Por Vyctor H. Maba. S.[1]
Ao descortinar os séculos
passados e suas raízes históricas, o tribunal do Júri, instituído no Brasil
desde 1822 e, previsto na constituição Federal, é responsável por julgar, com
respaldo probatório e jurídico, os crimes dolosos contra a vida. E é dentro desse
complexo maquinário onde cabe a um colegiado de populares – os jurados
sorteados para compor o conselho de sentença – a incumbência máxima de declarar
se um determinado crime aconteceu e, se o réu é ou não, culpado pela prática
delituosa arguida. Antes do trânsito em julgado, o processo passa por um
minucioso rito, obedecendo as regras do ordenamento jurídico onde o juiz, ao
findar da execução, perfaz a sentença.
Em Atenas, já se
observava as dessemelhanças entre as transgressões de natureza pública e os de
natureza privada. E deste modo, cada um desses delitos detinha seus respectivos
processos penais: iudicium privatum e publico. Nesta classificação de
delitos, os de natureza pública (maior potencial ofensivo) eram de interesse
coletivo e, dessa forma, o direito à persecução cabia aos cidadãos. Sendo,
todavia, crime contra a pátria, o ordenamento jurídico atribuía ao magistrado a
competência para promover a peça inicial da ação competente, ficando o julgamento
a cargo do Senado ou da Assembleia do Povo e a persecução a um cidadão nomeado
para esse fim. Quanto aos crimes de natureza privada, o próprio ofendido ou seu
representante detinham legitimidade para a propositura da ação competente.
Observa-se em Atenas, o Tribunal dos Heliastas, consistindo esse tribunal um
órgão julgador das causas públicas e privadas, com exceção dos crimes de sangue
que competiam ao Areópago, célebre pela honestidade e retidão no juízo, supremo
tribunal de justiça que funcionava a céu aberto no outeiro de Marte.
Na primitiva organização
jurídica da Roma monárquica, dentro do Direito (jus quiritarium),
prevalentemente consuetudinário, rígido, formalista e solene, verificar-se-á a
mesma distinção dos gregos quanto a uma análoga natureza dos delitos, de modo a
distingui-los entre ilícitos punidos pelo jus publicum (crimina)
e pelo jus civile (delicta). Os primeiros – infrações de ordem
social que atacavam a civitas (v.g., a perduellio; o parricidium)
– davam lugar a uma persecução pública realizada através da provocatio ad
populum ou das quaestiones perpetuae, e terminavam com uma poena
publica. Já os segundos – delicta (v.g., o furtum; a
iniuria) – eram entendidos como ofensa ao indivíduo e autorizavam, nos
primeiros tempos, uma reação de cunho privado. Verificada a admissibilidade do
procedimento, a acusação era formalizada por meio de uma nominis delatio,
peça em que eram descritos os fatos tidos como criminosos, a qualificação do
acusado e de sua conduta. A sentença, por conseguinte, era formalizada pelo quaestor,
não se conhecendo qualquer modalidade de recurso, pois as decisões eram
proferidas pelo próprio povo, não havendo, portanto, órgão competente para
apreciação.
O Tribunal do Júri como
uma das instituições jurídicas que detém legitimidade para aplicação do ius
puniendi, encontra-se incerto em diversas ordenações legais mundiais. Apesar do caráter cultural e histórico dos
diversos ordenamentos, guarda a mesma essência, ou seja, o julgamento popular
de uma infração, seja cível ou criminal. Muitos acreditam que a Inglaterra
antiga, no período sucessivo ao Concílio de Latrão, em 1215, no século XIII,
quando este Concílio aboliu a ordália ou "Juízos de Deus”, desenvolveu a
instituição do júri.
Na Grécia antiga, Roma,
Inglaterra e França, já se observava instituições que muito se assemelham ao
que se conhece como o júri atualmente e, o decorrer dos processos do tribunal
do Júri na modernidade segue uma série de procedimentos baseado na essência
dessas culturas e de outras tantas; seguindo o rito, no Juri, a vítima, se for
possível, é a primeira a ser ouvida, seguida pelas testemunhas de acusação e,
por último, as de defesa. Eventualmente, pode haver a leitura de peças dos
autos. Em seguida, o réu é interrogado, caso esteja presente, pelo Ministério
Público, assistente e defesa. Os jurados podem fazer perguntas por intermédio
do juiz, embora, o réu, possua o direito constitucional de ficar em silêncio. O
Ministério Público tem determinado tempo para fazer a acusação, mesmo tempo
concedido à defesa, posteriormente. Há ainda mais tempo para a réplica da
acusação e outra para a tréplica da defesa. Ao final, o juiz passa a ler os
quesitos que serão postos em votação e, se não houver nenhum pedido de
explicação a respeito, os jurados, o escrivão, o promotor de justiça e o
defensor são convidados a se dirigirem à sala secreta, onde ocorrerá a votação.
A sentença é dada pela maioria dos votos – logo, se os primeiros quatro jurados
decidirem pela condenação ou absolvição, os demais não precisam votar. Após
essa etapa, a sentença é proferida pelo juiz no fórum, em frente ao réu e a
todos presentes.
É dentro dessa narrativa
de eventos que a realidade jurídica se insere; incorpora os fatos às
prescrições legais, opera com discricionariedade e diligência, subordina os
homens aos seus deveres e, com isso, resguarda seus direitos. E, na tentativa
de trajar os alunos, estudantes de direito, com o indumentário da justiça e da lei,
que a disciplina de Teoria do Direito, ministrada pela Prof. Michele Hastreiter
no UNICURITIBA, configurou um Júri Simulado on-line entre os alunos do
primeiro período. Publicada em 1949 pelo jurista britânico Lon L. Fuller, o
caso dos Exploradores de Caverna foi utilizado na ocasião como objeto central
de debate. De um lado a defesa, do outro a acusação, ambas com a árdua
incumbência de lidar com suas dissonâncias. Um crime, duas versões e o
interesse comum de chegar a um veredito justo. O Júri Simulado é uma ótima
estratégia de ensino a ser adotada quando se trata de um assunto polêmico ou
que, perceptivelmente, divide opiniões. Isso porque permite que sejam
discutidos vários pontos de um mesmo tema, auxiliando no processo de construção
e desconstrução de conceitos. Além disso, instiga o senso crítico, a
participação e a reflexão; mais do que apenas ser uma forma literária de
representação das complexidades do Direito, ou da variedade de interpretações
que um mesmo caso pode ocasionar, resgata escolas do pensamento jurídico,
diferentes conceitos sobre o que é o Direito e, principalmente, é uma grande
denúncia àquilo que o Direito não deve ser.
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