30/03/2021

Toga News - Notícias de 22/03 a 28/03

Por Nicoly Schuster

STF decide pela suspeição do ex-juiz Sérgio Moro

No dia 23 deste mês, por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus (HC 164493) reconhecendo a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro para julgar o ex-presidente Lula no caso do triplex em Guarujá. Os ministros votaram da seguinte forma: o relator, ministro Edson Fachin, votou pela não concessão do HC; o ministro Kassio Nunes também votou no sentido de não conceder o remédio constitucional; e votaram a favor os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e a ministra Cármen Lúcia.

Em seu voto, Fachin sustentou que a suspeição havia sido apreciada pela Corte em processos já acobertados pelo trânsito em julgado (nos ARE 1.100658, 1.097.078 e 1.096.639). Além disso, o ministro afirmou que a exordial do HC apresentou três fatos novos para embasar o pedido do paciente, assim, não seria possível conhecer a impetração, pois isso significaria a supressão de instâncias. Ainda, para ele, a medida não seria a via processual adequada para discutir a questão, tendo em vista que não permite o contraditório e não possibilita a produção de provas necessárias para averiguar a suspeição.

O voto decisivo foi o da ministra Cármen Lúcia, que anteriormente havia acompanhado o voto do relator. Revisando seu entendimento, a ministra votou pela concessão do remédio constitucional. Segundo ela, no início do processo acompanhou o voto de Fachin pois não existiam provas suficientes para confirmar a suspeição, mas, no trâmite da ação, surgiram elementos probatórios aptos a demonstrar a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro.   

 

Falando em suspeição…

No dia 26 de março, o juiz titular da 1ª Vara Federal de Maringá se declarou suspeito para julgar ação que pedia a declaração de inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei 14125 de 2021, que determina que o particular que importar vacinas deve doá-las ao SUS. O magistrado é idoso e alegou que, por fazer parte do grupo prioritário, teria interesse na manutenção da lei, pois ela favorece a vacinação das pessoas que se enquadram no grupo de risco.

 

Presidente da República é condenado a pagar danos morais à jornalista

Foi disponibilizada na última sexta-feira (dia 26) a sentença que condenou o  presidente Jair Bolsonaro a pagar indenização por danos morais à jornalista Patrícia Toledo de Campos Mello, do Folha de São Paulo. A repórter havia publicado uma reportagem retratando que uma empresa de marketing cadastrava chips de telefone utilizando-se de nome e CPF de pessoas idosas, com o fito de disparar múltiplas mensagens em favor do então candidato à presidência, Jair Bolsonaro.

Em um de seus discursos a apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente da república afirmou, referindo-se à Patrícia: "Ela queria um furo. Ela queria dar o furo [risos gerais] a qualquer preço contra mim”. Além disso, o presidente publicou o vídeo no qual proferiu tais palavras em sua conta pessoal no Facebook, o qual teve várias curtidas e inúmeros compartilhamentos. Em sua defesa, o presidente Jair Bolsonaro alegou ilegitimidade passiva e pois apenas teria reproduzido uma fala de Hans River do Rio Nascimento, que afirmou perante a CPMI das fake news que a jornalista trocava matérias por relações sexuais.

A juíza do caso entendeu que no depoimento de Hans River não houve menção à palavra “furo”, então o argumento de que o presidente apenas teria reproduzido o discurso não mereceria prosperar. A magistrada ainda apontou que foram apresentados dois sentidos para a palavra “furo” na fala de Jair Bolsonaro: na primeira parte da frase, a palavra teve o sentido de notícia, conforme jargão utilizado pela imprensa, enquanto na parte final, o conteúdo claramente teve conotação sexual, com o objetivo de ofender a imagem da profissional.

A julgadora levou em conta a grande repercussão do comentário, tendo em vista que partiu da maior autoridade política do país, e a profissão da ofendida, de modo que a fala tem o condão de repercutir inclusive internacionalmente. Esses elementos levaram a juíza da 19ª Vara Cível de São Paulo a afirmar que a honra da repórter foi ofendida, o que gera o dever de indenizar. O presidente da república foi condenado, então, ao pagamento de 20 mil reais a título de indenização por danos morais, além das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10%.    

 

Separação de fato e nepotismo

Em 25 de março, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu, por maioria de votos, que, uma vez comprovada a separação de fato, não há nepotismo na indicação de advogados para a lista tríplice que determina a ocupação de uma das vagas nos Tribunais Regionais Eleitorais. O caso é o de uma advogada casada civilmente com um desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, que foi selecionada para compor a lista tríplice para concorrer à vaga de juiz efetivo do TRE daquele estado. Como a lista é formada pelo voto dos desembargadores do Tribunal de Justiça do estado, cogitou-se a hipótese de nepotismo entre o casal. 

O ministro Luís Felipe Salomão aplicou ao caso a regra civilista que admite que a separação por razoável lapso temporal configura a ruptura da sociedade conjugal. Segundo ele, a norma que veda o nepotismo (Súmula Vinculante nº 13, do STF) tem como objetivo assegurar a impessoalidade visando a evitar favoritismos arbitrários. Assim, com a comprovação da separação de fato entre o desembargador e a advogada, resta afastada a necessidade de incidência da norma.

Restou vencido o voto do ministro Luiz Edson Fachin, para quem a Súmula Vinculante nº 13 não apresenta qualquer exceção para a hipótese ventilada no caso, de modo que se existe vínculo matrimonial, a proibição do verbete deveria incidir no caso.

 

Proposta ADPF contra a Lei de Segurança Nacional

Nos dias 24 e 25 de março, após polêmicas envolvendo a da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170 de 1983), partidos propuseram Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) contra a norma. Foram movidas duas ações, uma pelo PSDB (ADPF 815), com pedido cautelar para a suspensão da eficácia da lei, e outra pelos partidos PT, Psol e PCdoB (ADPF 816).

Além dessas, existem outras duas arguições, as ADPF 797 (cuja autoria é do PTB) e 799 (movida pelo PSB), questionando a mesma lei, ambas sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.

A referida lei tem sido utilizada para embasar abertura investigações contra pessoas que manifestam-se contrárias ao presidente Jair Bolsonaro. Um dos casos envolveu a instauração de inquérito pela polícia civil do Rio de Janeiro, a pedido do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), contra o youtuber Felipe Neto. O vereador alegou que o produtor de conteúdo teria ferido a honra do presidente Jair Bolsonaro ao chamá-lo de “genocida” em sua rede social. A investigação foi suspensa com a concessão de um HC impetrado por Felipe Neto.

Outro caso foi o do sociólogo de Tocantins que espalhou outdoors pela cidade de Palmas com as seguintes frases: “Cabra à toa não vale um pequi roído. Palmas quer impeachment já!” e "Aí mente! Vaza, Bolsonaro, o Tocantins quer paz". A abertura do inquérito foi determinada pelo ministro da Justiça, André Mendonça.  

 

Medidas de combate à Covid-19 em estabelecimentos prisionais são referendadas pelo CNJ 

Na terça-feira (23/03), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referendou as medidas estabelecidas na Resolução 91/2021 para a prevenção à Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo. O documento indica aos magistrados que realizem audiências ou outros atos processuais por videoconferência e que substituam, sempre que possível, a pena de privação de liberdade por prisão domiciliar, em caso de gestantes, mães, pais e responsáveis por crianças ou pessoas deficientes.

Especificamente para o sistema prisional, a resolução sugere que as penas restritivas de liberdade de pessoas indígenas sejam substituídas por prisão domiciliar ou por regime de semiliberdade. Além disso, dispõe que o controle das prisões deve ser realizado, por meio das audiências de custódia, em todas as modalidades de prisões, nos termos da decisão do STF na Reclamação 29303. 

Em relação ao sistema socioeducativo, a normativa recomenda que seja cumprido o estabelecido no julgamento, pelo STF, do Habeas Corpus 143.988/ES, que definiu parâmetros para evitar a superlotação dos estabelecimentos. Ademais, sugere que se respeitem as previsões da Recomendação Conjunta nº 1 de 2020, que estabelece diversas medidas para reduzir a população e a circulação de pessoas nos estabelecimentos socioeducativos. Estabeleceu-se, ainda, que deve ser assegurado o convívio familiar, em horários alternativos ou mediante tecnologias de áudio e vídeo.   

 

REFERÊNCIAS

2ª TURMA reconhece parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro na condenação de Lula no caso Triplex. Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462854&ori=1>.  Acesso em: 23 de março de 2021. 

JUIZ idoso se declara suspeito em ação sobre doação de vacinas ao SUS. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-27/juiz-idoso-declara-suspeito-acao-doacao-vacinas-sus?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em: 20 de março de 2021. 

BOLSONARO é condenado a indenizar jornalista da Folha de S. Paulo. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-27/bolsonaro-condenado-pagar-indenizacao-20-mil-jornalista>. Acesso em: 28 de março de 2021.

“SEPARAÇÃO de fato" de advogada casada com desembargador não gera nepotismo. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2021-mar-25/tse-afasta-nepotismo-separacao-fato-advogada-indicada-tre?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. Acesso em 27 de março de 2021. 

MINISTRO da Justiça pede investigação de sociólogo por outdoor crítico a Bolsonaro. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/ministro-investigacao-sociologo-outdoors-bolsonaro>. Acesso em 27 de março de 2020.

JUSTIÇA do Rio suspende inquérito da Polícia Civil que investigava Felipe Neto. Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2021/03/19/justica-do-rio-suspende-inquerito-da-policia-civil-que-investigava-felipe-neto.ghtml>. Acesso em 27 de março de 2021.  

PSDB pede cautelar ao Supremo para derrubar LSN. Disponível em:  <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/03/22/psdb-pede-cautelar-ao-supremo-para-derrubar-lsn.htm>. Acesso em: 24 de março de 2021.

CNJ emite nova recomendação de enfrentamento à Covid-19 em prisões e no socioeducativo. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/cnj-emite-nova-recomendacao-de-enfrentamento-a-covid-19-em-prisoes-e-no-socioeducativo/>. Acesso em 27 de março de 2020.

PLENÁRIO do CNJ referenda medidas de prevenção à Covid-19 em prisões. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-mar-24/plenario-cnj-referenda-medidas-prevencao-covid-prisoes>. Acesso em 27 de março de 2021.

Continue lendo ››

27/03/2021

Em pauta: O encarceramento feminino no Brasil

Por Rafaella Pacheco.


“Nunca se esqueça que basta uma crise política,
econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres
sejam questionados. Esses direitos não são permanentes.
Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.”
[Simone Beauvoir]
 

           Certa vez, passando pela frente de um sebo, o livro Prisioneiras de Drauzio Varella me chamou até ele. Levei essa conversa para casa, pois havia recentemente lido Quarto de Despejo: diário de uma favelada de Carolina Maria de Jesus, e a temática sobre as condições de vidas femininas no Brasil foi cada vez mais crescente em meu repertório.

           Carolina, na década de 1950, compartilhou em sua obra seus relatos como mulher, negra, catadora de papel, da favela e as situações que viveu, enfrentou, bem como, suas indagações e reflexões diante do difícil cenário político, econômico e opressor que vivera. Por meio de uma identidade literária única e íntima, em seu diário cultivado por anos a fio na esperança de ser publicado um dia, nós temos o retrato de uma mulher que continuamente afirmava viver num cômodo da cidade destinado aos dejetos, o quarto de despejo da sociedade paulistana: a favela.

            Já em Prisioneiras de Varella não encontramos mais um cômodo, em que o que não se quer ver é fechado num quarto (que poderíamos situar geograficamente naquele quartinho minúsculo que está para além da área de serviço) e que é aberto com o raiar do sol para a manutenção dos demais cômodos da casa. A obra de Drauzio nos apresenta o que está trancado para o lado de fora, à margem e inacessível a casa: a penitenciária feminina. E aqui, determinamos em específico as penitenciárias femininas pois , como o médico e escritor bem pontuou em sua experiência enquanto observador da realidade daquele espaço, as mulheres praticamente não recebem visitas. Logo, aqueles que residem na casa, mesmo que no quarto de despejo, não levam um pedaço do lar para as mulheres em cárcere. O afeto não chega até elas, elas são esquecidas e rejeitadas. Já em penitenciárias masculinas o dia de visitas é contemplado por filas enormes de mulheres ansiosas para ver seus filhos e esposos.

          Neste mês de março o documentário Flores do Cárcere dirigido pela cineasta Barbara Cunha foi lançado na plataforma digital Now. E, assim como em Prisioneiras, denuncia a realidade por trás das grades das penitenciárias femininas. Cenas de precarização da vida da mulher em cárcere são apresentadas através dos relatos das experiências vividas pelas ex-detentas. O documentário além de retratar o interior do cárcere, também apresenta as dificuldades vividas na reinserção social pós privação da liberdade. E o que vemos é o peso da desigualdade de gênero quando se trata do acolhimento dessas mulheres durante o cumprimento de pena e depois dele.

        Conforme a segunda edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres, de 2018, dos doze países com maior população prisional feminina do mundo, o Brasil ocupava o quarto lugar com 42.355 mulheres privadas de liberdade, atrás apenas dos Estados Unidos, Rússia e China. O estado de São Paulo possui a maior concentração de mulheres privadas de liberdade (15.104), seguido de Minas Gerais (3.279) e Paraná (3.251).

Foi analisada também a evolução da taxa de aprisionamento feminino num lapso de tempo de 16 anos, referente a 2000 a 2016. Enquanto os Estados Unidos havia aumentado sua população prisional feminina em 18%, o Brasil, neste mesmo período havia aumentado 455%. Além disso, observou-se que a maior parte dos estabelecimentos penais são projetados para o público masculino. Dos 1449 existentes apenas 7% dos estabelecimentos penais são destinadas ao público feminino e 16% caracterizam-se enquanto mistos pois possuem alas/celas específicas para o cumprimento de penas privativas de liberdade de mulheres.

Avaliou-se a média de visitas sociais por pessoa privada de liberdade durante o primeiro semestre de 2016, e foi constatado que um homem em regime fechado recebe em média 7,8 visitas ao longo do semestre, enquanto em estabelecimentos femininos e mistos uma mulher privada de liberdade recebe em média 5,9. Nos estados do Amazonas, Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte a taxa de visitação para homens é cinco vezes maior que para mulheres.

É precária também a realidade das gestantes e lactantes em cárcere, sendo que apenas 55 unidades penais de todo o país declararam possuir cela ou dormitório para gestantes. E para em relação ao acompanhamento de seus filhos ao longo da amamentação durante o cumprimento de suas penas, apenas 14% das unidades femininas ou mistas possuem berçário ou centro de referência materno-infantil (para crianças de até 2 anos) e apenas 3% das unidades prisionais possuem creche para crianças acima de 2 anos.

Identificou-se nesta pesquisa sobre a população prisional feminina que 50% é composta por jovens de até 29 anos e 45% não concluíram o ensino fundamental e 17% não terminaram o ensino médio. Além disso, destaca-se o racismo estrutural presente no encarceramento feminino ao observarmos o fato de que 62% das mulheres privadas de liberdade no Brasil são negras e 37% brancas.

 

Ao examinar a conjunção social da maioria das mulheres latinas, percebe-se que elas estão imersas no constante agravamento da crise econômica e social que os seus países enfrentam. As dificuldades que sofrem, como mães solteiras, sozinhas, sem escolaridade e emprego formal, acarretam saídas que, por vezes, se revelam únicas, como o tráfico de drogas. Adentrando-se nessa realidade, vê-se ainda que a sociedade patriarcal estabelece uma hierarquia, cujo lugar de ocupação feminino está em posições mais baixas que as dos homens. Inclusive, por esses motivos, ficam mais expostas ao flagrante, sendo seus papéis, conforme exposto anteriormente, secundários ou subordinados, conhecidos como “vapor” ou “bucha”. (REZENDE; OSÓRIO, 2020, p. 13)

Corroborando com a pesquisa de Rezende e Osório sobre o encarceramento feminino, o INFOPED Mulheres apresentou os dados de distribuição de crimes tentados/consumados por tipo penal que levaram ao cárcere mães e esposas, constatando que a massiva maioria foi detida por envolvimento com o tráfico, flagranteadas enquanto “vapor” ou “bucha”, ou seja, enquanto cúmplices.


           Rezende e Osório também destacaram que grande parte dessas mulheres privadas de liberdade entraram para o tráfico devido seus envolvimentos com traficantes. Tal relacionamento implica em fidelidade e subordinação, sendo o dever delas proteger e manterem o vínculo estabelecido.


Esse envolvimento é conhecido popularmente como “amor bandido”, que é uma das razões para o encarceramento feminino por drogas. Um dos reflexos desse amor é percebido, ao analisar a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na qual há um considerável número de mulheres condenadas que tenta adentrar presídios masculinos com drogas. (REZENDO; OSÓRIO, 2020, p. 13)

Na obra Prisioneiras, Drauzio percebeu com pesar essa realidade e em vários relatos das detentas. A presença de uma figura masculina em suas vidas que as inseriu nas drogas e no tráfico é um contexto recorrente que ecoa das celas. Para Varella os efeitos e desdobramentos do tráfico de drogas na sociedade e precisamente sobre inchaço populacional nos presídios são questões de saúde pública e não propriamente de segurança pública.

     Mencionamos no Toga News desta semana sobre a cultura do encarceramento feminino e a necessidade de se combater o punitivismo e a misoginia que ainda permeia nossa jurisprudência afetando consideravelmente o agravamento populacional no sistema carcerário, bem como, promovendo a manutenção das desigualdades de gênero e social enfrentadas pelas famílias das camadas mais vulneráveis da sociedade.

          Destacamos novamente a pesquisa realizada pela Defensoria do Estado do Rio de Janeiro, entre 2019 e 2020, de nome “Mulheres nas audiências de custódia no Rio de Janeiro”. Apresentando dados alarmantes a respeito da quantidade de mulheres que poderiam estar em liberdade provisória, mas permanecem em privação de liberdade por determinação do juiz. Em cada quatro mulheres presas em flagrante no estado do Rio de Janeiro ao menos uma preenche todos os critérios para responder em liberdade, e estes são ignorados. Os dados foram apresentados no início deste mês de março no evento "Encarceramento feminino em perspectiva: 10 anos das regras de Bangkok" (clique aqui para assistir ao evento).

         Em vista disso, reforçamos as palavras de Beauvoir citadas no início do texto, uma vez que ser mulher na sociedade em que vivemos por si só é uma luta diária. E as mulheres que possuem o direito de liberdade ceifado pelo sistema jurisdicional para o cumprimento de suas penas, estas se encontram em maior risco. O cárcere em nosso país não contribui em nada para o reajuste e reinserção de um indivíduo na sociedade, o retrato de nossos presídios são do cumprimento de pena enquanto punitivismo, tortura e vingança. Quando o único direito do qual a pessoa em conflito com a lei deveria ter falta é a de liberdade, os demais direitos fundamentais, principalmente a dignidade humana, não deveriam por hipótese alguma ser violados pelo Estado.  

 

REFERÊNCIAS:

AZENHA, Manuela. Como a Covid-19 tem ecoado nas penitenciárias femininas no estado de SP. São Paulo: Editora Globo, Rev. Marie Claire, 19 mai. 2020. Disponível em: <https://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2020/05/como-covid-19-tem-ecoado-nas-penitenciarias-femininas-no-estado-de-sp.html>. Acesso em: 18.03.2021.

DOCUMENTÁRIO “Flores do Cárcere” aborda o encarceramento feminino com histórias reais. Rio de Janeiro: EBC Radios, 2021. Disponível em: <https://radios.ebc.com.br/arte-clube/2021/03/documentario-flores-do-carcere-aborda-o-encarceramento-feminino-com-historias>. Acesso em 21.03.2020.

ITO, Carol. A pandemia nas prisões femininas. São Paulo: Revista Trip, 07 mai. 2020. Acesso em: < https://revistatrip.uol.com.br/tpm/a-pandemia-nas-prisoes-femininas>. Acesso em: 18.03.2021.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: Diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014.

REZENDE, G. A. de; OSÓRIO, F. C. Encarceramento feminino: da (in)visibilidade à garantia de direitos. Rio Grande do Sul: PUCRS, 2020. Disponível em: <https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2020/08/giullia_rezende.pdf>. Acesso em: 21.03.2020.

SANTOS, Thandara (Org.). Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2018. Disponível em: <https://www.conectas.org/wp/wp-content/uploads/2018/05/infopenmulheres_arte_07-03-18-1.pdf>. Acesso em: 22.03.2021.

VARELLA, Dráuzio. Prisioneiras. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

 

 

Continue lendo ››

25/03/2021

UNICURITIBA ANIMAL: Direito Animal

 

DE PAULA, LUCIMAR

(Professora do UNICURITIBA e coordenadora do Grupo de Pesquisa)

DE MIRANDA, MARIANA VITORINO

(Acadêmica de Direito e integrante do Grupo de Pesquisa)

            É com a Constituição de 1988 que o Direito Animal surge no Brasil como um ramo autônomo do Direito. Não obstante, o Decreto n.º 24.645, de 10 de julho de 1934, editado por Getúlio Vargas, enquanto vigia a primeira Constituição Republicana, de 1891, enumerava os atos de maus tratos e as penalidades previstas. O constituinte de 1988 ao incumbir ao Poder Público o dever de proteger os animais contra a crueldade, acaba por definir o objeto de estudo do Direito Animal, isto é, os direitos fundamentais dos animais, bem como o princípio informador do novo ramo do direito, o princípio da dignidade animal.

            No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais de 1978 faz conhecer os direitos animais. Essa declaração não possui força normativa, porém serve de parâmetro para o legislador e julgador na tomada de decisões. Importante destacar os direitos animais previstos nesse documento:

 

“Art. 1º - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Art. 2º - 1. Todo o animal tem o direito a ser respeitado. 2. O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais. 3. Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Art. 3º - 1. Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2. Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não lhe provocar angústia.

Art. 4º - 1. Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir. 2. toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Art. 5º - 1. Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie. 2. Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Art. 6º - 1. Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural. 2. O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Art. 7º - Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Art. 8º - 1. A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação. 2. As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Art. 9º - Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Art. 10º - 1. Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem. 2. As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Art. 11º - Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.

Art. 12º - 1. Todo o ato que implique a morte de um grande número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie. 2. A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Art. 13º - 1. O animal morto deve de ser tratado com respeito. 2. As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Art. 14º - 1. Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar presentados a nível governamental. 2. Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.”

        A Declaração de Cambridge é outro valioso documento, produzido por um grupo internacional de neurocientistas, neurofarmacologistas, neurofisiologistas, neuroanatomistas e neurocientistas computacionais cognitivos, que declararam:


“A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos".

          Em outras palavras a senciência animal demonstra que os animais são seres conscientes e capazes de experimentar sentimentos iguais aos dos humanos. Tal capacidade corrobora com a necessidade de se defender a existência digna dos animais.

        A Lei n.º 9.605/98 torna a conduta de crueldade animal, um ato antijurídico, culpável e tipificado e dispõe sobre as sanções penais e administrativas.

        A forte pressão popular decorrente do crime bárbaro cometido contra um cão chamado Sansão, resultou em 29 de setembro de 2020, na Lei 14.064/20, mais conhecida como a Lei Sansão. Essa lei aumentou as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato, que será de reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, multa e proibição da guarda.

        Apesar de ser uma grande conquista para o Direito Animal, ainda há o que se criticar, pois é uma lei especista, uma vez que dá tratamento diferenciado aos animais. Afinal, não só os animais domésticos experimentam o sofrimento, não é mesmo?

        O Código de Direito e Bem-estar animal do Estado da Paraíba, Lei Estadual n° 11.140/2018, merece grande destaque, pois foi a primeira lei brasileira a catalogar expressamente os direitos fundamentais animais para todos os animais vertebrados e invertebrados e não somente para cães e gatos.

        Aguarda-se novas proposições legislativas animalistas para que se faça valer a Constituição do Brasil no que se refere a proteção animal.

        No próximo dia 26 de março, o STF decidirá se a Constituição do Brasil proíbe ou permite a prática cruel de alimentar a força, duas a três vezes por dia, patos e gansos, usando um cano inserido na garganta. Tal prática faz com que o fígado do animal inche e aumente em até 50% seu nível de gordura. Com o fígado hiperdesenvolvido é preparado um patê, mais conhecido como “foie gras”. Espera-se que o STF decida pela proibição do “foie gras”.


Do Grupo de Pesquisa em Direito Animal: UNICURITIBA ANIMAL

O grupo de Pesquisa em Direito Animal do UNICURITIBA iniciou os seus trabalhos em meados de fevereiro de 2020. Tem encontros regulares com temas animalistas, com o objetivo de fomentar a produção de material científico para contribuir com a comunidade jurídica e dar maior visibilidade ao tema. Anualmente realizamos o Simpósio de Direito Animal, sempre no mês de outubro, quando comemoramos o dia internacional dos animais. Nesse ano faremos o III Simpósio de Direito Animal. Por fim, vale enfatizar que os integrantes do grupo de pesquisa são convidados a experimentar o ativismo animal seja pela judicialização do direito animal, pela elaboração de anteprojetos de lei animalistas, pelos resgates de animais em situação de rua para uma adoção responsável e apoio às famílias de baixa renda no cuidado com os seus familiares não humanos.

Continue lendo ››

22/03/2021

Toga News - Notícias de 15/03 a 21/03

Por Rafaella Pacheco.

Mais uma denúncia internacional ao governo Bolsonaro

            Na segunda-feira, dia 15 de março, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), em parceria com a Conectas Direitos Humanos, fez um discurso denunciando a conduta de profundo descaso, a atuação irresponsável e em constante desacordo a bases científicas do Presidente Jair Bolsonaro em relação ao enfrentamento à crise sanitária da COVID-19. A denúncia foi realizada ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.


A situação do Brasil é desesperadora. A covid-19 está causando um enorme impacto em perdas de vidas e dificuldades econômicas. A doença atingiu desproporcionalmente a população negra e mais pobre, as comunidades indígenas e tradicionais [...] É por isso que estamos aqui, hoje, para chamar a atenção deste Conselho e apontar a responsabilidade do presidente Bolsonaro em promover, por palavras e atos, uma devastadora tragédia humanitária, social e econômica no Brasil.” (Maria Hermínia Tavares de Almeida da Comissão Arns)

            Esta é a quarta vez que o Chefe do Executivo foi denunciado internacionalmente desde 2019. A primeira denúncia realizada no Tribunal Penal Internacional referia-se a crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas. Em março de 2020, na 43ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, o porta-voz dos ianomâmis, Davi Kopenawa denunciou os atos de Bolsonaro em relação à violações de direitos de povos tradicionais isolados. E em julho do mesmo ano, foi realizada uma denúncia pela liderança da Rede Sindical UniSaúde ao Tribunal de Haia em relação a má gestão de nosso Chefe de Estado no enfrentamento e contenção da pandemia no Brasil.

 

Cultura do encarceramento feminino

            Entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 foi realizada uma pesquisa pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sobre “Mulheres nas audiências de custódia no Rio de Janeiro”. Constatou-se que 25% das mulheres detidas em flagrante cumprem os requisitos legais para serem colocadas em liberdade provisória nas audiências de custódia, porém são mantidas em prisão preventiva. E 533 mulheres entrevistadas para este relatório preenchiam os critérios objetivos para prisão domiciliar, que foram ignorados. Ainda, foi relatado por 17,5% casos de violência no momento da prisão em flagrante. Elas descreveram que quando presas sofreram “tapas, golpes no ombro, enforcamento, empurrões e chutes, e outros”.

Os dados e o relatório foram apresentados nos dias 11 e 12 de março deste ano, durante o evento virtual "Encarceramento feminino em perspectiva: 10 anos das regras de Bangkok", da Defensoria Pública. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro respondeu ao estudo apresentado informando que há mais requisitos a serem considerados para a manutenção da prisão ou soltura de uma custodiada, dentre eles “a gravidez ou a guarda de filho menor de 12 anos, devem ser aferidos requisitos de adequação da medida à gravidade do fato, além da periculosidade na concessão de prisão domiciliar”.

Neste mês, devido ao Dia Internacional da Mulher, a Defensoria Pública do Espírito Santo também apresentou um relatório que acompanhou as unidades prisionais femininas a fim de analisar as condições das 583 presas condenadas do Estado. E foi constatado um aumento de 42% na população carcerária feminina entre 2008 e 2018, que segue crescendo mesmo em meio a pandemia. O perfil dessas mulheres é de mães jovens, responsáveis pela provisão do sustento da família, vindas das camadas mais economicamente vulneráveis da sociedade e de baixa escolaridade. O estudo ainda destacou que os efeitos do encarceramento feminino são mais gravosos que o masculino.

Há um estigma moral enfrentado pelas mulheres encarceradas que diverge da forma como o homem encarcerado é recebido socialmente. Elas não recebem o perdão e acolhimento social e familiar que detentos homens recebem (em grande parte de suas mães e esposas, ou seja, de outras mulheres). E, com isso, afeta-se os direitos relativos à dignidade dessas mulheres, por meio da restrição ao convívio familiar, precarização da estrutura familiar e rompimento afetivo, dentre outros.

 

Estratégias de enfrentamento à violência de gênero por parte do CNJ

Na terça-feira do dia 16 de março, a Agência CNJ de notícias anunciou que o Conselho Nacional de Justiça dará início a um Grupo de Trabalho para a elaboração de um Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. A coordenadora do grupo de trabalho é a conselheira Ivana Farina, que informou ser o objetivo do GT “criar um guia para que o julgamento de casos concretos seja feito sob a lente de gênero e assim avance nas políticas de equidade” de modo que possa capacitar e orientar os magistrados na realização dos julgamentos.

A conselheira destacou que o Brasil adotou ao “Modelo de protocolo latino-americano de investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero (feminicídio)” desde 2016, mas ainda assim o crescimento contínuo da violência de gênero demanda mais atenção, debate e combate. E, desta forma, Farina compreende a necessidade de “uma mudança cultural que faça a Justiça brasileira avançar nessas questões e romper com desigualdades históricas a que mulheres foram submetidas”.

 

Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas

Na terça-feira do dia 16, o Ministro Luís Roberto Barroso homologou parcialmente o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas do governo federal na ADPF 709. Três pontos principais foram observados nesta decisão: o isolamento de invasores; a vacinação; e a autodeclaração enquanto reconhecimento de povos indígenas.

Em relação a proposta de isolamento de invasores de terras indígenas o Ministro não a homologou, determinando que um novo plano fosse apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública em conjunto a Polícia Federal.

Quanto a saúde dos povos indígenas frente a pandemia, Barroso entendeu que, estando em condições de igualdade com demais povos indígenas, é prioridade a vacinação dos povos indígenas de terras não homologadas e urbanos sem acesso ao SUS.

Por fim, o Ministro suspendeu a validade da Resolução 4/2021 da Funai que estabelecia critérios de heteroidentificação dos povos indígenas. Nela entendia-se como principal critério de reconhecimento o vínculo com o território ocupado ou habitado pelo indígena, pontuando ainda que os lastros deveriam ser determinados por critérios técnicos/científicos (estes não especificados pela resolução). Barroso ressaltou que o critério basilar para a identificação dos povos indígenas é a autodeclaração.

 

Assegurada a reserva para o cinema nacional e programas de rádio locais

Por 10 votos a 01, na quarta-feira do dia 17 de março, o Plenário do STF declarou a constitucionalidade da obrigatoriedade em se exibir filmes nacionais nos cinemas e em se transmitir programas culturais, artísticos e jornalísticos locais em rádios. Em relatoria da RE 627.432, o ministro Dias Toffoli salientou a hegemonia do mercado cinematográfico por grupos empresariais estrangeiros que dificultam a veiculação de outras obras em cinemas e plataformas de mainstream. Neste âmbito, o ministro reforça a importância da observância da justiça social ao se pensar a livre iniciativa e o direito de propriedade. Para Toffoli a “"cota de tela" é uma medida que respeita esse princípio, aumentando a competitividade do setor audiovisual, promovendo a cultura nacional e gerando renda e empregos.”.

Na relatoria do 1.070.522, o presidente Luiz Fux seguiu a mesma linha do posicionamento de Toffoli, e apoiando-se no artigo 221 da Constituição destacou que tal decisão está imbuída do objetivo de erradicar as desigualdades regionais e sociais do Brasil e assegurar uma reserva audiovisual que promove a manutenção da cultura, arte e do jornalismo local contribui para este intento.

O voto vencido em ambos os casos foi do Ministro Marco Aurélio que questionou o porquê de a reserva de conteúdo nacional não ser destinada a peças de teatro e livros, e defendeu que a via legislativa seria a adequada para determinar o tempo de exibição de programas culturais, artísticos e jornalísticos locais nas rádios.

 

Conflitos entre a defesa da liberdade econômica e a saúde pública

            As divergências entre os entes do Poder Executivo de nosso país, em termos de medidas restritivas visando o combate e enfrentamento ao vírus Covid-19, têm sido exaustivas e potencializadas ao longo da crise pandêmica que vivemos. Em live realizada na quinta do dia 18 de março, o Presidente Jair Messias Bolsonaro anunciou que entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para que os atos normativos que versam sobre o fechamento de serviços não essenciais, expedidos por entes federados como o Distrito Federal, Rio Grande do Sul e Bahia, sejam suspensos e anulados. O Chefe de Estado alegou que assuntos de tal matéria - para que estejam alinhados com a legalidade no que tange aos princípios estabelecidos na Lei de Liberdade Econômica - deveriam ser versadas por lei específica e não por medidas emergenciais.

            Interessante de se refletir como a proteção da economia ganha destaque no discurso de nosso presidente e como há clareza em relação aos atos normativos do administrativo que, por serem redigidos em períodos de exceção, contém forte risco de violação a direitos e princípios já estabelecidos. Seria mais interessante ainda ver o mesmo tipo de cautela com outras matérias, como questões migratórias e as portarias de fechamento de fronteiras.

            Ainda não foi definido o relator para esta ação, mas Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, já atuaram e atuam em casos relacionados à competência dos entes federados em relação ao enfrentamento da crise sanitária atual.

 

Judicialização de direitos da população carcerária LGBTQI

            Na sexta do dia 19 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Roberto Barroso, visando a proteção e dignidade da população carcerária LGBTQI, decidiu que transexuais e travestis terão a opção de escolher onde preferirão cumprir suas penas, se em penitenciárias femininas ou masculinas. O procedimento se dará conforme consulta e manifestação de interesse individual da pessoa em detenção e, caso decida por uma prisão masculina, sua pena deverá ser cumprida em ala especial. Há dois anos o ministro já havia se manifestado sobre o tema, determinando que detentas transexuais femininas fossem para presídios compatíveis com suas identidades de gênero.

            Uma decisão nesta seara por via judiciária é considerada inédita, de acordo ao jurista Thiago Sorrentino em entrevista à Gazeta do Povo, pois demandas como essas, em outros países, foram acolhidas e garantidas pela via legislativa.

 

REFERÊNCIAS

COLETTA, R.; CARVALHO, D.; TEIXEIRA, M. Em ação ao STF, Bolsonaro pede anulação de normas de estados e diz que governadores não podem fechar serviços por decreto. Brasília: Folha de São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/em-acao-ao-stf-bolsonaro-pede-anulacao-de-normas-de-estados-e-diz-que-governadores-nao-podem-fechar-servicos-por-decreto.shtml>. Acesso em: 21.03.2021.

DETTMAN, Glaucio. Aumento do encarceramento feminino no ES é tema de relatório que será divulgado em 08 de março. Vitória: Espírito Santo Hoje, 2021. Disponível em: < https://eshoje.com.br/aumento-do-encarceramento-feminino-no-es-e-tema-de-relatorio-que-sera-divulgado-em-8-de-marco/>. Acesso em: 21.03.2021.

HERCULANO, Lenir Camimura. Grupo de trabalho vai elaborar protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: Agência CNJ de Notícias, 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/grupo-de-trabalho-vai-elaborar-protocolo-de-julgamento-com-perspectiva-de-genero/>. Acesso em: 21.03.2021.

NA ONU, entidades denunciam governo Bolsonaro por ‘devastadora tragédia humanitária’. Brasília: Conectas, 2021. Disponível em: <https://www.conectas.org/noticias/na-onu-entidades-denunciam-governo-bolsonaro-por-devastadora-tragedia-humanitaria>. Acesso em: 21.03.2021. 

PRESAS travestis e trans poderão optar onde cumprir pena, decide Barroso. Curitiba: Gazeta do Povo, 2021. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/presas-travestis-e-trans-poderao-optar-onde-cumprir-pena-decide-barroso/>. Acesso em: 21.03.2021. 

Relatório da Defensoria Pública mostra que 1 a cada 4 mulheres apta a ser solta no RJ segue presa. Rio de Janeiro: G1 Rio, 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/11/relatorio-da-defensoria-publica-mostra-que-1-a-cada-4-mulheres-apta-a-ser-solta-no-rj-segue-presa.ghtml>. Acesso em: 21.03.2021.

RODAS, Sérgio. STF valida reserva para filmes nacionais e programas de rádio locais. Brasília: Revista Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/stf-valida-reserva-filmes-nacionais-programas-radio-locais>. Acesso em: 21.03.2021.

 

 

 

Continue lendo ››

16/03/2021

Toga News - Notícias de 08/03 a 14/03

Por Helem Keiko Morimoto

 

Dia Internacional da Mulher: Pioneirismo no Judiciário Brasileiro

As mulheres têm conquistado cada vez mais espaço no Poder Judiciário Brasileiro.

Em 23 de novembro de 2000, Ellen Gracie foi nomeada, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, para ser ministra do Supremo Tribunal Federal, na vaga decorrente da aposentadoria do ministro Octavio Gallotti. Após seis anos, Cármen Lúcia foi a segunda mulher a integrar o Tribunal. Já a ministra Rosa Weber, foi a terceira mulher a assumir o cargo no STF, no ano de 2011.

Outro momento que merece destaque foi quando a advogada Joênia Batista de Carvalho representou a primeira participação indígena no Plenário da mais alta Corte brasileira. Na ocasião, ela realizou sustentação oral para defender o interesse de 19 mil índios que viviam na área denominada Raposa Serra do Sol.

 

Impossibilidade do cão figurar em um processo judicial

O desembargador José Ricardo Porto manteve a decisão da 5° Vara Cível da Comarca de João Pessoa, de não ser possível admitir que um cachorro possa figurar em um processo judicial. A deliberação foi tomada após ser entendido que mesmo que os animais possam figurar como parte em um dos polos da relação processual, não possuem capacidade processual e aptidão para estar em juízo.

O desembargador ressalta que embora os animais sejam seres dotados de sensibilidade e devam ter o seu bem-estar considerado, eles não são dotados de personalidade jurídica e nem podem ser considerados sujeitos de direitos, razão pela qual não vislumbra probabilidade do direito invocado, ou seja, que o cão figure no polo ativo de indenização contra o condomínio.

 

Anulação da condenação de Lula  

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, determinou a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) nas ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Também, ordenou que os casos sejam reiniciados na Justiça Federal do Distrito Federal, sob a justificativa de que os fatos das ações não têm relação direta com o esquema de desvios na Petrobrás.

Com isso, ficam anuladas as decisões de quatro processos: 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá); 5021365- 32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia); 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula); e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula).

 

Suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no caso do triplex

Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, votaram pelo reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que culminou na condenação do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex em Guarujá (SP). Para os ministros, Moro teve interesse político na condenação de Lula e atuou com o objetivo de inviabilizar sua participação na vida política nacional.

 

Invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça aplicou entendimento já firmado pelo colegiado para declarar que não podem ser usadas como provas as mensagens obtidas por meio do print screen da tela do aplicativo WhatsApp Web, ao argumento de que esta ferramenta permite o envio de novas mensagens e a exclusão de mensagens antigas ou recentes, tenham elas sido enviadas pelo usuário ou recebidas de algum contato, sendo que eventual exclusão não deixa vestígio no aplicativo ou no computador.

Diante disso, o relator, ministro Nefi Cordeiro, afirmou que: "As mensagens obtidas por meio do print screen da tela da ferramenta WhatsApp Web devem ser consideradas provas ilícitas e, portanto, desentranhadas dos autos".

 

Compartilhamento de conteúdo falso em rede social

​A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial do Facebook Brasil e, por unanimidade, reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que obrigava o provedor a fornecer dados de todos os usuários que compartilharam um vídeo com informação falsa, no qual um homem afirma ter comprado um salgado repleto de larvas em uma padaria de Santa Catarina.

Para o colegiado, não seria razoável igualar o autor da publicação aos demais usuários que tiveram contato com a notícia falsa e acabaram compartilhando o conteúdo, sendo desproporcional obrigar o provedor a fornecer os dados dessas pessoas indiscriminadamente, sem a indicação mínima de qual conduta ilícita teria sido praticada por elas.

 

Retificação de sobrenome no registro civil 

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheu o pedido de retificação de registro civil de uma mulher que, ao se casar, adotou o sobrenome do marido, mas alegou nunca ter se adaptado à modificação, a qual lhe teria causado abalos psicológicos e emocionais.

Segundo a requerente, sempre foi conhecida pelo sobrenome do pai, e os únicos familiares que ainda carregavam o patronímico familiar estavam em grave situação de saúde.

A relatora, ministra Nancy Andrigh, destacou que o pedido não foi solicitado por mera vaidade, ao contrário, apresentou razões concretas para retomar o sobrenome de solteira, ao mesmo tempo em que comprovou que a modificação não acarretará impactos para outras pessoas.

 

Recurso da Procuradoria-Geral da República contra decisão do HC 193726

O ministro Edson Fachin remeteu ao Plenário do Supremo Tribunal Federal o Agravo regimental da Procuradoria-Geral da República contra a decisão do Habeas Corpus 193726 que determinou a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) nas ações penais contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive as condenações.

Este recurso solicita o reconhecimento da competência daquele juízo e a preservação de todos os atos processuais e decisórios.

Fachin concedeu prazo de cinco dias corridos para que a defesa técnica de Lula apresente contrarrazões ao agravo regimental. Transcorrido o prazo, o processo deverá ser remetido à Presidência do STF, para inclusão em pauta.

 

Morte da genitora após o parto: concessão de salário-maternidade ao pai

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais entende que é cabível a concessão de salário-maternidade ao genitor segurado nos casos em que há o óbito da mãe após o parto, pelo período remanescente do benefício. A tese, fixada durante sessão ordinária realizada por videoconferência, assegura o benefício mesmo quando óbito tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei 12.873/2013, que incluiu o artigo 72-B na Lei 8.213/1991.

 

RERERÊNCIAS

NOTÍCIAS STF. Supremo marca o pioneirismo das mulheres no Judiciário brasileiro. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461793&caixaBusca=N>. Acesso em: 09 de março de 2021.

 NOTÍCIAS STF. Fachin anula condenações de Lula e manda ações penais para Justiça Federal do DF. Disponível em:  

<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461870&caixaBusca=N>. Acesso em: 09 de março de 2021.

CONJUR. Cão não possui capacidade processual para figurar como sujeito. Disponível em:

<https://www.conjur.com.br/2021-mar-08/cao-nao-possui-capacidade-processual-figurar-sujeito>. Acesso em: 09 de março de 2021.

NOTÍCIAS STF. Ministro Fachin remete ao Plenário recurso da PGR contra anulação das condenações de Lula.Disponível em:

<https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=461996&ori=1>. Acesso em: 10 de março de 2021.

NOTÍCIAS STJ. Sexta Turma reafirma invalidade de prova obtida pelo espelhamento de conversas via WhatsApp Web. Disponível em:

<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09032021-Sexta-Turma-reafirma-invalidade-de-prova-obtida-pelo-espelhamento-de-conversas-via-WhatsApp-Web.aspx>. Acesso em 10 de março de 2021.

NOTÍCIAS STJ. Rede social não é obrigada a fornecer dados de todos os usuários que compartilharam conteúdo falso. Disponível em:

<https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/10032021-Rede-social-nao-e-obrigada-a-fornecer-dados-de-todos-os-usuarios-que-compartilharam-conteudo-falso.aspx>. Acesso em 12 de março de 2021.

NOTÍCIAS STJ. Esposa arrependida por adotar sobrenome do marido poderá retomar nome de solteira, decide terceira turma. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/10032021-Esposa-arrependida-por-adotar-sobrenome-do-marido-podera-retomar-nome-de-solteira--decide-Terceira-Turma.aspx>. Acesso em 12 de março de 2021.

NOTÍCIAS STF. Ministro Fachin remete ao Plenário recurso da PGR contra anulação das condenações de Lula. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=462234&caixaBusca=N>. Acesso em: 13 de março de 2021.

IBDFAM.  Salário-maternidade deve ser concedido ao pai em caso de morte da genitora após o parto. Disponível em:

<https://ibdfam.org.br/noticias/8251/Sal%C3%A1rio-maternidade+deve+ser+concedido+ao+pai+em+caso+de+morte+da+genitora+ap%C3%B3s+o+parto>. Acesso em: 14 de março de 2021.

           

 

 

Continue lendo ››