazendo o quê, junto com quem”, com o fito de alcançar todos os responsáveis pela cadeia criminosa[ii].

          Essa nova forma de atuação deixa com que o esquema funcione por um tempo, monitorando seu funcionamento para, depois de mapeado, as informações coletadas sejam estudadas por analistas e, com cruzamento de dados, auxiliam a encontrar as “cabeças” do crime[iii].

          Por óbvio, essa alteração de linha investigativa, tal como tantas outras – em especial após 2000 –, não agradou muitas pessoas com poder, principalmente pelo fato de que a instituição de tornou uma das mais atuantes no combate à corrupção.

          No que tange a autonomia da Polícia Federal, como já dito, a discussão não é nova. Em outros momentos já se levantou a questão, como em 2009, com a elaboração da PEC 412[iv], e em 2014, durante um debate para as eleições presidenciais[v].

Destaca-se que a PEC voltou à pauta da Câmara no ano passado (2019), após falas do Presidente Jair Bolsonaro, que já anunciavam uma ameaça de interferência[vi]. Contudo, o anúncio do desarquivamento da Proposta de Emenda à Constituição gerou debates dividindo o entendimento de juristas[vii].

Pois bem, voltando ao que é consolidado até o momento: a PF é instituída por lei como órgão específico e singular, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, com autonomia administrativa e financeira, diretamente subordinada ao Ministro de Estado da Justiça[viii]. Assim, detém um poder de direção, controle e comando no que cabe a sua competência específica, embora não possua autonomia administrativa ou financeira.

Destaca-se, ainda, o Decreto nº 73.332/73[ix]:



Art. 1º Ao Departamento de Polícia Federal (DPF), com sede no Distrito Federal, diretamente subordinado ao Ministério da Justiça e dirigido por um Diretor-Geral, nomeado em comissão e da livre escolha do Presidente da República, compete, em todo o território nacional: [...]



          Por tal dispositivo, tem-se clara a subordinação do Departamento de Polícia Federal perante o Ministério da Justiça que, por sua vez, é controlado pelo chefe do Executivo (Presidente da República), responsável pela indicação do Diretor Geral. Contudo, esse controle é “finalístico”, que consiste no controle da legalidade da atuação administrativa, de verificação do cumprimento do programa geral do Governo, não possuindo fundamento hierárquico.

          Ou seja, ainda que indiretamente, a PF é controlada, fazendo com que, muitas vezes, apresentem entre seus servidores, investigados por diversos crimes, inclusive corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Com isso, levantam-se suspeitas sobre interferências externas, que colocam em xeque a idoneidade e imparcialidade das investigações[x].

          Deixando-se de lado opiniões sobre a necessidade ou não da autonomia completa da referida instituição, algumas observações não podem ser deixadas de lado. Entre elas, a de que, sendo subordinada (mesmo que indiretamente) ao Poder Executivo, não é raro se ver normas legais que objetivam regular e limitar a atuação das forças policias, bem como diversos cortes orçamentários, dificultando na eficácia das investigações.

          Sobre isso, nas palavras de Ponte,



É essencial à manutenção da democracia que seja concedida á Polícia Federal garantias funcionais de caráter constitucional para que tenham independência de fato, bem como imparcialidade na condução de suas atividades, assegurando os direitos do cidadão e da coletividade de que todos os crimes serão investigados com atenção às leis e aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal, sem influências externas, que visam garantir o interesse dos investigados. [xi]



Isto é, ligada ou não ao Governo, a Polícia Federal deve ter sua autonomia para trabalhar e investigar os crimes a que lhe compete, sem interferências pessoais dos tripartites.

Finalmente, importante lembrar que a instituição deve atender aos interesses dos GOVERNADOS, jamais do GOVERNANTE, como se tem observado.

Com os recentes acontecimentos, os quais sequer se fazem necessário mencionar, fica evidente a tentativa de interferência no chefe do Executivo na Polícia Federal não para melhores investigações ou eficácia da polícia judiciária. Ao contrário, procura-se atender a interesses pessoais, salvaguardando a “segurança” de familiares e amigos (só no RJ já são 19 membros da família sob investigação do MP[xii]).



[i] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
[ii] FARINA, Carolina; HAGE, Kamila. Vinte anos após Collor, Brasil dá guinada contra corrupção. Revista Veja. 29 set. 2012. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/politica/vinte-anos-apos-collor-brasil-da-guinada-contra-corrupcao/>.
[iii] MAGALHÃES, Luiz Carlos. A inteligência policial como ferramenta de Análise do Fenômeno: Roubo de cargas no Brasil. Âmbito Jurídico. 29 fev. 2008. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-penal/a-inteligencia-policial-como-ferramenta-de-analise-do-fenomeno-roubo-de-cargas-no-brasil/>.
[iv] BRASÍLIA. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda Constitucional nº 412, de 2009. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=453251>.
[v] DILMA e a Polícia Federal. Estadão. 03 out. 2014. Disponível em: <https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,dilma-e-a-policia-federal-imp-,1570096>
[vi] CERIONI, Clara. De surpresa, Bolsonaro anuncia troca de chefe da PF-RJ; delegados reagem. Revista Exame. 15 ago. 2019. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/de-surpresa-bolsonaro-anuncia-troca-de-chefe-da-pf-rj-instituicao-reage/>.
[vii] COELHO, Gabriela. Proposta de autonomia da Polícia Federal divide especialistas. ConJur. 26 ago. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-ago-26/proposta-autonomia-policia-federal-divide-especialistas>.
[viii] DPF, Departamento da Polícia Federal. Instrução Normativa n° 013/2005, de 15 de junho de 2005. Define as competências específicas das unidades centrais e descentralizadas do Departamento de Polícia Federal e as atribuições de seus dirigentes. Disponível em: <http://www.pf.gov.br/institucional/acessoainformacao/institucional/instrucao-normativa-no.-013-2005-dg-dpf-de-15-de-junho-de-2005>.
[ix] BRASIL. Decreto nº 73.332, de 19 de dezembro de 1973. Define a estrutura do Departamento de Polícia Federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d73332.htm>.
[x] PONTE, Thales Jericó. Autonomia da Polícia Federal. Jurídico Certo. 18 abr, 2020. Disponível em: <https://juridicocerto.com/p/thalesponte/artigos/autonomia-da-policia-federal-4460>.
[xi] Loc. cit.
[xii] PIVA, Juliana Dal. No Rio, 19 familiares de Bolsonaro estão sob investigação do Ministério Público. 14 mai. 2020. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/no-rio-19-familiares-de-bolsonaro-estao-sob-investigacao-do-ministerio-publico-24426093>.

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