11/05/2019

Especial - Dia das Mães: Pouco conhecidos e difundidos, direitos de mães podem ser chave para bem-estar familiar

Foto de Danielle Stark - Pequena Júlia e Professora Michele





Por Felipe Ribeiro* e Michele Hastreiter**

No Brasil, o segundo domingo de maio é o dia em que se celebra o Dia das Mães. A data comemorativa foi instituída por Getúlio Vargas, pelo Decreto n° 21.366/1932, que prevê, em seu artigo primeiro: “O segundo domingo de maio é consagrado às mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana”.
De fato, nada desperta mais sentimentos e virtudes no coração humano do que o amor materno. Só quem já o experimentou conhece a absoluta impossibilidade de descrevê-lo. É um amor transformador, surreal, transcendental, quase mágico, místico. A existência da data para celebrar o elo eterno entre mães e filhos, portanto, justifica-se nos termos do Decreto.  
Atualmente, a data tem enorme peso comercial, sendo a segunda data que mais movimenta o comércio brasileiro (perdendo apenas para o Natal).
No entanto, apesar da intensidade do amor materno, as mães são unânimes em afirmar que a maternidade é cheia de desafios. Não à toa, “padecer no paraíso” é a frase mais comumente utilizada para descrever o mister materno.
Muitos dos desafios existem e persistem por questões estruturais, alheias a relação da mãe com seu filho. Machismo, ausência de políticas públicas adequadas, violência obstétrica, falta de direitos relacionados à maternidade. Por isto, mostra-se importante, neste Dia das Mães, refletir sobre os direitos maternos – que precisam ir muito além de um Decreto que meramente estabelece uma data comemorativa.
Mães e Trabalho
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) dispõe de diversas regras para o afastamento do trabalho em caso de gravidez. Aqui, é importante citarmos os artigos para que não ocorram dúvidas.
Por exemplo, ainda na gestação, o Art. 392. parágrafo 4° garante à empregada, sem prejuízo do salário a “dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames complementares”. O artigo ainda trata do afastamento após o parto. Segundo a CLT, a empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Mas, como fala o parágrafo 1°, a empregada deve, mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28° dia antes do parto e a ocorrência deste.
Em 2008, foi criado o programa Empresa Cidadã, que permite a prorrogação da licença maternidade por mais 60 dias (totalizando 180) em troca de benefícios tributários para as empresas que adotarem esta política. Desde 2009, este direito também é assegurado às mulheres que se tornaram mães através da adoção, nos mesmos termos das mães biológicas.
Uma reivindicação recente diz respeito a necessidade de se ampliar a licença paternidade  – atualmente de apenas cinco dias corridos -  inclusive como um meio de melhor garantir os direitos das mães. Isto porque o período puerperal (usualmente definido como os 40 dias após o parto, mas, alguns estudos apontam que o corpo feminino pode levar até dois anos para recuperar-se plenamente após a gravidez) é um período em que as mães precisam de suporte e cuidados, físicos e emocionais.
Além disto, a licença maternidade de 120 dias sem correspondência paterna acaba reforçando o estigma de que a criança é responsabilidade exclusiva da mãe, perpetuando a divisão desigual do trabalho doméstico e a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho.
Sobre o tema, já há algum avanço jurisprudencial. No ano passado, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região concedeu afastamento de 180 dias a um pai de gêmeos de Curitiba. Na argumentação, o auxiliar de enfermagem sustentou que a mulher necessitava de seu auxílio e que o cuidado com gêmeos demanda uma disponibilidade especial de ambos os pais. Como não há dispositivo legal que trate de gêmeos, o afastamento foi confirmado.
Uma mudança mais expressiva, porém, depende do Congresso Nacional.
Além da licença maternidade, as empregadas gestantes também possuem  estabilidade provisória – desde o início da gravidez até cinco meses após o parto. Apesar desta importante garantia, a maternidade ainda tem um impacto negativo enorme para a maior parte das mulheres-mães: uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas identificou que 48% das mulheres perdem o emprego no primeiro ano após o parto.
Direito de não ser mãe
A proteção à maternidade é cláusula pétrea e impõe ao Estado a obrigação de garantir a proteção à mãe e também ao bebê. Mas, mais forte do que isso, há uma pressão social que, de certa forma, obriga toda mulher a ser mãe.
Evidentemente,  há aquelas que não desejam sê-lo. A maternidade – para ser vivida da maneira sublime que se defende que deva ser – não pode ser compulsória, e sim uma opção.
Sem entrar na discussão do aborto, que está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) e pode ser julgado ainda em 2019, um tema bastante atual é a laqueadura feminina. Em abril do ano passado, o PSB ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5911) contra dispositivos da Lei do Planejamento Familiar no que tange ao SUS (Sistema Único de Saúde). O trecho determina que a esterilização voluntária só pode ser feita por homens e mulheres acima dos 25 anos com pelo menos 2 filhos vivos e com autorização de ambos os cônjuges.
Ao mesmo tempo, tramita no Senado Federal projeto (Número 107 de 2018) que quer revogar a exigência de que ambos os cônjuges comprovem concordância com a decisão de esterilização voluntária.
Para a professora do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), Camila Bresolin, a autorização prévia do cônjuge não parece ser inconstitucional, como muitos apontam. “O artigo 226 da Constituição Federal, ao consagrar o princípio do livre planejamento familiar, transfere a decisão relativa ao projeto parental aos cônjuges, ou seja, aos dois. Portanto, de acordo com a previsão constitucional, esta decisão seria do casal, e não da pessoa individualmente. Apesar de possível afronta ao princípio da autonomia da vontade, em virtude da natureza jurídica do casamento e/ou da união estável, acredito que não há inconstitucionalidade na decisão compartilhada. Estabelecer uma família ao casar ou constituir união estável com uma pessoa, pressupõe comunhão de vida plena, o que implica em compartilhamento das decisões tomadas pelo casal, ou seja, não se pode pretender que uma decisão desta magnitude seja um decisão unilateral, egoística. Imagina-se que deva ser objeto de debate entre em casal”, diz.
Questionada sobre uma possível mudança, a professora do Unicuritiba também disse ver um movimento que possa ser favorável a isso. “Os casais têm adotado, com muita frequência, uma postura mais individualista nos relacionamentos e a mudança social pode levar à mudança legal, no sentido de valorizar a autonomia privada, o direito ao corpo como direito fundamental de cada indivíduo, e que este argumento venha a se sobrepor sobre o argumento da formação de um casal como sociedade, como núcleo de decisões compartilhadas”, concluiu.
Violência Obstétrica
No dia 07 de maio deste ano, na semana do Dia das Mães, o Ministério da Saúde brasileiro divulgou a intenção de abolir o termo “violência obstétrica” dos documentos de políticas públicas. A expressão foi considerada inadequada por ofender a Comunidade Médica.
No entanto, não se trata de uma invenção brasileira. Na realidade, a Organização Mundial da Saúde utiliza o termo, definindo-o como "a apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida".
O Brasil, é o segundo país com maior número de cesarianas desnecessárias (perdendo apenas para a República Dominicana). 55% dos nascimentos são cirúrgicos no país – e na rede privada o número chega a 83% - enquanto a média mundial é de 21%. Estima-se uma taxa de 10 a 15% de cesáreas realmente necessárias por motivos médicos. Embora as cesáreas salvem vidas, elas geram riscos para a mãe e o bebê, que vão desde o momento da cirurgia em si até complicações em gestações futuras (gravidez ectópica, desenvolvimento anormal da placenta, entre outros).
Ademais, nota-se que pior do que uma cesariana sem necessidade é uma cesariana que não respeita a escolha da mulher. Muitas mães desejam o parto normal, mas são encaminhadas à cesárea por seus médicos por falsos motivos, e são persuadidas por argumentos sem embasamento que, em um momento emocional delicado, minam sua confiança e a capacidade de escolher como dispor sobre o seu próprio corpo. Isto, por si só, é uma violência.
No entanto, nem só de cesarianas desnecessárias é composto o “menu” da violência obstétrica: xingamentos, maus-tratos, grosserias, procedimentos dolorosos desnecessários e intimidação são frequentes em relatos de parto – o que faz com que o momento do nascimento de um filho, ao invés de um sublime desfecho do momento mágico da gestação e do encantado início de uma nova vida, pareça mais com um assustador pesadelo.
Abolir o termo, evidentemente, em nada contribuirá para solucionar todos estes problemas.  Muito melhor seria se o Ministério da Saúde estivesse comprometido a abolir a violência obstétrica não do dicionário, mas do dia a dia dos hospitais e maternidades no Brasil. 
Este, sim, seria um belo presente de Dia das Mães.

 * Felipe Ribeiro é acadêmico de Direito no UNICURITIBA. Formado em Jornalismo, integra a Equipe Editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão Universitária coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. 

** Michele Hastreiter é a Professora Coordenadora do Blog UNICURITIBA Fala Direito,  Projeto de Extensão Universitária do Curso de Direito do UNICURITIBA. Além disto, é mãe da Júlia, a ilustre garotinha da foto.  

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