29/03/2020

Em pauta: De quem realmente é a competência para decidir sobre a quarentena?




Por Beatriz Duma de Oliveira*

Na terça-feira, 24 de março, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, fez um pronunciamento oficial que causou grande comoção Brasil afora. O Presidente defendeu o fim de medidas restritivas, como a quarentena decretada pelo governador de São Paulo, para conter a transmissão local do novo Coronavírus. No dia seguinte, as reuniões entre Presidente e governadores dos estados foi marcada por diferenças quanto à adoção de medidas restritivas. Nesse cenário, surgem dúvidas como: Quem tem competência para decretar quarentena? E é possível que algum órgão ou ente possa suspendê-la?

Para responder essas questões conversei com Luiz Gustavo de Andrade, professor de Direito Constitucional na Unicuritiba. Ele me explicou que, primeiramente, precisamos entender como funciona o Pacto Federativo no Brasil. 

Pela Constituição de 88, são entes da federação: a União (ou Governo Federal), os estados, municípios e o Distrito Federal. Cada um desses entes possui competência para exercer algumas funções. Os serviços postais e a emissão de moeda, por exemplo, são competências exclusivas da União. Ou seja, estados e municípios não podem criar seu próprio serviço de Correios ou sua própria moeda. 

Mas também existem funções que são de competência comum entre os entes da federação, como é o caso da educação e da saúde - sendo a última prevista no artigo 23, II da Constituição. Portanto, tanto o Governo Federal, quanto o Estadual e o Municipal não só podem como devem prestar serviço de saúde para a sua população. Contudo, a Constituição não elencou qual área da saúde cada ente federado deve atuar preferencialmente. Dessa forma, todos prestam serviço e tem competência para tomar as medidas cabíveis para a promoção da saúde, em suas várias formas. Além disso, de acordo com o artigo 24, XII da Constituição, tanto a União quanto os estados podem legislar sobre a saúde de forma concorrente, ou seja, o Governo Federal edita normas gerais (§1°), e os governos estaduais particularizam essas normas à sua localidade, sem contrariá-las (§2°).

Essas noções de Direito Constitucional são necessárias para compreendermos como um estado pode atuar na questão da saúde nessa pandemia da Covid-19. Além de criar leis locais, os estados podem usar de um instrumento chamado "Decreto Executivo", que é uma ordem editada pelo chefe do executivo no nível estadual - o governador - que versa sobre ações administrativas. 

Por via de decreto, um governador pode, por exemplo, suspender as aulas em escolas e fechar alguns estabelecimentos, com objetivo de evitar a transmissão do novo Coronavirus. Porém, como é uma ordem editada pelo poder Executivo, um decreto não pode trazer nenhuma medida que não esteja prevista em lei - tendo em vista que, pela Tripartição de Poderes, cabe ao Legislativo criar normas jurídicas, e ao Executivo, executá-las. Não poderia, por exemplo, um decreto criar e impor um tributo que não estivesse previsto em legislação, pois vimos que o decreto não pode inovar no mundo jurídico.

Sintetizando os conceitos apresentados, para verificar se decretos estaduais são válidos no que diz respeito à questão da saúde, precisamos a) ver se os dispositivos nele presentes possuem base legal, pois os decretos são atos normativos secundários, ou seja, estão abaixo da lei, e não podem criar algo que já não exista nela; b) verificar se contrariam as normas gerais determinadas pela União, conforme artigo 20, § 2º, da Constituição. Toda essa linha de raciocínio serve para entendermos por qual razão o decreto do estado de São Paulo[1], que determinou a quarentena, é ilegal. E como outros decretos estaduais podem sofrer do mesmo status.

O decreto editado por João Dória não é contrário às normas gerais estabelecidas pela União. Na Lei n° 13.979/2020[2], artigo 2º, II, é permitido declarar quarentena em razão da disseminação do novo Coronavírus. E no parágrafo 7º, II do mesmo artigo, determina-se que os gestores locais (como prefeitos e governadores) podem adotar essa medida de restrição, desde que autorizados pelo Ministério da Saúde. Também reafirma essa questão a Portaria n° 356 de 11/março/2020[3], do Ministério da Saúde, no artigo 4º, §1º prevê que a quarentena pode ser adotada mediante ato administrativo formal, por órgãos federais, estaduais e municipais de saúde. Nesse aspecto, o decreto do Governador é válido. A questão problemática é que, para que o decreto de quarentena fosse legal, deveria existir uma lei estadual que regulamentasse como a quarentena aconteceria. Essa lei não existe e, ao que tudo indica, nenhum estado do Brasil criou uma lei sobre essa questão. 

O que vemos, portanto, é um grande problema jurídico, pois os decretos tanto de São Paulo como de outros estados podem ser anulados por inovarem no mundo jurídico sem previsão legal, ou seja, maculados por uma ilegalidade. No entanto, caso decretada a nulidade da medida de quarentena, o efeito pode ser um maior número de infectados e mortos pelo novo Coronavirus, além da sobrecarga do Sistema de Saúde das localidades afetadas. Ressalto, para esclarecer, que caso houvessem leis estaduais regulamentando a quarentena, que foi permitida por lei federal, esses decretos estariam dentro da legalidade.

O problema, no entanto, não é apenas esse. Como a Lei 13.979/2020 permite a quarentena apenas com autorização do Ministério da Saúde, o chefe do Executivo em nível federal, Presidente Jair Bolsonaro, caso queira intervir nesse Ministério, pode acabar com as quarentenas que já estão acontecendo, as desautorizando. Por essa razão, mesmo se os decretos fossem válidos, as quarentenas poderiam ser suspensas, já que dependem de uma validação do Governo Federal.

Essa centralização de poder nas mãos da União, reforçada pela Medida Provisória 926 de 20/março/2020[4], fere a autonomia dos estados em cuidar da saúde de sua população frente à pandemia, porque os incapacita de tomar medidas, como a quarentena, caso haja discordância de opinião do Governo Federal.

Sobre a referida MP, o ministro do STF Marco Aurélio reafirmou que os estados e municípios tem poder para tomar medidas de proteção à saúde, já que é competência comum dos entes da federação. Contudo, não declarou nula a MP, que possui o caráter centralizador já mencionado. Ainda sim, faz-se necessária a lei local e não apenas um Decreto.

Para evitar o “caos social”, o secretário executivo do Ministério da Saúde, João Gabardo Reis, em coletiva de imprensa no dia 26/03, disse que a população deve seguir as normas previstas no seu município, sejam elas medidas restritivas, no caso de quarentena, ou o isolamento social aconselhado pelas autoridades locais. Vale lembrar que compete aos Municípios a edição de normas acerca dos interesses locais - art. 30, I, da Constituição.

Vemos, nesse cenário atual, como o Direito não está preparado para lidar com essa situação, na qual a população, os especialistas e os órgãos nacionais e internacionais defendem a adoção de medidas como a quarentena. Entretanto, para que os decretos estaduais estivessem em conformidade com o Direito, seria necessário esperar a conclusão do processo de criar, debater, votar e aprovar uma lei estadual. Esse processo legislativo demora mais do que o tempo que temos para tomar medidas, de forma que possam diminuir a transmissão comunitária do vírus, que ameaça todo o corpo social.

O que se conclui, portanto, é que, quando superada essa terrível pandemia, será preciso repensar nosso pacto federativo.  Neste caso particular, a divergência de opinião entre a esfera federal, que centraliza muito poder, e as esferas estaduais e municipais, pode gerar muitas mortes e o colapso do sistema de saúde nas localidades mais afetadas.





*Beatriz Duma de Oliveira é aluna do 3° período de Direito, apresentadora do Talks Channel e integrante do grupo de pesquisa "Criminologia - Cultura, Violência e Desigualdade" e voluntária no projeto "Formação Constitucional nas Escolas" - além de integrante da equipe de 2020 do Blog Unicuritiba Fala Direito. 

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22/03/2020

Em pauta: Reflexões sobre as fronteiras e outros sintomas






“(...) poderíamos dizer, historicamente, que a sociedade humana nasceu com a compaixão e com o cuidado do outro, qualidades apenas humanas. A preocupação contemporânea está toda aí: levar essa compaixão e essa solicitude para a esfera planetária. Sei que gerações precedentes já enfrentaram essa tarefa, mas vocês terão de prosseguir nesse caminho, gostem ou não, a começar por sua casa, por sua cidade — e já.”[1]

Nesta última semana tivemos posicionamentos mais incisivos em relação ao controle epidemiológico do COVID-19. Grande parte das instituições de ensino suspenderam suas atividades acadêmicas, e os entes federados, bem como seus respectivos órgãos, tem se pronunciado acerca de medidas de prevenção e controle sobre a doença. Destacamos as orientações a respeito de cuidados individuais como higiene das mãos, evitar aglomerações, manter os ambientes ventilados, e não compartilhar seus objetos pessoais. Em caso de resfriado, ou mesmo gripe, a orientação é ficar em casa e observar seu quadro de sintomas. Caso apresente febre, tosse e dificuldade de respirar, deve-se procurar auxílio médico[2].
Mas, além das medidas informativas de saúde, o governo federal determinou o fechamento temporário das fronteiras terrestres do Brasil, inicialmente pelo prazo de 15 (quinze) dias. Num primeiro momento apenas com a Venezuela, em divisa com o estado de Roraima, e posteriormente com a Argentina; Bolívia; Colômbia; Guiana Francesa; Guiana; Paraguai; Peru; e Suriname. Cabe ressaltar que a Portaria nº 125 que trata sobre a restrição de acesso ao nosso país nesse período de pandemia, apoiou-se nas recomendações da Anvisa, e não se aplica aos brasileiros, natos ou naturalizados; imigrantes com prévia autorização de residência definitiva em território brasileiro; profissionais estrangeiros em missão a serviço de organismo internacional, desde que devidamente identificado; e aos funcionários estrangeiros acreditado junto ao Governo brasileiro.[3]
Tais restrições também não impedem o tráfego do transporte rodoviário de cargas; a execução de ações humanitárias transfronteiriças previamente autorizada pelas autoridades sanitárias locais; e o tráfego de residentes de cidades gêmeas com linha de fronteira exclusivamente terrestre[4]. Outro ponto a se observar são as sanções em caso de descumprimento de tais medidas, implicando em responsabilização civil, administrativa e penal do agente infrator; bem como, na deportação imediata do agente infrator e a inabilitação de pedido de refúgio.[5]
Recentemente, o podcast Hora do Intervalo[6] trabalhou questões relevantes sobre a nova epidemia, e dentre elas, a questão do controle de fronteiras. Nossa colega de redação, Manuela Paola, destacou que a saúde deveria ser um tema que ultrapassasse fronteiras, haja vista que a epidemia não as respeita. E o professor Gustavo Blum, do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba, ressaltou a importância do controle das fronteiras para a manutenção das atividades estatais, como da própria segurança e da saúde pública do país.

“Jamais deixaremos de ser estrangeiros: permaneceremos assim, e não interessados em interagir, mas, justamente porque somos vizinhos uns dos outros, destinados a nos enriquecer reciprocamente. (...) quanto mais o espaço e a distância se reduzem, maior é a importância que sua gente lhe atribui; quanto mais é depreciado o espaço, menos protetora é a distância, e mais obsessivamente as pessoas traçam e deslocam fronteiras.”[7]

Zygmunt Bauman está se referindo às fronteiras entre pessoas em espaços reduzidos, mas acredito que possamos espelhar tal concepção sobre as fronteiras entre países de um mesmo continente. Esta afirmação pode ser claramente vista nas questões de cunho migratório e na transformação de países hegemônicos em enclaves fortificados. Podemos ainda transpor tal olhar ao posicionamento do Brasil em relação aos demais países fronteiriços da América Latina.
O antropólogo norueguês Fredrik Barth, é citado por Bauman em sua obra Confiança e medo na cidade para ressaltar que o objetivo das fronteiras não está em delimitar diferenças, ao contrário, é o fato de demarcarmos fronteiras que as distinções se consolidam e, por sua vez, tornam-se legitimadas. Mas, sendo a delimitação uma justificativa para o fortalecimento de uma identidade e soberania nacional, a ausência de fronteiras em relação ao direito universal à saúde e, como destacado por Manuela, não reconhecida pela própria epidemia, não deveria ser um motivador para caminharmos em sentido oposto? Entendemos a questão do isolamento como fundamental para o controle da epidemia, mas no caso da Venezuela, a justificativa para a restrição de seus nacionais em nosso território brasileiro foi atribuída por nosso presidente, Jair Bolsonaro, à fragilidade do país venezuelano. Esta fragilidade não deveria ser abraçada por uma solidariedade entre nações, em busca de uma integração e fortalecimento através da colaboração e reciprocidade em prol da humanidade?
            Retomando o podcast Hora do Intervalo, a professora Edna Torres Felício, do curso de Direito do Unicuritiba, pontuou sobre a competência administrativa acerca da esfera da saúde, compreendendo a atuação estatal fundamental para a vigilância epidemiológica da saúde individual e coletiva. Outro ponto destacado pela professora é a ausência de legislação sobre quarentena, e para tanto, foi expedida em caráter emergencial a Lei nº 13979, de 06 de fevereiro de 2020, a respeito de medidas de urgência para enfrentamento da epidemia do corona vírus[8].
            A professora Edna nos explicou que alguns direitos individuais podem vir a ser suprimidos em prol da saúde pública, dentre eles, o direito de ir e vir. Para isso, ela nos relembrou que os direitos fundamentais possuem estrutura de princípios e por isso podem vir a colidirem, demandando a harmonização no caso concreto. E, neste sentido, deve-se respeitar a temporariedade, a legalidade e a proporcionalidade, para se evitar uma ampliação do controle estatal de forma arbitrária.
Apoiando-se no pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben, Torres reforçou que momentos de insegurança, como a da presente pandemia, suscitam a instauração de estados de exceção que podem vir a ser tomados como paradigmas de normalidade. Nesse aspecto o medo pode ser utilizado como ferramenta para a insurgência de um estado não democrático. Algo similar ao papel do terror para a manutenção de poder num sistema totalitário, outrora analisado por Hannah Arendt em Origens do Totalitarismo. Esta parte final da fala da professora Edna é muito importante pois nestes últimos dias as palavras “estado de sítio” têm-se apresentado temerosamente presentes e constantes na mídia.

“As fronteiras e deslocamentos migratórios são processos econômicos e socioculturais, como são estudados pelos demógrafos, antropólogos e sociólogos, e também processos simbólicos que se expressam como metáforas, e não apenas como conceitos.[9]

            Utilizando da comparação proposta por Canclini das fronteiras e deslocamentos, e porque não das restrições a estes, como processos simbólicos dados por metáforas, torna-se inevitável nos remetermos ao entendimento de sintoma para Freud e Lacan[10]. Este último, compreendia o inconsciente enquanto linguagem e o sintoma enquanto mensagem-metáfora, ou seja, um significante de um significado recalcado. Para Freud, o caminho da gênese da neurose é trilhado pelo inconsciente diante de um trauma que o recalca e se manifesta sob as vestes de sintoma.
O ponto que gostaria de chegar na questão sobre as fronteiras, suas delimitações e medidas de contenção, reside exatamente nesta concepção de metáfora que Canclini sugeriu, e que podemos correlacionar com a compreensão de sintoma para a psicanálise. Um sintoma que na verdade não guarda enquanto trauma, ou significado recalcado, a pandemia que vivemos, mas é um sintoma similar à crise migratória, à desigualdade entre os povos, e a manutenção de estruturas de poder que consolidam blocos hegemônicos. Portanto, finalizo com uma proposta de reflexão: qual é o trauma, em termos de humanidade, que estes sintomas sociais, políticos e econômicos tentam nos revelar?





[1] BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. p. 90.
[2] BRASIL. Corona vírus – COVID-19. Brasília: Ministério da Saúde, 2020. Disponível em: <https://coronavirus.saude.gov.br/>. Acesso em:20/03/2020.
[3] BRASIL. Portaria nº 125, de 19 de março de 2020. Brasília: Diário Oficial, 2020. Art. 4º. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/portaria-125-fechamento-fronteiras.pdf >. Acesso em, 20/03/2020.
[4] BRASIL, 2020, art. 5º.
[5] BRASIL, 2020, art. 6º.
[6] Podcast dos Blogs Internacionalize-se e Unicuritiba Fala Direito.
[7] BAUMAN, 2009, p. 75.
[8] BRASIL. Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Brasília: Diário Oficial da União, 2020. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm>. Acesso em: 21/03/2020.
[9] CANCLINI, Nestor García. O Mundo Inteiro como Lugar Estranho. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016. p. 65.
[10] VILLELA DIAS, Maria das Graças L. O Sintoma: de Freud a Lacan. Psicologia em Estudo: Maringá, v. 11, n.2 maio/2006.
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21/03/2020

Em pauta: A portaria do coronavírus e a restrição de direitos fundamentais em tempos de pandemia




Com o avanço dos casos de coronavírus pelo Brasil, os ministérios da Justiça e Segurança Pública e da Saúde editaram uma portaria que muda regras e altera condições consolidadas no Direito Brasileiro no que tange direitos individuais. O ato normativo está amparado por lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início de fevereiro (Lei 13.979/2020) e que trata de medidas emergenciais para enfrentamento do Covid-19, vírus já presente em 151 países.
A portaria prevê, por exemplo, que o descumprimento de determinações médicas de quarentena, isolamento ou internação pode incorrer em dois artigos do Código Penal (CP), isso se o fato não constituir crime ainda mais grave.
Os dois crimes previstos pela portaria são os artigos 268 e 330 do CP:
Art. 268 - Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa:
        Pena - detenção, de um mês a um ano, e multa.
        Parágrafo único - A pena é aumentada de um terço, se o agente é funcionário da saúde pública ou exerce a profissão de médico, farmacêutico, dentista ou enfermeiro.
Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
                       Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

As definições de quarentena, isolamento e internação são definidas justamente pela Lei 13.979/2020, norma que já no parágrafo 1º do Art. 1 diz que as medidas “objetivam a proteção da coletividade.”
Segundo a lei, isolamento é a “separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus”. Já quarentena é a “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus.”
A Lei 13.979/2020 determina ainda a realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas e tratamentos médicos específicos.
Aqui destaca-se que a implementação das medidas independe de autorização judicial. “No exercício de polícia administrativa, a autoridade policial pode encaminhar o infrator a sua residência ou ao estabelecimento hospitalar para cumprimento das medidas estabelecidas “, diz o texto.
Mas constitucionalmente, essas medidas são possíveis, mesmo que infrinja direitos individuais?
Professora de Direito Constitucional no UniCuritiba, Edna Torres Felício explica que os direitos fundamentais têm estrutura de princípios e podem colidir entre si. “Quando isso ocorre, é preciso harmonizar os direitos fundamentais no caso concreto. Aqui, vê-se que estão em colisão direitos fundamentais individuais e a proteção da saúde pública, logo interesses individuais podem ceder em detrimento da necessidade de controle da epidemia”, diz.
A conclusão que chegamos é que sim. Diante da necessidade de preservar a coletividade de um vírus potencialmente perigoso, a coletividade pode se sobrepor às necessidades individuais. Logo, o Governo Federal tem tomado medidas que são amparadas pela Constituição, pelo menos até aqui.
Edna Torres lembra que a Constituição Federal prevê medidas ainda mais enérgicas, como o estado de defesa ou de sítio e a intervenção federal. “Eu não acredito que cheguemos a situações extremas de comprometimento da ordem pública ou da paz social, que poderiam ensejar o estado a lançar mão do sistema constitucional de crises. Mas, precisamos ter em mente, que qualquer medida extrema deve respeitar o princípio da temporalidade, com duração apenas enquanto prevalecer o motivo; legalidade, com respeito à Constituição e leis; e proporcionalidade, com o problema sendo enfrentado dentro da proporção aos problemas enfrentados”, conclui.
Confira a íntegra das normativas:
Lei 13.979: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13979.htm
Portaria Interministerial Nº5 2020: in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-interministerial-n-5-de-17-de-marco-de-2020-248410549


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13/03/2020

Podcast Hora do Intervalo: Coronavírus




O Sars-Cov-2 é o mais novo integrante de uma família já conhecida de vírus: os coronavírus. De início, uma preocupação dos chineses - hoje, uma pandemia global.

Não se fala de outra coisa e o Podcast "Hora do Intervalo" organizado pela equipe do Blog Internacionalize-se e do Blog "Unicuritiba Fala Direito" decidiu abordar o tema sob a ótica do Direito e das Relações Internacionais.

Confira, no Spotify do Unicuritiba!

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08/03/2020

Especial: Porque comemoramos hoje o Dia da Mulher?








Oficializado em 1975 pela ONU (Organização das Nações Unidas), o Dia Internacional das Mulheres é comemorado desde o início do século XX e possui raízes históricas, profundas e sérias. Ao contrário de muitas outras datas comemorativas, essa não foi criada pelo comércio, e possui como finalidade conservar, reafirmar e promover conquistas e direitos femininos.

Embora muitas pessoas afirmem que o dia 08 de março foi escolhido para a celebração devido a um incêndio ocorrido nos Estados Unidos nos anos 1911, a pesquisadora Ana González apresenta outra versão dos fatos, desmistificando a data e apresentando a real história por trás da data.

Conforme apontam os estudos, tudo começou com a busca pelo sufrágio universal, a princípio nos Estados Unidos, em 1848 na Convenção de Seneca Falls. No evento, a figura central foi Elizabeth Candy Stanton (auxiliada por Lucreia Mott), que se encarregou não apenas em realizá-la, mas também em redigir uma declaração de princípios e resoluções que foram ali aprovadas. Assim, a Declaração de Seneca Falls se tornou o primeiro documento estadunidense em que mulheres expressaram o repúdio à falsa igualdade em que viviam, exigindo a pela e total liberdade do gênero.

Estamos reunidas para protestar contra uma forma de governo, que existe sem o consentimento dos governados, para declarar o nosso direito de ser livres como o homem, de sermos representadas em um governo que sustentamos com os nossos impostos, para ter leis tão vergonhosas que dão ao homem o poder de castigar e encarcerar sua esposa, para se apossar do salário que ela recebe, das propriedades que herda e, em caso de separação, dos filhos que ama (...) E, por estranho que pareça a muitos, exigimos agora o nosso direito de votar de acordo com a declaração do governo sob o qual vivemos (...) Todos os homens brancos neste país têm os mesmos direitos, independentemente das suas diferenças na mente, no corpo ou de estado. O direito é nosso. A questão agora é como tomaremos posse do que por direito nos pertence. (Elizabeth Cady Stanton)

Todavia, a única resolução não aprovada por unanimidade foi, justamente, aquela em que exigia o direito das mulheres ao voto. Não por acaso, o primeiro lugar na lista das injustiças e usurpação que a declaração atribuía aos homens era ter negado às mulheres “o direito inalienável de votar”. Daí se originava o restante das leis que os homens aprovaram para privar as mulheres de administrar suas propriedades e seus salários, subjugá-las à autoridade dos maridos e tirar-lhes os filhos em caso de divórcio.

Esse pensamento de Stanton se derivou do seu ideal abolicionista, vez que viu, com o fim da Guerra de Secessão (1861-1865), a oportunidade de igualar os direitos na sociedade. Com a libertação dos escravos negros no país norte-americano, surgiu a esperança de que as mulheres, tal como os negros, adquirissem o direito a voto. Porém, ao contrário do que se desejava, apenas os ex-escravos, homens, adquiriram o sufrágio, momento em que o voto feminino se tornou o tema central do movimento pelos direitos da mulher.

Com o passar dos anos, tanto Stanton como outras mulheres deram início a uma série de Associações, que visavam à igualdade entre os gêneros, em especial no que tangia o voto. Mesmo que seguindo por opiniões e métodos distintos, a finalidade de todos era, de modo geral, a mesma: o sufrágio.

Ao mesmo tempo, na Europa, desenvolveu-se um movimento operário apoiado pelos sindicatos e partidos socialistas, que estimulavam o sindicalismo e a participação das atividades políticas desenvolvidas por tais partidos. Dentre as reformas que pretendiam alcançar, estavam: o reconhecimento do direito de voto para todas as mulheres, o acesso à educação, um sistema educativo baseado na coeducação, uma reforma legal que facilitasse a obtenção do divórcio, o reconhecimento do direito das mulheres a limitar o tamanho de sua família como seu direito pessoal mais inerente e, finalmente, a socialização das tarefas domésticas, por meio de serviços como lavanderias, restaurantes populares, creches etc.

Destaca-se, porém, que nem todos os homens da social-democracia alemã viam com bons olhos o desejo de suas companheiras de alcançar a sua emancipação, vez que continuavam acreditando que a mulher era intelectual e socialmente inferior.

As mulheres sempre foram marginalizadas porque os homens de todas as classes e partidos sempre lhes negaram uma existência autônoma. (Simone de Beauvoir)

              Surge, então, outro nome no movimento sufragista (feminista e socialista): Clara Eissner Zetkin (1857-1933). A alemã tinha como intuito, dentre tantas outras coisas, confrontar a noção “tradicional” da mulher como dona de casa, calada e submissa, que ainda dominava a mente de muitos homens e, até mesmo, mulheres.

          Quanto ao Dia Internacional da Mulher, teve sua primeira celebração em 1909 em diferentes dias de fevereiro e março, a depender do país. Nos Estados Unidos, precursor da comemoração, o Partido Socialista Americano designou o último domingo do mês de fevereiro (28/02/1909) como Woman’s Day. Ante ao sucesso da ideia, surgiu a expectativa de que a jornada passasse a ser anual e assim ocorreu; no ano seguinte, 1910, a celebração aconteceu também no último domingo do fevereiro (28/02/1910), contando novamente com o apoio do PSA.

Posteriormente, ainda em 1910, Zetkin propôs uma celebração anual das lutas pelos direitos das mulheres trabalhadores, durante a Segunda Conferência Internacional das Mulheres Socialistas (Copenhague, 26 de agosto de 1910), sem, contudo, fixar uma data específica. Na oportunidade, também foram discutidos temas como o voto feminino universal, a proteção social para mães e filhos e a aprovação de medidas para assegurar relações mais regulares e firmes entre as mulheres socialistas de todos os países.

De acordo com as organizações políticas e sindicais do proletariado, as mulheres socialistas de todas as nacionalidades organizarão em seus respectivos países um dia especial das mulheres, cujo principal objetivo será promover o direito de voto das mulheres. Será necessário debater esta proposição com relação à questão da mulher a partir da perspectiva socialista. Esta comemoração deverá ter um caráter internacional e será necessário prepará-la com muito esmero. (Clara Eissner Zetkin)

Mas, conforme a historiadora Renée Côte, o compromisso deste partido só se deu devido ao temos de que quando as mulheres alcançassem o direito ao voto, votassem em outros partidos que não o PSA. Isso ficou ainda mais evidente após mudanças internas no partido, deixando a pauta das mulheres de lado e, principalmente, afastando o “poder de decisão” delas nas reuniões.

Em 1911, a data escolhida para a celebração na Alemanha foi 19 de março, em memória ao ocorrido no mesmo dia em 1848, quando Guilherme I da Prússia prometeu – e descumpriu –, dentre outras coisas, o sufrágio feminino. No mesmo ano também houve comemoração na Áustria, Dinamarca, Suécia e em outras nações europeias.

Já nos Estados Unidos, ocorreu em 25 de março de 1911 o fato que muitos atribuem como o pontapé do Dia Internacional das Mulheres: o incêndio na fábrica The Triangle Shirtwaist Company, em Nova Iorque. Foram ao menos 146 vítimas fatais, das quais 123 eram mulheres, gerando revoltas principalmente pelo fato de que foram as condições do prédio que impediram o resgate destas pessoas, já que as portas eram trancadas pelos empregadores, o ambiente era superlotado e as saídas de emergência inadequadas. A partir de então, sindicatos e ligas passaram a organizar protestos em busca de melhores condições de trabalho.

Outro grande marco ocorreu em 1917, sendo ainda mais importante naquilo que viria a ser o Dia Internacional das Mulheres. Em 08 de março (calendário gregoriano; pelo calendário soviético a data era 23/02) na URSS ocorreu a primeira manifestação de trabalhadoras por melhores condições de vida e trabalho e contra a entrada do país na Primeira Guerra Mundial.

Os acontecimentos de 23 de fevereiro de 1917 são importantes, não só porque deram origem à revolução e porque foram protagonizados por mulheres, mas também porque, como tudo parece apontar, esses acontecimentos foram os que fizeram que o Dia Internacional da Mulher passasse a ser comemorado, sem mais alterações de data até hoje, no dia 8 de março. (Ana Isabel Álvarez González)

          Com a posse do governo Bolchevista, foram decretadas leis, códigos e reformas proclamando a igualdade de gêneros na, ainda, URSS. Entretanto, tal direito foi novamente posto de lado no país a partir de 1928, com a chegada de Stalin ao poder, junto com a sua política do “pleno emprego”, a qual ignorava os direitos trabalhistas já conquistados, além de dificultar a conciliação entre trabalho remunerado e doméstico.

          Voltando aos Estados Unidos, foi em 1919 que finalmente o sufrágio feminino foi reconhecido, com a adoção da Décima Nova Emenda à Constituição. Todavia, isso só ocorreu para acabar com a contradição estadunidense, que justificava sua entrada na guerra para “estender a democracia a todo o mundo”, enquanto, dentro do próprio país, as mulheres eram privadas de seus direitos.

          Em 1921, foi celebrada a 2ª Conferência Internacional de Mulheres Comunistas, com a participação de 82 delegadas oriundas de 21 países diferentes. Na ocasião, uma delegada búlgara apresentou a proposta para a oficialização do dia 08 de março como o Dia Internacional das Mulheres, em lembrança ao ocorrido anos antes da URSS.

          Com a ebulição da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a data dedicada às mulheres não foi esquecida, embora tenham adquirido um novo caráter. A ideia, a partir de então, era a necessidade de elaborar uma carta de direito das mulheres, repensando seu trabalho como artífices da paz, oportunidade que surgiu com a criação das Nações Unidas, pouco antes do final da guerra.

          Desta forma, nos anos seguintes, o Dia Internacional da Mulher passou a ser uma data para elogiar o trabalho das mulheres ao longo da guerra, além de reconhecer o direito de participar na construção de um “novo mundo de paz”. Inclusive, em 1947, foi instituída nas Nações Unidas a Comissão sobre o Status da Mulher, com a função de promover o reconhecimento e a conscientização dos direitos políticos, econômicos e sociais da população feminina.

          Ao final da década de 1960, com a segunda onda do movimento feminista, o Dia passou a ser uma ocasião para reafirmar, em escala internacional, a consciência feminista das mulheres, acobertando a marca comunista original. Para isso, a própria ONU omitiu a relação da celebração com o comunismo, mostrando a intenção de que o Dia Internacional da Mulher se tornasse uma celebração na qual as reivindicações femininas ficassem integradas, em um marco muito mais amplo.

          Por fim, é importante destacar que associar o 8 de março, única e exclusivamente à flores e chocolates acarreta em um esquecimento do real motivo da existência da data, além de reduzir as mulheres a estereótipos já conhecidos. Nesta data, mais do que presentear, é importante refletir as ações tomadas ao longo de todo o ano, valorizar as mulheres e suas produções, de modo a inseri-las, de fato, no lugar que as é de direito: a sociedade.

Esse dia tem uma importância histórica porque levantou um problema que não foi resolvido até hoje. A desigualdade de gênero permanece até hoje. As condições de trabalho ainda são piores para as mulheres. [...] Já faz mais de cem anos que isso foi levantado e é bom a gente continuar reclamando, porque os problemas persistem. Historicamente, isso é fundamental. (Eva Blay)



Nota: as informações contidas neste texto foram obtidas através da leitura da obra “As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres”, da pesquisadora Ana Isabel Álvarez González.


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03/03/2020

Opinião: devemos tolerar os intolerantes? Há limites à liberdade de expressão?

Por Giovanna Maciel 


Com respaldo pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, acompanhada pelas Constituições de diversos países ao redor do mundo, a liberdade de expressão é um dos direitos fundamentais do homem. Diante disso, cabe a todo ser humano o direito/dever de todos, em especial das autoridades politicas, preservá-la. 


          No Brasil, não é diferente, tendo a Constituição Federal estabelecido ao longo do art. 5º a livre manifestação do pensamento, de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, sendo vedado o anonimato. Além disso, aqui, o exercício deste direito também está diretamente ligado à redemocratização do país, vez que, não há muito tempo, o ato de se expressar livremente era cerceado com violência.

          
Em que pese o presidente Jair Bolsonaro tenha afirmado em abril do ano passado (2019), que a liberdade de expressão é um direito legítimo e inviolável[1] – talvez na tentativa de justificar seus inúmeros comentários odiosos ao longo de sua carreira política –, será que, de fato, esse esta liberdade é absoluta?


Embora se possa amparar em tal direito, há aspectos que exigem, urgentemente, uma melhor definição e condução. Um deles, em alta atualmente – infelizmente não só no Brasil –, é o discurso de ódio, que, por mais lamentável que seja, continua ocupando a agenda das discussões em torno do alcance da proteção da liberdade de expressão.


Basicamente, o discurso de ódio é aquele discurso proferido através de mensagens – escritas e/ou verbais – que buscam a promoção do ódio e incitação à discriminação, hostilidade e violência contra um grupo em virtude de raça, religião, nacionalidade, orientação sexual, gênero, condição física ou outra característica. É utilizado com a finalidade de insultar, perseguir e justificar a privação de direitos humanos alheios e, em casos extremos, para dar razão a homicídios e genocídios. Assim, é dirigido a um grupo de pessoas, de forma que as mensagens de desprezo, aversão e hostilidade extrema não configuram dano a apenas uma pessoa específica, mas a uma coletividade inteira, cujas características são comuns entre eles.


          Não faltam exemplos, seja no cenário global ou nacional, destes discursos, que vem se agravando substancialmente, seja pelo teor, quanto pelo impacto em diversas searas. Só no último ano, podemos citar a condenação de um “humorista” por injúria a uma deputada, os inúmeros discursos de autoridades governamentais – não falando apenas sobre o presidente –, as ofensas proferidas a uma ativista após seu discurso na ONU e, mais recentemente, os casos de racismo explícito em um jogo de futebol em Portugal, e de um motorista de aplicativo em Curitiba.

          
Percebam que sequer é necessário mencionar nomes para saber do que cada um dos casos de trata. Isso porque a ampliação em progressão geométrica do acesso à internet e às mídias sociais, a facilidade de veicular essas manifestações discriminatórias, tem servido não apenas como meio de divulgação desses discursos, mas também como uma forma ainda maior de segregação e violência, sem limites quantitativos e territoriais.


          Nesse cenário, é compreensível a preocupação com os limites da liberdade de expressão não só na esfera política, mas também judiciária, que tenta entender e definir, até certo ponto, quais manifestações podem ou não ser assim enquadradas e reprimidas.  É precisamente aqui que as diferenças entre os diversos ordenamentos jurídicos assumem particular importância, em especial quanto à assim chamada posição preferencial da liberdade de expressão. 


          Na Alemanha, por exemplo, aqueles discursos que negam os crimes de guerra e genocídio, por si só, são interditados e criminalizados, a fim de se evitar o retorno dos preceitos neonazistas. Por outro lado, nos Estados Unidos, entende-se pela proibição da limitação da liberdade de expressão, a chamada “free speech”. Então, discursos similares aos acima mencionados, são plenamente lícitos, ainda que em confronto às outras liberdades humanas.


          Enquanto isso, no Brasil, não há lei específica sobre o tema, levantando-se cada vez mais polêmicas acerca de determinados discursos, sejam de pessoas públicas ou não, fazendo com que cada Juiz, Desembargador e Ministro, possa ter um posicionamento diferente, favorecendo um ou outro direito de acordo com interesses pessoais.


          Outra discussão que não se pode deixar de mencionar é o “paradoxo da tolerância”, levantado, a priori, por Karl Popper (1945) e, posteriormente, por John Rawls (1971). Enquanto o primeiro concluiu que devemos reivindicar o direito de não tolerar os intolerantes – em nome da tolerância; o segundo afirma que a sociedade deve tolerar, inclusive, os intolerantes – salvaguardada a autopreservação.


          Assim, para Popper em “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”:



Tolerância ilimitada culminará no desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até para aqueles que são intolerantes […], então os tolerantes serão destruídos, e junto com eles a tolerância.

Nessa formulação eu não sugiro que devemos sempre suprimir os discursos de filosofias intolerantes; desde que seja possível contrariá-los através da argumentação lógica e desde que a opinião pública os mantenha quietos, suprimi-los seria imprudente.

Porém, devemos reivindicar o direito de suprimi-los até pela força, se necessário; pois é provável que eles não estejam preparados para encontrar nosso nível de argumento racional, e podem começar a rejeitar qualquer tipo de argumento.

Ele podem proibir seus seguidores de ouvirem argumentos racionais, e ensiná-los a responderem argumentos com seus punhos ou pistolas. Nós devemos portanto reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes.



          Ao passo em que Rawls (em “A Teoria da Justiça”) não é tão peremptório...

         

Ao passo que uma seita intolerante não possui pretexto para reclamar de intolerância, a sua liberdade deve ser restringida em relação aos tolerantes, somente quando estes últimos creem que a sua própria segurança e as instituições que preservam a liberdade, estão em perigo.



Todavia, em que pese discussões filosóficas e até mesmo políticas sobre o tema, não é possível se chegar, a princípio, em critério prático para se estabelecer quando um discurso intolerante passa de um mero exotismo se convertendo em uma ameaça à democracia.


Assim, sem parâmetros objetivos, cada indivíduo se torna responsável por suas convicções. Há de se mencionar, porém, que não obstante a importância das liberdades pessoais, em especial a de expressão, não se pode deixar de observar também o direito dos demais, de serem respeitados e tratados com dignidade – princípio máximo dos Direitos Humanos.
          
Diante disso, tem-se que o limite da liberdade de expressão está em não ultrapassar os direitos fundamentais de outros indivíduos. Ou seja, a incitação de atos violentos, discriminação e preconceito ferem não só a Constituição, mas o direito inerente a todos os seres humanos, de ser respeitado com suas particularidades. Assim, quando a liberdade de expressão de um, fere a liberdade de outro, torna-se opres


[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/04/liberdade-de-expressao-e-direito-inviolavel-diz-bolsonaro-apos-caso-de-censura.shtml

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