16/07/2013

O papagaio jurídico

     O casamento foi acumulando tempo e ódio recíproco. Os outrora apaixonados  tinham se transformado em inimigos íntimos. A gerra doméstica chegou e a separação foi inevitável.
     Não tinham filhos, o que facilitava um pouco, mas ao longo do casamento além da malquerença adquiriram bens  que precisavam ser divididos.
     A ação era movida pelo rancor. O importante não era o que cada um ficasse para si, mas o quanto isso podia prejudicar o outro. Era uma verdadira insânia, num campeonato de mesquinhez e maldade.
     Os advogados eram os únicos sensatos nessa competição de animosidade, pois tentavam demover os clientes da opção do litígio exacerbado e entre si buscavam pontos de consenso, para permitir o encerramento do processo. Assim, superados todos os obstáculos de ordem racional e até irracional, a partilha estava pronta, os bens divididos e só faltava a formalização para o fim do processo. Eis que surge um elemento que, até entã, não havia sido mencionado. O Pepe.
     Era um papagaio que ganharam de um amigo comum, quando tinham ainda amigos comuns. Ele era dos dois e não havia como dividir. O impasse estava criado.
     Mais uma vez os advogados usaram de todos os argumentos para uma solução. O casal não transigia um milímetro sequer. Cada um queria o Pepe para si. A situação lembrava o verso de Drumond, mas em vez de pedra tinha um papagaio no caminho e o processo não andava mais.
      Não bastasse isso, entre eles havia digergências futebolística, ela era torcedora do Internacional e ele era do Grêmio. Ela sustentava que o papagaio falava e gritava "coloraaadooo", ele confirmava a oralidade da ave, mas sustentava que seu cântico era "grêêêmio".
     Essa particularidade animou os advogados e depois de algumas reuniões surgiu uma luz no fim do túnel. Com muita insistência convenceram os clientes que a decisão de quem ficaria com o papagaio, só dependeria do próprio Pepe, pela sua escolha clubística. Porém, como nenhuma solução é perfeita, houve a exigência dos clientes que essa manifestação do bicho fosse feita diante do juiz. Os advogados pensaram em desistir e até renunciar os mandatos, mas como o processo estava quase no final e o patrimônio era interessante, decidiram uma última cartada e foram falar com o julgador.
     Narraram ao magistrado todo o histórico e como eram velhos advogados e com credibilidade, conseguiram que ele ficasse penalizado com o esforço conciliatório dos procuradores e, por grande deferência, acatasse o pedido. Alertando que o inusitado poderia acarretar a ridicularização dos envolvidos, foi tudo tratado em sigilo e sob condições antes estabelecidas.
     As petições deveriam estar prontas e assinadas pelas partes e advogados encerrando o processo  antes da decisão sobre o destino de Pepe, para só depois tratarem da questão aviária. Para não chamar a atenção o papagaio deveria ser conduzido numa gaiola dentro de uma bolsa. 
     Assim, cumprida a etapa formal e colhidas as assinatura, foi tirada a gaiola. O Pepe estranhando aquele ambiente, ficou mudo como uma coruja. O constrangimento era grande e o julgador estava impaciente, quando alguém teve a idéia de mostrar no computador alguma imagem de futebol, para que o bicho abrisse o bico e soltasse a voz.  
     Naquele momento o grenal matrimonialviveu um clima de suspense absoluto, o Pepe olhava para o monitor vendo cenas de um jogo, e as pessoas a sua volta acompahavam suas reações. Foi então que sacudiu as asas e imitando aquelas transmissões da Globo nos jogos da seleção, gritou com sua lingua engrolada:
     Brasiiiilll!
     O juiz, que era bem humorado, fingiu ter perdido a paciência e bateu na mesa dizendo:
     "O casal está separado e a partilha homologada."
     Levantou-se, pegou a gaiola, foi até a janela abrei a portinhola e concluiu:
     "Concedo habeas corpus para esse papagaiio".
      E o Pepe saiu voando.
     Fonte: leo@ebia.com.br - Espço Vital (WGF)

    

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