25/04/2020

Agenda 2030: GLOBALIZAÇÃO, GLOBALISMO E DESIGUALDADES ECONÔMICAS E SOCIAIS NO SÉCULO XXI (ODS 10)







Maria da Glória Colucci[1]





          A expansão econômica da Europa ocidental, nos séculos XV a XVIII, se deu por vários fatores, dentre os quais, a exploração ultramarina, e a intensificação do comércio pela descoberta de antigas invenções, como a pólvora e a bússola, segundo Marvin Perry.[2]

          Para além dos anseios expansionistas dos conquistadores, houve a divulgação do saber acumulado pela criação da imprensa (Guttenberg – 1450) e a formação dos Estados Nacionais, aliados ao surgimento dos ideais libertários, culminando com a Revolução Francesa (1789).[3]

          O cenário político, econômico e social e a efervecência daí resultante abriram as portas para o que se considera a primeira fase da “globalização”, entendida como um período em que o comércio internacional parecia não ter fronteiras, apesar dos riscos de naufrágios, muito frequentes, por sinal.

          O período foi marcado pela presença de usos e costumes comerciais, principalmente nas cidades livres onde feiras de artigos oriundos da Ásia, como especiarias e seda, representavam forte atrativo aos ricos habitantes de cidades como Gênova, Pisa e Milão.

          Os mecenas, ricos comerciantes da época, estimulavam as artes, sobretudo a pintura, com a finalidade de parecem ser “cultos” e prósperos perante os nobres e frequentadores das Cortes.[4]

          A diversidade de costumes, oriundos das diversas regiões do mundo conhecido à época, e o intercâmbio comercial forneceram os elementos necessários ao surgimento de um novo tipo de pessoas, os habitantes das cidades. Aglomerados, empobrecidos e discriminados, oriundos do campo, em sua maioria estrangeiros ou não, formaram nas periferias das cidades em surgimento verdadeiros guetos.

Destarte, a marginalização que se espraiou pela Europa e a gritante segmentação social dai resultante podem ser apontadas como as remotas raízes das desigualdades sociais e econômicas que permanecem até hoje?

Independente da resposta, observa-se que a miséria, a pobreza e a prosperidade ainda convivem nas grandes cidades, com maior ou menor visibilidade, ao redor do mundo. Cidades globalizadas enfrentam graves problemas de segurança e urbanização.

Quanto ao “globalismo”, corresponde ao fenômeno de grandes organizações, nas mais distintas atividades, que se espalham em redes pelo mundo, dominando áreas, como da comunicação, a exemplo do Google, Apple, etc. No que se refere ao alcance destas redes e como influenciam e controlam a vida das pessoas, ditando costumes e gerando novas necessidades, é desnecessário ressaltar que “universalisam” o modo de ser desta ou daquela região do mundo, por exemplo, “ocidentalizando” modos de vestir, relacionar-se ou mesmo “vícios”.[5]

À globalização, ou comércio sem fronteiras físicas, culturais ou de outra natureza, somou-se o globalismo, espécie de domínio de grupos de informação, culturais ou mesmo religiosos, sobre grande parte do mundo pós-moderno.

Barreiras técnicas são necessárias para estabelecer limites à atuação destas organizações, a par de fixar padrões de ordem ética e social, em defesa das pessoas, do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, como ressalta Luiz Olavo Baptista, ao analisar os reflexos da criação da Organização Mundial do Comércio (1995):



A partir da existência da OMC, passou a existir uma espécie de garimpo dentro das normas da organização. Foram criadas regras para contemplar questões que não estavam na previsão original, como desenvolvimento sustentável, proteção do meio ambiente e garantia dos direitos humanos.[6]



        Procurando o enfrentamento das desigualdades sociais no trabalho, em decorrência da evidente hipossuficiência dos operários, agricultores e empregados, em face das poderosas organizações internacionais do comércio, verificou-se, em palavras de Luiz Olavo Baptista, que:



[...] durante as negociações sobre as regras da OMC, houve uma resistência muito grande, inexplicável, por exemplo, em relação à cláusula social, que impunha padrões trabalhistas para assegurar condições mínimas de trabalho.[7]



          Os obstáculos ao reconhecimento dos direitos fundamentais continuam presentes e atualíssimos, não apenas no trabalho, mas no acesso aos bens e serviços, que representam não apenas satisfação de necessidades individuais e coletivas, mas status, vale dizer, aceitação, reconhecimento e “aplausos” dos demais, como sintetiza Zygmunt Bauman:



Como você já sabe o quanto isso depende de seu acesso aos bens de consumo, é óbvio que, para seguir suas inclinações morais, você precisa traduzir o postulado de “ser alguém” na capacidade de garantir que terá todos os bens, na quantidade e qualidade certas, de que precisa para fazer face à sua responsabilidade pelos outros.[8]



          As desigualdades têm fortes raízes na ampliação do campo de comércio e consumo, com a globalização, de um lado, e com o globalismo, de outro.

          Com a Carta do Milênio (ONU, 2000), procurou-se construir “Objetivos” (ODM), que representassem de forma universal o anseio comum de desenvolvimento dos povos (“Oito Jeitos de Mudar o Mundo”).

          O advento dos ODS (2015-2030), com a Agenda Global 2030 da ONU, promoveu em 17 Objetivos uma síntese universal dos direitos humanos fundamentais, presentes na grande maioria das legislações ocidentais, que devem ser reconhecidos e implementados no mundo.[9]

          Em especial, os ODS – Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ressaltam como núcleos de suas metas e estratégias a promoção da dignidade da pessoa humana e seus atributos essenciais, representados pelos direitos sociais (art. 6º da Constituição de 1988).[10]

          No ODS 10 propõe a Agenda Global 2030, expressamente, que deve ser um compromisso comum dos povos signatários: “Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles”.[11]

A redução das desigualdades econômicas e sociais é um desafio comum a todos os povos, cuja superação somente será alcançada mediante a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável (ODS 16), contando com a cooperação internacional.[12]



Advogada. Especialista em Filosofia do Direito (PUC-Pr). Mestre em Direito Público (UFPR). Professora aposentada da UFPr. Professora titular de Teoria do Direito (UNICURITIBA). Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética (desde 2001) – JUS VITAE – no UNICURITIBA. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do UNICURITIBA. Escritora e poetisa, com vários prêmios em textos jurídicos e poéticos.
[2]PERRY. Marvin. Civilização ocidental: uma história concisa. Trad. Waltensir Dutra, Silvana Vieira. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 267.
[3] Ibidem.  
[4] PERRY. Marvin. Op. cit., p. 268.
[5] PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 23-25.
[6] BAPTISTA, Luiz Olavo. In: O Brasil e a globalização: pensadores do direito internacional. Organizado por Mauricio Almeida Prado, Renata Duarte de Santana. São Paulo: Ed. de Cultura, 2013, p. 19.
[7] Ibidem.
[8] BAUMAN, Zygmunt. Danos colaterais: desigualdades sociais numa era global. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 102.
[9] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/?menu=1300
[10] BRASIL. Constituição da República Federativa do. 1988. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[11] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/?menu=1300
[12]ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://sustainabledevelopment.un.org/?menu=1300


[1] Advogada. Especialista em Filosofia do Direito (PUC-Pr). Mestre em Direito Público (UFPR). Professora aposentada da UFPr. Professora titular de Teoria do Direito (UNICURITIBA). Orientadora do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética (desde 2001) – JUS VITAE – no UNICURITIBA. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do UNICURITIBA. Escritora e poetisa, com vários prêmios em textos jurídicos e poéticos.
[2] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em www.nacoesunidas.org
[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do. 1988. Disponível em www.planalto.gov.br
[4] COELHO, Luiz Fernando. Saudade do futuro. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001, p.39-40.
[5] VOLPI NETO, Ângelo. Comércio eletrônico – direito e segurança. Curitiba: Juruá, 2001, p.21.
[6]PARANÁ, Jornal Gazeta do Povo. Dia Internacional da Internet Segura Disponível em www.gazetadopovo.com.br\blogs\educacao
[7] FREITAS, Marcelo Araújo. O processo judicial eletrônico: implicações na atuação do oficial de justiça. Curitiba: JM. Livraria Jurídica, 2011, p. 45.

Nenhum comentário:

Postar um comentário