Por Alan José de
Oliveira Teixeira* e
Rafaella Pacheco**
Inaugurando a série “Mulheres de Destaque”, destinada a
realizar entrevistas com mulheres que se destacam em seu meio, notadamente no
ambiente profissional e acadêmico, a primeira escolhida é Maria da Glória
Colucci, advogada e professora titular de Teoria do Direito do UNICURITIBA. A
professora é Mestre em Direito Público pela UFPR e Especialista em Filosofia do
Direito pela PUC/PR.
Formada em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, da
Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1968, a entrevistada vivenciou, enquanto
estudante, um dos períodos antidemocráticos do país: a Ditadura Militar de 64.
De origem carioca, sua vinda para Curitiba ocorreu em 1977,
sendo que, em 1978, foi aprovada em concurso público para professora adjunta na
UFPR. No mesmo ano, em fevereiro de 1978, começou a lecionar na
Faculdade de Direito de Curitiba (atual UNICURITIBA). Naquela época, existiam
apenas duas professoras no corpo docente da faculdade, num ambiente em que a
maioria era masculina (oitenta professores).
Em 1998, Maria da Glória Colucci foi a primeira Diretora da
Faculdade de Direito de Curitiba. A professora lecionou simultaneamente nas
duas instituições (UFPR e Curitiba) durante trinta anos. Ao longo dos seus mais de quarenta anos de docência jurídica, Maria
da Glória Colucci recebeu diversas premiações e homenagens pelas suas
contribuições acadêmicas e literárias.
Com propensão à poesia, Colucci afirma que “palavras são
sementes”. Segundo ensina, o discurso poético pode educar, ensinar, advertir, mas
também manchar, ferir, prejudicar e, até mesmo, “matar” a alma e os sentimentos
de alguém. Atualmente, é membra da Academia
Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia, na “cadeira 9”, dedicada
à patronesse Cecília Meireles.
A professora só escreve à mão. Inclusive seus livros. Recebe
apenas um auxílio na digitação de seus textos. Mãe, poetisa, advogada,
professora e pesquisadora, neste mês de maio registramos com esta entrevista nossa
homenagem a Maria da Glória Colucci, uma mulher de destaque.
Blog UNICURITIBA Fala Direito: Pesquisas recentes mostram que as
mulheres são a maioria discente no ensino superior no Brasil, porém, ainda são
a minoria a ocupar cadeiras na docência destas instituições de ensino superior.
A senhora iniciou seus estudos no Direito na década de 1960, mas a docência já
a acompanhava desde cedo. A senhora poderia nos contar sobre sua trajetória na
docência e no Direito, principalmente sob o seu olhar como mulher em busca do
seu espaço na academia, e sobre períodos de instabilidade política e
transformações sociais e jurídicas que a senhora presenciou e viveu?
Professora Maria da Glória Colucci: Apesar do grande número de mulheres
dedicadas ao saber científico no país, ainda há muita desconfiança quanto à
capacitação intelectual de professoras no ensino superior. Recentemente, a
Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) fez minucioso
levantamento sobre o número de mulheres cientistas no Brasil e constatou que,
apesar de muitas, possuem pouca visibilidade. Razões de ordem política e social
conferem no ambiente acadêmico poucas oportunidades de crescimento profissional
às mulheres, porque ainda há muitos preconceitos quanto à qualidade e seriedade
do labor feminino no ensino e na pesquisa... (medo masculino?).
Iniciei na docência antes mesmo de
ingressar no curso de Direito, quando me preparava para o vestibular, dando
aulas em cursinhos preparatórios de Gramática da Língua Portuguesa, com apenas
17 (dezessete) anos.
Ingressei no Curso de Direito em
1964, em março, na ocasião da Revolução “Gloriosa” (como era chamada), na
Universidade do Brasil, na Faculdade Nacional de Direito, no Rio de Janeiro. À
época os docentes eram em sua maioria homens, havendo, apenas, uma mulher como
catedrática – Profª. Regina Gondin, que lecionou nos cinco anos do curso a
matéria de Direito Civil e Romano.
Os tempos de instabilidade política e
grandes transformações sociais ocorreram na década de 80, com movimentos
sociais, a exemplo do “Diretas Já!”, durante os quais as mulheres tiveram
intensa participação em passeatas, conferências e inflamados discursos. Em particular, devido à minha
dedicação aos estudos e ao trabalho, não tive grandes envolvimentos neste
período, por causa dos perigos representados pelo desaparecimento de pessoas,
sobretudo jovens, em decorrência da ação do DOPS e do SNI.
Algo que marcou minha vida neste
período foi a não realização da solenidade de formatura (em 1968-1969), pelo
fato do Teatro Municipal do Rio de Janeiro ter sido fechado pelos militares,
temerosos com o grande número de pessoas e a presença do paraninfo Juscelino Kubitschek
de Oliveira.
Blog: A senhora possui uma vasta e versátil
produção intelectual e artística, com artigos, obras e poesias publicadas.
Certa vez, em aula, a senhora comentou que possui uma rotina rigorosa de
estudos. Como a senhora concilia produção teórica, docência, eventos,
orientações e produção poética? E como escolhe os temas abordados em sua
produção intelectual visto que a senhora transita em questões sobre tecnologia,
gênero, pacto global, entre outros?
Professora: Qualquer rotina de estudos requer
disciplina e prazer na obtenção do conhecimento. Evitar a dispersão (telefone,
televisão e internet) é essencial, porque o foco é que gera os resultados mais
promissores.
A produção intelectual se amplia cada
vez mais, ou seja, à medida que vamos abrindo espaços ao saber, a diversidade
de perspectivas aumenta, abrangendo ciência, técnica, arte, religião etc.
Os temas aparecem das mais diferentes
fontes, mas, sobretudo, pela leitura e pelo interesse em novos saberes; pela
mutabilidade natural dos fatos humanos, ricos e dotados de complexidade
simbólica, fortemente marcada pelo sentido de “existir” e “viver” em um mundo
conturbado.
Em especial, as ciências humanas e
sociais, onde se insere o Direito, oferecem contínuos desafios à solução de
problemas, que não se limitam às relações interpessoais, mas abrangem o
ambiente natural, animal e, atualmente, interplanetário.
Tenho grande fascínio pelos livros,
sobretudo de Direito, lembrando que um texto científico não precisa ser
incompreensível ou mesmo “indigesto”, para ser considerado de qualidade para
ser publicado.
Existe a falsa ideia de que artigos
científicos, na área do Direito, não conseguem ser agradáveis, cativantes à
leitura. Porém, este é um grande engano, porque depende muito mais da
estrutura, das ideias e da forma como o autor o elabora, do que da natureza em
si do texto.
Escrever é uma técnica que, uma vez
aprendida, se aplica a praticamente todos os conteúdos; por isso é que existe a
disciplina Metodologia da Pesquisa Científica, cujos subsídios são de essencial
importância a quem deseja produzir artigos científicos.
Blog: A senhora enfatiza a importância de
uma visão crítica aliada ao desenvolvimento cultural (seja pela literatura,
música, teatro etc.) para uma prosperidade intelectual. Nós observamos o seu
exemplo principalmente no campo da poesia. Com a poesia Banal, a senhora exalta a importância e a força das palavras, atribui
ao sujeito que as profere a responsabilidade sobre aquilo que é dito. Há uma
sintonia entre a Colucci do meio jurídico e a Colucci poetisa nesta poesia. A
senhora confirma esta correlação? Qual é o papel da poesia em sua vida, e o
papel da palavra em sua carreira jurídica, acadêmica e artística?
Professora: O cérebro humano tem sido pouco
explorado, exercitado, principalmente depois que se passou a louvar a
“inteligência artificial”, como ultima ratio na produção do saber. Danos
evidentes se verificam em sala de aula, quando os jovens estão chegando cada
vez menos informados e confiando que a “máquina” vai suprir seu crescente
desconhecimento sobre si mesmos e o mundo que os rodeia.
Na poesia “Banal”, que recebeu
recentemente destaque poético em seleção feita por especialistas em literatura,
a mensagem central é do significado ético das palavras; da força existencial de
que são dotadas as palavras que empregamos. Podem ser estímulos, desafios,
esperança etc., ou representar desânimo, tristeza, maldade, inveja,
preconceitos e assim em diante.
Palavras são sementes. Colhemos em
nossa carreira profissional, na vida familiar, pública, pessoal, de amizade
etc., o que falamos!! Se conseguirmos colocar um “freio” em nossa língua (é
muito difícil), muitos aspectos vão mudar, vale dizer, teremos como resultados
o que “antes” dissemos (semeamos).
A poesia, ou melhor, o discurso
poético, entendido “discurso” como mensagem entre emissor e receptor, pode
educar, ensinar, advertir etc.; mas também manchar, ferir, prejudicar e, até
mesmo, “matar” a alma e os sentimentos de alguém.
Não há grande diferença entre o poder
da linguagem no Direito e fora dele; um exemplo poético de linguagem jurídica
está na obra de Francesco Carnelutti – As Misérias do Processo Penal; ou de
Eduardo Couture – Os Mandamentos do Advogado.
Embora haja diferenças entre o que
somos no ambiente profissional e privado, os traços de personalidade permanecem
os mesmos; quais sejam: procuro ser organizada, responsável, reservada, amiga
etc., até porque vivemos pouco tempo neste mundo e devemos evitar todos os
conflitos que estiverem ao nosso alcance evitar...
Blog: A professora tem utilizado de
recursos da internet para publicar alguns de seus textos, a exemplo, no blog Rubicandaras Colucci. A respeito da sua
forma de preparar, orientar e, enfim, produzir um texto, qual seria seu método?
Há algum rito específico?
Professora: Costumo escrever a partir do que
“sei” sobre o assunto, valendo-me dos meios existentes ao alcance, sobretudo, a
observação, a dedução e a indução, porque podemos ser influenciados pelo que os
outros dizem.
Após refletir sobre a temática
explanada, fundamento-me na Constituição e na doutrina existente; todavia,
predomina em meus textos o que penso sobre o assunto. Somente após longos anos
de estudos adquiri esta “coragem” de produzir um texto jurídico, sem medo das
críticas...
Blog: O que você diria para às mulheres que
estão iniciando a carreira jurídica ou pensando em cursar Direito?
Professora: A quem pretende cursar Direito,
sugiro que estude muito, no mínimo 2 (duas) horas por dia, porque o tempo vai
lhe ensinar que precisará estudar 10 (dez) ou mais horas para enfrentar o labor
profissional no ensino ou na prática do Direito.
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