Foto de Danielle Stark - Pequena Júlia e Professora Michele
Por Felipe Ribeiro* e Michele Hastreiter**
No Brasil, o segundo domingo de maio é o dia em que se
celebra o Dia das Mães. A data comemorativa foi instituída por Getúlio Vargas,
pelo Decreto n° 21.366/1932, que prevê, em seu artigo primeiro: “O segundo domingo de maio é consagrado às
mães, em comemoração aos sentimentos e virtudes que o amor materno concorre
para despertar e desenvolver no coração humano, contribuindo para seu
aperfeiçoamento no sentido da bondade e da solidariedade humana”.
De fato, nada desperta mais sentimentos e virtudes no
coração humano do que o amor materno. Só quem já o experimentou conhece a
absoluta impossibilidade de descrevê-lo. É um amor transformador, surreal, transcendental,
quase mágico, místico. A existência da data para celebrar o elo eterno entre
mães e filhos, portanto, justifica-se nos termos do Decreto.
Atualmente, a data tem enorme peso comercial, sendo a
segunda data que mais movimenta o comércio brasileiro (perdendo apenas para o Natal).
No entanto, apesar da intensidade do amor materno, as mães
são unânimes em afirmar que a maternidade é cheia de desafios. Não à toa, “padecer
no paraíso” é a frase mais comumente utilizada para descrever o mister materno.
Muitos dos desafios existem e persistem por questões
estruturais, alheias a relação da mãe com seu filho. Machismo, ausência de
políticas públicas adequadas, violência obstétrica, falta de direitos
relacionados à maternidade. Por isto, mostra-se importante, neste Dia das Mães,
refletir sobre os direitos maternos – que precisam ir muito além de um Decreto
que meramente estabelece uma data comemorativa.
Mães e Trabalho
A CLT
(Consolidação das Leis do Trabalho) dispõe de diversas regras para o
afastamento do trabalho em caso de gravidez. Aqui, é importante citarmos os
artigos para que não ocorram dúvidas.
Por
exemplo, ainda na gestação, o Art. 392. parágrafo 4° garante à empregada, sem
prejuízo do salário a “dispensa do horário de trabalho pelo tempo necessário
para a realização de, no mínimo, seis consultas médicas e demais exames
complementares”. O artigo ainda trata do afastamento após o parto. Segundo a CLT, a
empregada gestante tem direito à licença-maternidade de 120 dias, sem prejuízo
do emprego e do salário. Mas, como fala o parágrafo 1°, a empregada deve,
mediante atestado médico, notificar o seu empregador da data do início do
afastamento do emprego, que poderá ocorrer entre o 28° dia antes do parto e a
ocorrência deste.
Em 2008,
foi criado o programa Empresa Cidadã, que permite a prorrogação da licença
maternidade por mais 60 dias (totalizando 180) em troca de benefícios
tributários para as empresas que adotarem esta política. Desde 2009, este
direito também é assegurado às mulheres que se tornaram mães através da adoção,
nos mesmos termos das mães biológicas.
Uma
reivindicação recente diz respeito a necessidade de se ampliar a licença
paternidade – atualmente de apenas cinco
dias corridos - inclusive como um meio de
melhor garantir os direitos das mães. Isto porque o período puerperal (usualmente
definido como os 40 dias após o parto, mas, alguns estudos apontam que o corpo
feminino pode levar até dois anos para recuperar-se plenamente após a gravidez)
é um período em que as mães precisam de suporte e cuidados, físicos e emocionais.
Além disto,
a licença maternidade de 120 dias sem correspondência paterna acaba reforçando
o estigma de que a criança é responsabilidade exclusiva da mãe, perpetuando a
divisão desigual do trabalho doméstico e a discriminação contra a mulher no
mercado de trabalho.
Sobre o
tema, já há algum avanço jurisprudencial. No ano passado, o Tribunal Regional
Federal da 4ª Região concedeu afastamento de 180 dias a um pai de gêmeos de
Curitiba. Na argumentação, o auxiliar de enfermagem sustentou que a mulher
necessitava de seu auxílio e que o cuidado com gêmeos demanda uma disponibilidade
especial de ambos os pais. Como não há dispositivo legal que trate de gêmeos, o
afastamento foi confirmado.
Uma mudança
mais expressiva, porém, depende do Congresso Nacional.
Além da
licença maternidade, as empregadas gestantes também possuem estabilidade provisória – desde o início da
gravidez até cinco meses após o parto. Apesar desta importante garantia, a
maternidade ainda tem um impacto negativo enorme para a maior parte das
mulheres-mães: uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas identificou que 48% das mulheres perdem o emprego no primeiro ano após o parto.
Direito de
não ser mãe
A proteção
à maternidade é cláusula pétrea e impõe ao Estado a obrigação de garantir a
proteção à mãe e também ao bebê. Mas, mais forte do que isso, há uma pressão social
que, de certa forma, obriga toda mulher a ser mãe.
Evidentemente,
há aquelas que não desejam sê-lo. A maternidade
– para ser vivida da maneira sublime que se defende que deva ser – não pode
ser compulsória, e sim uma opção.
Sem entrar
na discussão do aborto, que está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF)
e pode ser julgado ainda em 2019, um tema bastante atual é a
laqueadura feminina. Em abril do ano passado, o PSB ajuizou Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI 5911) contra dispositivos da Lei do Planejamento
Familiar no que tange ao SUS (Sistema Único de Saúde). O trecho determina que a
esterilização voluntária só pode ser feita por homens e mulheres acima dos 25
anos com pelo menos 2 filhos vivos e com autorização de ambos os cônjuges.
Ao mesmo
tempo, tramita no Senado Federal projeto (Número 107 de 2018) que quer revogar
a exigência de que ambos os cônjuges comprovem concordância com a decisão de
esterilização voluntária.
Para a
professora do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), Camila Bresolin, a
autorização prévia do cônjuge não parece ser inconstitucional, como muitos
apontam. “O artigo 226 da Constituição
Federal, ao consagrar o princípio do livre planejamento familiar, transfere a
decisão relativa ao projeto parental aos cônjuges, ou seja, aos dois. Portanto,
de acordo com a previsão constitucional, esta decisão seria do casal, e não da
pessoa individualmente. Apesar de possível afronta ao princípio da autonomia da
vontade, em virtude da natureza jurídica do casamento e/ou da união estável,
acredito que não há inconstitucionalidade na decisão compartilhada. Estabelecer
uma família ao casar ou constituir união estável com uma pessoa, pressupõe
comunhão de vida plena, o que implica em compartilhamento das decisões tomadas
pelo casal, ou seja, não se pode pretender que uma decisão desta magnitude seja
um decisão unilateral, egoística. Imagina-se que deva ser objeto de debate
entre em casal”, diz.
Questionada
sobre uma possível mudança, a professora do Unicuritiba também disse ver um
movimento que possa ser favorável a isso. “Os
casais têm adotado, com muita frequência, uma postura mais individualista nos
relacionamentos e a mudança social pode levar à mudança legal, no sentido de
valorizar a autonomia privada, o direito ao corpo como direito fundamental de
cada indivíduo, e que este argumento venha a se sobrepor sobre o argumento da
formação de um casal como sociedade, como núcleo de decisões compartilhadas”,
concluiu.
Violência
Obstétrica
No dia 07
de maio deste ano, na semana do Dia das Mães, o Ministério da Saúde brasileiro divulgou a intenção de abolir o termo “violência
obstétrica” dos documentos de políticas públicas. A expressão foi considerada
inadequada por ofender a Comunidade Médica.
No entanto,
não se trata de uma invenção brasileira. Na realidade, a Organização Mundial da
Saúde utiliza o termo, definindo-o como "a apropriação do corpo da mulher
e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um
tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos
naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas
próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem
consequências negativas em sua qualidade de vida".
O Brasil, é o segundo país com maior número de cesarianas desnecessárias (perdendo apenas para a República Dominicana). 55% dos nascimentos são cirúrgicos no país – e na
rede privada o número chega a 83% - enquanto a média mundial é de 21%.
Estima-se uma taxa de 10 a 15% de cesáreas realmente necessárias por motivos
médicos. Embora as cesáreas salvem vidas, elas geram riscos para a mãe e o
bebê, que vão desde o momento da cirurgia em si até complicações em gestações
futuras (gravidez ectópica, desenvolvimento anormal da placenta, entre outros).
Ademais,
nota-se que pior do que uma cesariana sem necessidade é uma cesariana que não
respeita a escolha da mulher. Muitas mães desejam o parto normal, mas são encaminhadas à cesárea por seus
médicos por falsos motivos, e são persuadidas por argumentos sem embasamento
que, em um momento emocional delicado, minam sua confiança e a capacidade de escolher
como dispor sobre o seu próprio corpo. Isto, por si só, é uma violência.
No entanto,
nem só de cesarianas desnecessárias é composto o “menu” da violência obstétrica:
xingamentos, maus-tratos, grosserias, procedimentos dolorosos desnecessários e
intimidação são frequentes em relatos de parto – o que faz com que o momento do
nascimento de um filho, ao invés de um sublime desfecho do momento mágico da
gestação e do encantado início de uma nova vida, pareça mais com um assustador
pesadelo.
Abolir o
termo, evidentemente, em nada contribuirá para solucionar todos estes problemas.
Muito melhor seria se o Ministério da
Saúde estivesse comprometido a abolir a violência obstétrica não do dicionário,
mas do dia a dia dos hospitais e maternidades no Brasil.
Este, sim, seria um
belo presente de Dia das Mães.
* Felipe Ribeiro é acadêmico de Direito no UNICURITIBA. Formado em Jornalismo, integra a Equipe Editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão Universitária coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
** Michele Hastreiter é a Professora Coordenadora do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão Universitária do Curso de Direito do UNICURITIBA. Além disto, é mãe da Júlia, a ilustre garotinha da foto.
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