Por: Giovanna Maciel*
A questão foi levantada logo após a eleição do atual Presidente, no
final de outubro de 2018. Na ocasião, a Deputada catarinense Ana Caroline
Campagnolo (PSL) criou um canal de denúncias contra “manifestações
político-partidárias” nas escolas, incitando alunos a filmarem ou gravarem as
aulas e enviarem a um número de celular as supostas denúncias de discursos que
ofendessem sua liberdade de crença ou consciência. Em abril deste ano, a
situação voltou à tona, quando uma aluna gravou um vídeo de uma professora
criticando Olavo de Carvalho. Na ocasião, o Ministro da Educação, Abraham
Weintraiub afirmou que é direito dos alunos filmar seus professores.
A partir daí, levantamos a questão: até que ponto é direito do aluno?
De fato, muitos alunos preferem gravar o conteúdo para poder retomar os
estudos em outro momento e melhorar o aprendizado ou revisar a matéria. Não há
problema nenhum nisso, desde que haja concordância entre o(s) professor(es) e
demais aluno(s).
O ponto polêmico se dá pela divulgação destes vídeos. Isso porque, além
de ferir o direito à imagem dos envolvidos, fere também os diretos autorais do
professor, o qual programou a aula e produziu o material – seja verbal, escrito
ou visual. Sobre isso,
há uma lei inteira para tratar do assunto (Lei 9.610/1998), dando segurança
jurídica às obras, inclusive as intelectuais. Na lei, faz-se referência aos
danos morais do autor, que inclui, no artigo 24, inciso IV “o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a
quaisquer modificações ou à prática de
atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor,
em sua reputação ou honra”.
Mais do que direitos autorais e direito à
imagem, o recente problema levantou outra polêmica: o uso de gravações para
tentar limitar a liberdade de ensino (ou cátedra) e querendo impedir uma
suposta opinião político-partidária.
Ressalta-se, que a nossa atual constituição apresenta um rol de artigos
dedicados à educação, entre eles o artigo 6º, bem como os artigos 205 a 214,
que trazem como proposta o pleno
desenvolvimento da pessoa. Sobre o tema, leciona Mello Filho (1986, p.
533):
[...] é mais compreensivo e
abrangente que o da mera instrução. A educação objetiva propiciar a formação
necessária ao desenvolvimento das aptidões, das potencialidades e da
personalidade do educando. O processo educacional tem por meta: (a) qualificar o educando para o trabalho;
e (b) prepará-lo para o exercício consciente da cidadania. O acesso à
educação é uma das formas de realização concreta do ideal democrático. (grifo
nosso)
Diante disso, temos que, concordando ou não com o exposto pelo
professor em sala, os posicionamentos políticos auxiliam sim no preparo para o
exercício da cidadania. Isso porque faz enxergar fora do padrão apresentado em
casa. Faz com que os alunos conheçam diferentes visões e instiga a pesquisar
mais sobre os temas e opiniões, formando suas próprias convicções e pensamentos
críticos, para que sejam capazes de decidir por si mesmos qual caminho
ideológico seguir.
Atualmente, a “liberdade de cátedra” está disposta no artigo 206, inciso
II, não mais com este nome, mas mais ampla e baseada na liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Por óbvio,
restringindo a liberdade do professor em propagar conteúdos políticos em sala
de aula, restringe-se também o seu direito de ensinar, e o do aluno de
aprender.
Igualmente, essa liberdade se justifica pelo princípio do pluralismo de
ideias e de concepções de ensino, meio pelo qual o professor pode promover uma
educação formal, sem amarras e verdadeiramente democrática, estimulando
diversas visões de mundo, estilos, valores, saberes e afetos, bem como
conhecimentos histórico-culturais, científicos e tecnológicos, reconhecimento e
valorização de diferenças, de diálogos e participação democrática. Pluralismo este
previsto, além da Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei
9.394/1996), em seu artigo 3º e na Carta de Direitos de San Salvador (artigo
13), Tratado Internacional o qual o Brasil é signatário.
Ainda sobre a liberdade de ensino, Dworkin afirma ser
uma derivação da liberdade de expressão, concretizada no âmbito especial das
instituições acadêmicas. Segundo o filósofo, esta liberdade merece proteção por
ser um instrumento de busca da verdade, sendo que um mercado de ideais – no
qual nenhuma opinião é excluída – apresenta melhores condições de se
produzir a verdade. Para ele, “temos uma chance melhor
de descobrir o que é verdadeiro, declara, se deixarmos nossos acadêmicos e suas
instituições livres do controle externo no maior grau possível” (tradução
nossa).
Diante de tudo isso, tem-se que as incitações para gravar declarações
dos professores, sem as devidas autorizações, fere o direito à intimidade, a
honra e a imagem, bem como a liberdade de ensino e aprendizagem das mais
diversas maneiras. Tais violações acarretam, inclusive, em danos morais. Além
disso, essas filmagens são vistas como inconstitucionais inclusive pela Ordem
dos Advogados do Brasil, a qual já se manifestou sobre o assunto em diversas
seccionais. Além disso, conforme a norma constitucional, não é dever do Estado
limitar as discussões de ideias, tampouco determinar uma concepção pedagógica
ao sistema educacional, em especial ao docente, que deve ter a liberdade de
expor teorias e ideologias pertinentes ao tema abordado em sala, promovendo
discussões com os alunos e assegurando o pluralismo.
REFERÊNCIAS
AGOSTINI, Renata. Ministro da Educação diz que
filmar professores em aula é direito dos alunos. O Estado de S. Paulo. 28 abr. 2019. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-da-educacao-diz-que-filmar-professores-em-aula-e-direito-dos-alunos,70002808189>.
BRASIL, Constituição. (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>.
_____. Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>.
_____. Lei nº 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos
autorais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm>
CALDAS, Andrea. Os estudantes têm direito de
gravas a aula de seus professores(as)? Revista
Fórum. 29 abr. 2019. Disponível em: <https://www.revistaforum.com.br/os-estudantes-tem-direito-de-gravar-a-aula-de-seus-professoresas/>.
CARTA de Direitos de San Salvador. Disponível
em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/e.Protocolo_de_San_Salvador.htm>.
FÁBIO, André Cabette. O que diz a lei sobre filmar professor em sala de
aula. Jornal Nexo. 30 out. 2018.
Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/10/30/O-que-diz-a-lei-sobre-filmar-professor-em-sala-de-aula>.
OLIVEIRA, Rodrigo Valin de. Dworkin
e a Liberdade de Cátedra. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=803ef56843860e4a>.
Acesso em: 30 abr. 2019.
CONSELHO pleno da OAB Paraná se posiciona pela inconstitucionalidade do
Escola Sem Partido. OAB/PR. 29 abr.
2019. Disponível em: <https://www.oabpr.org.br/conselho-pleno-da-oab-parana-se-posiciona-pela-inconstitucionalidade-do-escola-sem-partido/>.
NUNES, Sílvia Ávila; AGUIAR, Letícia Carneiro. O Direito à Liberdade de
Ensino à luz da Constituição Federal de 1988. Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação. Unisul: Tubarão.
V.11, n. 20, p. 494-511. Jun/dez 2017.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.
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