Fonte da Imagem: https://www.plural.jor.br/armandinho-2/
Por Giovanna Maciel**
Ao longo de 5 meses de governo, a
Presidência da República e seus Ministérios já se envolveram em algumas
polêmicas. Apoiadas por uns e criticadas por outros, as decisões do Presidente
Jair Bolsonaro têm tido grande repercussão e levantado diversas dúvidas quanto
a determinados temas. Nos últimos dias, nos deparamos com uma série de
discursos em torno da educação nacional, em especial a superior, as quais
discorreremos em três textos especiais produzidos pela acadêmica Giovanna Maciel para o Blog UNICURITIBA Fala Direito.
CORTES ORÇAMENTÁRIOS NA EDUCAÇÃO
Primeiro a universidade não poderá pagar água e energia.
Depois os contratos de prestação de serviços (como limpeza e segurança)
deixarão de ser cumpridos. Em seguida, o restaurante universitário ficará sem
recursos. Programas de assistência a estudantes pobres também estão ameaçados.
E se a medida não for revista, o corte comprometerá as atividades da
universidade já no segundo semestre deste ano. Este é um resumo dos primeiros
efeitos da asfixia financeira de Bolsonaro na educação e ciências do Brasil,
divulgado por várias instituições [...]. (OLIVEIRA, 2019)
Através do
Decreto nº 9.741, publicado em edição extra do Diário Oficial da União, no último dia 29
de março, o Ministério da Educação foi uma das maiores vítimas do
corte de recursos para este ano. Conforme o decreto, o governo contingenciou R$
29,583 bilhões do Orçamento Federal de 2019, sendo que deste total, R$ 5,839
bilhões foram reduzidos da pasta educacional.
Com isso, cada Universidade Pública sofreu um corte de ao
menos 30% de suas verbas. O Ministro da Educação, Abraham Weintraub, chegou a
afirmar em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, que esse corte afetaria
instituições com desempenho acadêmico fora do esperado e estivessem promovendo
“balbúrdia”. Na ocasião, Weintraub mencionou a Universidade Federal da Bahia
(UFBA), a Universidade de Brasília (UNB) e a Universidade Federal Fluminense
(UFF), cujos estudantes teriam organizado eventos políticos e manifestações
partidárias contrárias às ideologias do Governo Federal. Ao ser questionado por
senadores o que seria a “balbúrdia”, o ministro não respondeu.
Após diversas críticas e má repercussão, através de uma
nota oficial, o Ministro da Educação estendeu o corte para todas as
universidades federais e afirmou que o critério utilizado foi “operacional,
técnico e isonômico para todas as universidades e institutos”.
De pronto, as Universidades Federais passaram a se
manifestar quanto ao assunto, afirmando que a contingência afetaria as
necessidades básicas das instituições, comprometendo os valores destinados à
salário de pesquisadores (ou bolsa auxílio), bem como contas de água e luz.
Entretanto, quem mais sentiu o impacto foi o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que em 15 de abril recebeu um
e-mail informando do bloqueio de recursos já aprovados. O órgão teve de
congelar bolsas já concedidas, bem como suspender o edital para a
chamada universal de 2019, que contempla recursos para pesquisas em diversas
áreas do conhecimento. Além das
pesquisas, a redução orçamentária pode afetar, também, o Programa Nacional de
Assistência Estudantil (Pnaes), o qual apoia a permanência de estudantes de
baixa renda na universidade.
Sobre os cortes, a UFRJ afirmou que a Universidade está, há
cinco anos, sofrendo cortes e contingências sem reposição. Sandra Regina
Goulart Almeida, reitora da Universidade Federal de Minas Gerais, em
comunicado, afirmou que “não há eficiência
administrativa que supere um corte de tamanho monte, principalmente diante das
sucessivas restrições orçamentárias dos últimos anos”.
Para Marcos Pontes, Ministro da Ciência, Tecnologia,
Inovações e Comunicações, "o orçamento
é incoerente com a importância do setor para o desenvolvimento nacional.
Recursos para ciência e tecnologia não são gastos, são investimentos. Todos os
países desenvolvidos, quando estão em crise, investem mais no setor”.
Como se não bastasse, apontada como
prioridade da gestão, a educação básica não foi poupada do contingenciamento,
tendo R$ 680 milhões congelados na educação infantil ao ensino médio e 17% dos
R$ 125 milhões do orçamento autorizado para a construção e manutenção de
creches e pré-escolas. Além disso, houve cortes de bolsas de estudo voltadas à
educação básica e em ações ligadas a livros didáticos e transporte escolar, bem
como foram suspensos 40% dos valores separados para o ensino técnico e
profissional – também apontados como prioridade no governo.
Foram bloqueados, ainda, recursos para
a compra de mobiliário e equipamentos para as escolas, capacitação de
servidores, educação de jovens e adultos (EJA) e ensino em período integral. A
revista EXAME mencionou, também, contenção em programas importantes para a
permanência de crianças de baixa renda nas escolas, como merenda (corte de R$
150,7 mil) e transporte escolar (R$ 19,7 milhões). Ou seja, em que pese
Bolsonaro e Weintraub terem afirmado que os valores decorrentes do corte das
universidades seriam destinados ao investimento na educação básica, os fatos
demonstram o oposto.
Para Mônica Gardelli Franco,
diretora-executiva do CENPEC Educação (Centro de Estudos e Pesquisas em
Educação e Cultura), “não se faz educação básica de qualidade sem universidade
fortalecida”. Isso porque são os educadores profissionais que dão suporte às
escolas. Franco afirmou, ainda, que a maior defesa é por recursos na educação
básica, mas sem que sejam retirados das universidades. Para ela, a educação
deve ser pensada de maneira integrada.
Por fim, Weintraub insistiu que os bloqueios de
orçamento não são cortes e poderão ser revistos casa haja retomada do
crescimento econômico. Durante sua fala na Comissão de Educação, Cultura e
Esporte (CE), ele condicionou a reversão do bloqueio das verbas à aprovação da
reforma da Previdência, acreditando que isso retomará o crescimento da
economia. Levantando, então, mais um ponto polêmico: esses cortes são realmente
uma medida necessária, ou seria apenas uma forma de pressionar políticos a
aprovar a reforma em trâmite?
Diante disso tudo é importante que os
alunos de Direito se atentem a dois pontos: i) a restrição aos direitos fundamentais sociais – como a educação; e ii) a possibilidade
de improbidade administrativa caso os cortes fossem direcionados à
Universidades específicas.
No que tange os direitos fundamentais
sociais, estes visam preservar o ser humano e a dignidade da pessoa. A educação, dentro deste contexto, se exprime como essencial para esta dignidade pois não há que se falar em dignidade em um contexto de solapamento das instituições promotoras do conhecimento. Sem qualquer pretensão de esgotar as inúmeras implicações da importância do investimento em educação, é preciso lembrar a importância premente do ensino, pesquisa e extensão nas mais variadas áreas da Ciência para a concretização de uma vida digna para todos. Nas ciências humanas e sociais, é a educação que promove a possibilidade de se refletir adequadamente sobre a sociedade e compreender o seu funcionamento; é ela quem permite entender as regras do jogo democrático, participar dele e lutar pela sua manutenção. Nas ciências naturais, o progresso cientifico possibilita a descoberta de cura para doenças, de incremento de qualidade e expectativa de vida, de aumento do bem-estar. No campo das ciências exatas e tecnológicas, o ensino propicia a inovação, a descoberta de novas formas de se conectar com o mundo e de exercer direitos.
Compreendendo a educação como direito humano e fundamental, vale lembrar do princípio do não retrocesso que permeia tais direitos. Para Barroso,
esse princípio – apesar de implícito – decorre do sistema
jurídico-constitucional, que se uma lei der concretude a um mandamento
constitucional, este é incorporado ao patrimônio jurídico da cidadania, não
podendo ser arbitrariamente suprimido. Nesse mesmo sentido, a jurisprudência
brasileira (Recurso de Agravo Regimental, interporto no RExt nº 410.715-5-SP) já
se manifestou no sentido de que a educação representa uma prerrogativa
constitucional deferida a todos. Sendo assim, cabe ao Estado se desincumbir de
sua obrigação constitucional com a criação de condições objetivas, propiciando
a todos o acesso ao sistema educacional.
Ou seja: ao fazer os mencionados cortes orçamentários, na medida em que
Universidades Públicas e escolas de educação básica ficam inviabilizadas,
retiram-se direitos sociais e, consequentemente, um direito fundamental, incorrendo em um retrocesso. Isso porque a Constituição impõe ao Poder Público a
concretização do direito à educação de forma eficaz e efetiva, proporcionando a
todos o acesso e permanência na escola, o que se vê prejudicado com o
contingenciamento.
Outro ponto contravertido, é sobre a
possibilidade de improbidade administrativa caso os cortes tivessem sido
realizados apenas às faculdades acusadas de “balbúrdia”. Essa hipótese será
avaliada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), após o pedido de
providencias protocolado pela oposição. Segundo o documento endereçado à Raquel
Dodge, Weintraub feriu, principalmente, dois artigos da Constituição Federal: o
da autonomia das universidades e o que versa sobre percentuais obrigatórios de
financiamento da educação.
Após quase duas semanas da comunicação
dos cortes, a Câmara dos Deputados aprovou a convocação do ministro da Educação
para que preste esclarecimentos ao plenário. Por se tratar de convocação,
Weintraub é obrigado a comparecer, sob pena de crime de responsabilidade.
REFERÊNCIAS:
BOLSONARO: dinheiro retirado de universidades será investido na base. Revista EXAME. 4 mai. 2019. Disponível
em: <https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-dinheiro-retirado-de-universidades-sera-investido-na-base/>.
FERNANDES, Francis Ted. Impossibilidade de retrocesso dos direitos
fundamentais sociais. Revista Consultor
Jurídico. 18 fev. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-fev-18/francis-fernandes-proibicao-retrocesso-direitos-fundamentais-sociais>.
MAIOR corte no Orçamento atingiu a Educação; Vice-Presidência foi
poupada. IstoÉ. 29 mar. 2019.
Disponível em: <https://istoe.com.br/maior-corte-no-orcamento-atingiu-a-educacao-vice-presidencia-foi-poupada/>.
MARINHO, João. Educação: bloqueios no orçamento repercutem entre especialistas
e gestores. CENPEC. 7 mai. 2019.
Disponível em: <https://www.cenpec.org.br/2019/05/noticias/educacao-corte-orcamento-mec-weintraub/>.
MARTINS, Luísa. PGR avalia se ministro comete improbidade por corte em
universidades. Valor Econômico. 30
abr. 2019. Disponível em: <https://www.valor.com.br/politica/6233545/pgr-avalia-se-ministro-comete-improbidade-por-corte-em-universidades>.
MEC contraria discurso e tira verba da educação básica, além de
faculdades. Revista EXAME. 6 mai.
2019. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/brasil/mec-contraria-discurso-e-tira-verba-da-educacao-basica-alem-de-faculdades/>.
OLIVEIRA, Regiane. Os primeiros efeitos da asfixia financeira de
Bolsonaro sobre as ciências do Brasil. El
País Brasil. 6 mai. 2019. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/02/politica/1556819618_348570.html>.
SALDAÑA, Paulo. Ministro da Educação diz que bloqueio não é corte e que
medida pode ser revista. Folha de S.
Paulo. 7 mai. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/ministro-da-educacao-diz-que-bloqueio-nao-e-corte-e-que-medida-pode-ser-revista.shtml>.
SOARES, Dilmanoel de Araújo. O direito fundamental à educação e a
teoria do não retrocesso social. Revista
de Informação Legislativa. Brasília, a. 47, n. 186 abr./jun. 2010.
VIANA, Isabella. Mônica Gardelli Franco: “Não se faz educação básica de
qualidade sem universidade fortalecida”. CENPEC.
08 mai. 2019. Disponível em: <https://www.cenpec.org.br/2019/05/noticias/monica-gardelli-nao-se-faz-educacao-basica-de-qualidade-sem-universidade-fortalecida/>.
VIVAS, Fernanda. Câmara convoca ministro para explicar nesta
quarta-feira bloqueio de verbas na Educação. G1 Globo. 14 mai. 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/05/14/camara-aprova-convocacao-do-ministro-da-educacao.ghtml>.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário