06/07/2020

Acontece no UNICURITIBA: Júri Simulado On-line


 Por Vyctor H. Maba. S.[1]

Ao descortinar os séculos passados e suas raízes históricas, o tribunal do Júri, instituído no Brasil desde 1822 e, previsto na constituição Federal, é responsável por julgar, com respaldo probatório e jurídico, os crimes dolosos contra a vida. E é dentro desse complexo maquinário onde cabe a um colegiado de populares – os jurados sorteados para compor o conselho de sentença – a incumbência máxima de declarar se um determinado crime aconteceu e, se o réu é ou não, culpado pela prática delituosa arguida. Antes do trânsito em julgado, o processo passa por um minucioso rito, obedecendo as regras do ordenamento jurídico onde o juiz, ao findar da execução, perfaz a sentença.
Em Atenas, já se observava as dessemelhanças entre as transgressões de natureza pública e os de natureza privada. E deste modo, cada um desses delitos detinha seus respectivos processos penais: iudicium privatum e publico. Nesta classificação de delitos, os de natureza pública (maior potencial ofensivo) eram de interesse coletivo e, dessa forma, o direito à persecução cabia aos cidadãos. Sendo, todavia, crime contra a pátria, o ordenamento jurídico atribuía ao magistrado a competência para promover a peça inicial da ação competente, ficando o julgamento a cargo do Senado ou da Assembleia do Povo e a persecução a um cidadão nomeado para esse fim. Quanto aos crimes de natureza privada, o próprio ofendido ou seu representante detinham legitimidade para a propositura da ação competente. Observa-se em Atenas, o Tribunal dos Heliastas, consistindo esse tribunal um órgão julgador das causas públicas e privadas, com exceção dos crimes de sangue que competiam ao Areópago, célebre pela honestidade e retidão no juízo, supremo tribunal de justiça que funcionava a céu aberto no outeiro de Marte.
Na primitiva organização jurídica da Roma monárquica, dentro do Direito (jus quiritarium), prevalentemente consuetudinário, rígido, formalista e solene, verificar-se-á a mesma distinção dos gregos quanto a uma análoga natureza dos delitos, de modo a distingui-los entre ilícitos punidos pelo jus publicum (crimina) e pelo jus civile (delicta). Os primeiros – infrações de ordem social que atacavam a civitas (v.g., a perduellio; o parricidium) – davam lugar a uma persecução pública realizada através da provocatio ad populum ou das quaestiones perpetuae, e terminavam com uma poena publica. Já os segundos – delicta (v.g., o furtum; a iniuria) – eram entendidos como ofensa ao indivíduo e autorizavam, nos primeiros tempos, uma reação de cunho privado. Verificada a admissibilidade do procedimento, a acusação era formalizada por meio de uma nominis delatio, peça em que eram descritos os fatos tidos como criminosos, a qualificação do acusado e de sua conduta. A sentença, por conseguinte, era formalizada pelo quaestor, não se conhecendo qualquer modalidade de recurso, pois as decisões eram proferidas pelo próprio povo, não havendo, portanto, órgão competente para apreciação.
O Tribunal do Júri como uma das instituições jurídicas que detém legitimidade para aplicação do ius puniendi, encontra-se incerto em diversas ordenações legais mundiais.  Apesar do caráter cultural e histórico dos diversos ordenamentos, guarda a mesma essência, ou seja, o julgamento popular de uma infração, seja cível ou criminal. Muitos acreditam que a Inglaterra antiga, no período sucessivo ao Concílio de Latrão, em 1215, no século XIII, quando este Concílio aboliu a ordália ou "Juízos de Deus”, desenvolveu a instituição do júri.
Na Grécia antiga, Roma, Inglaterra e França, já se observava instituições que muito se assemelham ao que se conhece como o júri atualmente e, o decorrer dos processos do tribunal do Júri na modernidade segue uma série de procedimentos baseado na essência dessas culturas e de outras tantas; seguindo o rito, no Juri, a vítima, se for possível, é a primeira a ser ouvida, seguida pelas testemunhas de acusação e, por último, as de defesa. Eventualmente, pode haver a leitura de peças dos autos. Em seguida, o réu é interrogado, caso esteja presente, pelo Ministério Público, assistente e defesa. Os jurados podem fazer perguntas por intermédio do juiz, embora, o réu, possua o direito constitucional de ficar em silêncio. O Ministério Público tem determinado tempo para fazer a acusação, mesmo tempo concedido à defesa, posteriormente. Há ainda mais tempo para a réplica da acusação e outra para a tréplica da defesa. Ao final, o juiz passa a ler os quesitos que serão postos em votação e, se não houver nenhum pedido de explicação a respeito, os jurados, o escrivão, o promotor de justiça e o defensor são convidados a se dirigirem à sala secreta, onde ocorrerá a votação. A sentença é dada pela maioria dos votos – logo, se os primeiros quatro jurados decidirem pela condenação ou absolvição, os demais não precisam votar. Após essa etapa, a sentença é proferida pelo juiz no fórum, em frente ao réu e a todos presentes.
É dentro dessa narrativa de eventos que a realidade jurídica se insere; incorpora os fatos às prescrições legais, opera com discricionariedade e diligência, subordina os homens aos seus deveres e, com isso, resguarda seus direitos. E, na tentativa de trajar os alunos, estudantes de direito, com o indumentário da justiça e da lei, que a disciplina de Teoria do Direito, ministrada pela Prof. Michele Hastreiter no UNICURITIBA, configurou um Júri Simulado on-line entre os alunos do primeiro período. Publicada em 1949 pelo jurista britânico Lon L. Fuller, o caso dos Exploradores de Caverna foi utilizado na ocasião como objeto central de debate. De um lado a defesa, do outro a acusação, ambas com a árdua incumbência de lidar com suas dissonâncias. Um crime, duas versões e o interesse comum de chegar a um veredito justo. O Júri Simulado é uma ótima estratégia de ensino a ser adotada quando se trata de um assunto polêmico ou que, perceptivelmente, divide opiniões. Isso porque permite que sejam discutidos vários pontos de um mesmo tema, auxiliando no processo de construção e desconstrução de conceitos. Além disso, instiga o senso crítico, a participação e a reflexão; mais do que apenas ser uma forma literária de representação das complexidades do Direito, ou da variedade de interpretações que um mesmo caso pode ocasionar, resgata escolas do pensamento jurídico, diferentes conceitos sobre o que é o Direito e, principalmente, é uma grande denúncia àquilo que o Direito não deve ser.



[1] Representante da turma 1-ME do curso de Direito do Centro Universitário Curitiba.

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