Por Giovanna Maciel.
O
Brasil foi novamente condenado na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Mas, e aí?!
Embora
a condenação tenha sido publicada apenas recentemente, em 26 de outubro, a
decisão é de 15 de julho deste ano, tratando de uma explosão em uma fábrica
clandestina de fogos de artifício na Bahia, em 1998, acarretando a morte de 64
pessoas, sendo 22 menores. Para a Corte, o Estado brasileiro sabia das
atividades irregulares e, ainda assim, não fiscalizava. Além disso, foram
apontados trabalho infantil e condições degradantes[i].
Na
Sentença – que possui caráter vinculante –, a Corte IDH chamou o Brasil à sua
responsabilidade de processar e punir os que perpetraram crimes contra aquelas
vítimas:
A corte já se manifestou, fazendo referência à devida diligência em processos penais, no sentido de que a investigação deve ser realizada por todos os meios legais disponíveis e buscar a determinação da verdade e a persecução, captura, julgamento e eventual punição de todos os responsáveis intelectuais e materiais pelos fatos. Igualmente, que a impunidade deve ser erradicada mediante a determinação das responsabilidades tanto gerais do Estado, como individuais — penais e de outra natureza — de seus agentes ou de particulares, e que, para cumprir essa obrigação, o Estado deve remover todos os obstáculos, de facto e de jure, que mantenham a impunidade.[ii]
É
importante destacar que os motivos que levaram esse caso à Corte foram os
mesmos da primeira condenação brasileira, em 2006 (Caso Ximenes Lopes vs
Brasil): a impunidade dos agentes violadores de direitos humanos e desamparo às
vítimas.
Mas,
afinal, o que é a Corte IDH e como os casos chegam até ela? Ela foi criada em
1969 pela Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), sendo devidamente
instalada apenas em 1978 através de um tratado denominado de “Acordo de Sede”.
Ademais, possui cláusula facultativa de jurisdição obrigatória (Cláusula Raul
Fernantes), ou seja, o Estado pode ou não aderir à jurisdição contenciosa da
Corte, mas, uma vez que assinou ou aderiu ao tratado, ela deixa de ser
facultativa, passando a ser obrigatória.
Dentre
os requisitos gerais para o acesso à Corte IDH, estão o esgotamento dos
recursos internos do Estado e a não litispendência em outro sistema de
proteção internacional. Conforme o artigo 44 da CADH, cumpridos esses
requisitos, a pessoa (ou grupo de pessoas) levará a denúncia até a Comissão
Interamericana de Diretos Humanos (CIDH) que fará dois relatórios (arts. 46 e
48 da CADH): o primeiro, sigiloso, buscando resolver a lide de forma
consensual; caso o Estado ainda assim descumprir, emite-se um novo relatório,
de maneira pública, visando o poder de envergonhar aquele país frente aos
demais (power of shaming)[iii].
Passado
esse procedimento (obrigatório) na CIDH, só então o processo, junto aos
relatórios, é encaminhado à Corte IDH, que poderá fazer nova análise dos
requisitos de admissibilidade (arts. 61 a 63 da CADH). É nessa fase que o
Estado apresenta sua defesa (suas exceções preliminares) e deverá alegar, se
for o caso, o descumprimento do artigo 44 da CIDH. Se acolhidas as exceções
preliminares, haverá o fim do processo. Contudo, em havendo recusa total ou
parcial das exceções, o caso será decidido em julgamento.
Essa
competência contenciosa da Corte produz sentenças definitivas e inapeláveis
decorrentes das petições alegando violações de direitos humanos (art. 67 da
CADH). Também, é importante mencionar que ela não julga pessoas e sim Estados (ratione
personae) que tenham falhado no dever em evitar danos, respeitar e
promover esses direitos, então, embora não possua um exercício penal de
responsabilização individual, ela cobra que o Estado a exerça.
Além
dessa recente condenação (Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio
de Jesus e Seus Familiares vs. Brasil), outros casos brasileiros já foram
submetidos à Corte, como o já mencionado Caso Ximenes Lopes (2006), Nogueira de
Carvalho (2006), Encher e outros (2009), Sétimo Garibaldi (2009), Guerrilha do
Araguaia (2010), Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde (2016), Favela Nova
Brasília (2017), Povo Indígena Xucuru (2018) e Herzog e outros (2018)[iv].
Todas as vezes que um Estado é condenado por violações a direitos humanos em um tribunal internacional, o que se espera é que a missiva seja, ao menos, profilática. No caso brasileiro, no entanto, essa expectativa tem sido frustrada ao longo dos anos, dadas as reiteradas ações do Estado que o têm levado à responsabilidade internacional no âmbito do sistema interamericano de direitos humanos.[v]
[i] CORTE Interamericana
condena Brasil por explosão de fábrica que matou 64 pessoas. Conjur. 27
out. 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-out-27/corte-interamericana-condena-brasil-explosao-matou-64-pessoas>.
[ii] OEA, Organização dos
Estados Americanos. Corte
IDH. Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e
Seus Familiares vs. Brasil. Julgamento: 15 jul. 2020. Publicação: 26 out.
2020. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, Série C, nº 407, §
220.
[iii] BRASIL. Decreto nº
678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>.
[iv] LEGALE, Siddharta;
ARAÚJO, Luís Cláudio Martins (Org.). Direitos humanos da prática
interamericana. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.
[v] MAZZUOLI, Valério de
Oliveira; FARIA, Marcelle Rodrigues da Costa e; OLIVEIRA, Kledson Dionysio de.
O Brasil é novamente condenado pela Corte Interamericana. Conjur. 01
nov. 2020. Disponível em:
<https://www.conjur.com.br/2020-nov-01/opiniao-brasil-novamente-condenado-corte-interamericana?utm_source=dlvr.it&utm_medium=twitter>.
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