Prof. Roosevelt Arraes
O STF decidiu, nesta semana,
que não é possível aumentar a pena-base do condenado, por maus antecedentes, na
forma do art. 59 do CP, quando houver transcorrido mais de 5 anos desde
a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I).
A decisão vale-se de princípios
como o da dignidade da pessoa humana, da proibição de excesso e da
proporcionalidade.
Também se destacam as teses de que:
a) se o réu não pode ter a pena aumentada pela reincidência, não faria sentido
em exasperá-la pelos maus antecedentes; b) não se admite penas, sanções ou
restrições jurídicas perpétuas, o que justificaria o “silenciamento” das
instituições quanto à valoração da vida pregressa dos indivíduos.
A decisão é interessante, e também
pode ser analisada sob a perspectiva de que o Estado Democrático de Direito não
trabalha com as categorias estigmatizantes como a do criminoso como “eterno
pecador”, que sempre deverá ser malquisto pela sociedade. Noutros termos, a
decisão parece sustentar a tese de que o Direito Penal deve ocupar-se em
reprovar, em primeiro lugar, os atos ilícitos.
Qual a sua opinião sobre o tema:
a) Poderia o Poder Judiciário ignorar um fato ilícito anteriormente
praticado pelo réu, ao fixar a pena pela prática de um novo crime?
b) Os maus antecedentes revelam algum defeito moral do agente?
c) O direito penal deve ocupar-se de aspectos morais e sobre a forma de vida das pessoas?
c) O direito penal deve ocupar-se de aspectos morais e sobre a forma de vida das pessoas?
d) A função ressocializadora da pena seria alcançada para condenados
reincidentes? Restaria, outras alternativas para o direito penal, senão
neutralizá-los por meio de penas severas restritivas de liberdade?
Segue abaixo o inteiro teor do
acórdão do STF:
HC 126.315/SP*
RELATOR: Ministro Gilmar Mendes
EMENTA: Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3. Aumento da pena-base. Não aplicação da causa de diminuição do § 4º do art. 33, da Lei 11.343/06. 4. Período depurador de 5 anos estabelecido pelo art. 64, I, do CP. Maus antecedentes não caracterizados. Decorridos mais de 5 anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes. Aplicação do princípio da razoabilidade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. 5. Direito ao esquecimento. 6. Fixação do regime prisional inicial fechado com base na vedação da Lei 8.072/90. Inconstitucionalidade. 7. Ordem concedida.
RELATÓRIO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado pela Defensoria Pública da União, em favor de **, em face de acórdão emanado da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao Agravo Regimental no REsp 1.396.731/SP.
O paciente foi preso em flagrante em 8.10.2010, porquanto teria consigo, para consumo de terceiros, 32 (trinta e duas) porções de cocaína e 50 (cinquenta) porções de crack, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, além da quantia de R$ 211,00 (duzentos e onze reais).
Após as diligências investigativas, foi denunciado pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
Em 28.12.2010, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 1ª Vara da Comarca de Aparecida/SP.
As informações referentes à vida pregressa do paciente constam no eDOC 3, p. 24-52.
Transcorrida a instrução criminal,
sobreveio condenação na qual o então réu recebeu a reprimenda de 5 (cinco) anos
e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e o pagamento de 583 dias-multa.
Interposta apelação defensiva no TJ/SP, esta foi parcialmente provida, tendo sido redimensionada a pena para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, com manutenção do regime inicial fechado para cumprimento da pena, e o pagamento de 250 dias-multa, afastando-se a circunstância desfavorável referente aos maus antecedentes, com fixação da pena-base no mínimo legal e aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/2. Confiram-se os termos da ementa:
Interposta apelação defensiva no TJ/SP, esta foi parcialmente provida, tendo sido redimensionada a pena para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, com manutenção do regime inicial fechado para cumprimento da pena, e o pagamento de 250 dias-multa, afastando-se a circunstância desfavorável referente aos maus antecedentes, com fixação da pena-base no mínimo legal e aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, no patamar de 1/2. Confiram-se os termos da ementa:
“TÓXICO - Crime de tráfico - Quadro probatório que se mostra seguro e coeso para evidenciar autoria e materialidade do delito - Inexistência de dúvida que justifica o decreto condenatório - Impossibilidade de desclassificação para o crime de posse de drogas para uso pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/06) - Condenação mantida - Dosimetria da pena - Não reconhecimento de maus antecedentes - Decurso do período depurador (art. 64, I, CP) - Fixação da pena-base no mínimo legal - Acusado que preenche todos os requisitos exigidos para aplicação da causa de diminuição (art. 33, § 4º) - Quantidade e variedade do tóxico que justifica a fixação do redutor na fração intermediária - Regime inicial fechado que decorre de expressa previsão legal - Recurso parcialmente provido”. (eDOC 4, p. 23).
Daí, a interposição de recurso especial pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. O apelo especial foi admitido pelo Tribunal estadual e provido, monocraticamente, pelo Superior Tribunal de Justiça, determinando-se o restabelecimento da sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau, tendo em vista a efetiva existência de maus antecedentes.
Interposto agravo regimental pela defesa, a Sexta Turma do STJ negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:
“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE TRÁFICO. DECURSO DE LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A CINCO ANOS ENTRE O TÉRMINO DA CONDENAÇÃO ANTERIOR E A DATA DO NOVO CRIME. RECONHECIMENTO DE MAUS ANTECEDENTES. POSSIBILIDADE. - É firme neste Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que as condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo de 5 anos de que cuida o art. 64, inciso I, do Código Penal, constituem fundamento idôneo para justificar a exasperação da pena-base, ao passo que, embora esse período afaste os efeitos da reincidência, não o faz quanto aos maus antecedentes. Precedentes.
- Agravo regimental desprovido”.
Nesta Corte, a defesa argumenta que condenações anteriores transitadas em julgado, alcançadas pelo prazo depurador de 5 anos, que já não mais geram efeitos negativos da reincidência, também não podem configurar maus antecedentes, sob pena de se atribuírem efeitos perpétuos às condenações.
Aduz que o entendimento da Primeira Turma (HC 119.200/PR) é no sentido de não poderem ser consideradas maus antecedentes condenações anteriores cujas penas foram extintas há mais de cinco anos.
Questiona também a fixação de regime fechado para cumprimento de pena, considerando que as penas fixadas tanto em primeiro grau (5 anos e 6 meses) quanto no Tribunal de origem (2 anos e 6 meses), segundo os critérios do art. 33, § 2º, do CP, demonstram a necessidade de se fixar o regime inicial diverso do fechado.
Após a apreciação pelo Ministro Presidente desta Corte, com base no art. 13 do RI/STF, a impetração veio a minha apreciação.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do writ e, se conhecido, pela denegação da ordem.
Em 4.3.2015, indeferi a liminar.
É o relatório.
VOTO: Conforme relatado, a defesa impetrou o presente habeas corpus buscando o reconhecimento de que as condenações transitadas em julgado alcançadas pelo prazo de cinco anos de que cuida o inciso I do artigo 64 do Código Penal não constituem fundamento idôneo à exasperação da pena-base a título de maus antecedentes. Dessa forma, pretende a Defensoria Pública o restabelecimento da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que seja reduzida a pena-base do ora paciente e alterado regime prisional inicial de cumprimento da reprimenda, atualmente fixado no fechado.
O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao REsp n. 1.396.731/SP, ao acolher a tese do Ministério Público segundo a qual, transcorrido o período depurativo do art. 64, inciso I, do CP, não podem as condenações anteriores ser consideradas para reincidência, mas legitimam, por outro lado, exasperação da pena-base como configuradoras de maus antecedentes. Como consequência de tal entendimento, a pena-base, antes fixada no mínimo legal, foi restabelecida em 5 anos e 10 meses de reclusão e assim tornada definitiva, porquanto vedada a aplicação da privilegiadora do § 4º do artigo 33 da Lei de Drogas, ante o afastamento da primariedade.
Desde logo, entendo assistir razão à defesa.
Impende ressaltar, por oportuno,
que a celeuma em debate teve repercussão geral reconhecida (RE nº
593.818-RG/SC, de relatoria do min. Roberto Barroso), não havendo, ainda,
pronunciamento definitivo desta Corte.
Tecidas as considerações pertinentes, mister se faz analisar a preleção do art. 64, inciso I, do Código Penal, in verbis:
Tecidas as considerações pertinentes, mister se faz analisar a preleção do art. 64, inciso I, do Código Penal, in verbis:
“Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.”
Extrai-se da leitura do dispositivo transcrito que o período depurador de cinco anos tem aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não possa mais influenciar no quantum de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos.
Com efeito, é assente que a ratio legis consiste em apagar da vida do indivíduo os erros do passado, considerando que já houve o devido cumprimento da punição, sendo inadmissível que se atribua à condenação o status de perpetuidade, sob pena de violação aos princípios constitucionais e legais, sobretudo o da ressocialização da pena.
A Constituição Federal veda
expressamente, na alínea b do inciso XLVII do artigo 5º, as penas de caráter
perpétuo. Tal dispositivo suscita questão acerca da proporcionalidade da pena e
de seus efeitos para além da reprimenda corporal propriamente dita.
Ora, a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade.
Ora, a possibilidade de sopesarem-se negativamente antecedentes criminais, sem qualquer limitação temporal ad aeternum, em verdade, é pena de caráter perpétuo mal revestida de legalidade.
Como bem apontado por Luiz Luisi
em conferência proferida no Seminário Internacional “O Tribunal Internacional e
a Constituição Brasileira”, promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do
Conselho da Justiça Federal em 30.9.99, as penas de caráter perpétuo têm sido
proibidas em diversos textos constitucionais, inclusive em países da própria
América Latina. Nas palavras do professor:
“(...) No Brasil, a proibição das penas perpétuas – pode-se afirmar – é já uma tradição constitucional.
A primeira das nossas Constituições Federais a proibir a pena de prisão perpétua foi a de 16 de julho de 1934. (...)”
Especificamente quanto à proibição constitucional das penas de caráter perpétuo é preciso ressaltar a sua inserção no título dos direitos e garantias individuais. É de se enfatizar que não se trata de um princípio, mas de uma verdadeira regra, embora esta se embase em um princípio. É necessário relevar que no caput do art. 5º, da Constituição vigente, no qual estão enumerados os direitos e deveres individuais e coletivos, está consagrada a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
É óbvio que consagrada constitucionalmente a inviolabilidade da liberdade, a sua privação e restrição há de ter caráter excepcional, notoriamente quando presentes exigências de proteção de outros direitos invioláveis, ou seja, da vida, da propriedade e da segurança. A tutela desses bens impõe, quando gravemente ofendidos, e as outras sanções que se revelem impotentes, o sacrifício da liberdade. Mas é logicamente evidente que a possibilidade de supressão total de liberdade, ou seja, a supressão perpétua de liberdade implica negar a sua inviolabilidade. Não é concebível a inviolabilidade da liberdade sem que se impeça a possibilidade de sua integral eliminação. Proibir, pois, as penas perpétuas, como o faz expressamente a nossa Constituição, é um consectário necessário do princípio, também constitucional, da inviolabilidade da liberdade.
Acresce, ainda, que o princípio da humanidade permeia a Constituição brasileira vigente. A sua presença é evidente em uma série de incisos do art. 5º. Basta lembrar que são disposições constitucionais ser assegurado aos presos a integridade física e moral, a proibição de pena de trabalhos forçados, as cruéis, e outras similares. Destarte a proibição de penas perpétuas é um corolário da orientação humanitária ordenada pela Constituição, como princípio orientador da legislação penal.
“(...) No Brasil, a proibição das penas perpétuas – pode-se afirmar – é já uma tradição constitucional.
A primeira das nossas Constituições Federais a proibir a pena de prisão perpétua foi a de 16 de julho de 1934. (...)”
Especificamente quanto à proibição constitucional das penas de caráter perpétuo é preciso ressaltar a sua inserção no título dos direitos e garantias individuais. É de se enfatizar que não se trata de um princípio, mas de uma verdadeira regra, embora esta se embase em um princípio. É necessário relevar que no caput do art. 5º, da Constituição vigente, no qual estão enumerados os direitos e deveres individuais e coletivos, está consagrada a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
É óbvio que consagrada constitucionalmente a inviolabilidade da liberdade, a sua privação e restrição há de ter caráter excepcional, notoriamente quando presentes exigências de proteção de outros direitos invioláveis, ou seja, da vida, da propriedade e da segurança. A tutela desses bens impõe, quando gravemente ofendidos, e as outras sanções que se revelem impotentes, o sacrifício da liberdade. Mas é logicamente evidente que a possibilidade de supressão total de liberdade, ou seja, a supressão perpétua de liberdade implica negar a sua inviolabilidade. Não é concebível a inviolabilidade da liberdade sem que se impeça a possibilidade de sua integral eliminação. Proibir, pois, as penas perpétuas, como o faz expressamente a nossa Constituição, é um consectário necessário do princípio, também constitucional, da inviolabilidade da liberdade.
Acresce, ainda, que o princípio da humanidade permeia a Constituição brasileira vigente. A sua presença é evidente em uma série de incisos do art. 5º. Basta lembrar que são disposições constitucionais ser assegurado aos presos a integridade física e moral, a proibição de pena de trabalhos forçados, as cruéis, e outras similares. Destarte a proibição de penas perpétuas é um corolário da orientação humanitária ordenada pela Constituição, como princípio orientador da legislação penal.
Nessa perspectiva, por meio de cotejo das regras basilares de hermenêutica, constata-se que, se houve o objetivo primordial de afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão deve-se aplicar tal raciocínio aos maus antecedentes.
Advirto, outrossim, que o
agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado
há mais de cinco anos não encontra previsão na legislação, tampouco em nossa
Carta Maior, tratando-se de analogia in malam partem, método de integração
vedado no ordenamento jurídico. É que, em verdade, assiste ao indivíduo o
“direito ao esquecimento”, ou “direito de ser deixado em paz”, alcunhado, no
direito norte-americano de “the right to be let alone”.
O direito ao esquecimento, a
despeito de inúmeras vozes contrárias, também encontra respaldo na seara penal,
enquadrando-se como direito fundamental implícito, corolário da vedação à
adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa
humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade.
Manifestei-me nesse sentido, ainda
em maio de 2013, quando relatei o HC nº 110.191/RJ, DJe 6.5.13. Em seguida, o
entendimento foi adotado na Primeira Turma, em março de 2014, quando do
julgamento do HC nº 118.977/DF, da relatoria do ministro Dias Toffoli, a saber:
Recurso ordinário em habeas corpus. Processual Penal. Interposição contra julgado em que colegiado do Superior Tribunal de Justiça não conheceu da impetração, ao fundamento de ser substitutivo de recurso ordinário cabível. Constrangimento ilegal não evidenciado. Entendimento que encampa a jurisprudência da Primeira Turma da Corte. Precedente. Dosimetria. Fixação da pena-base acima do mínimo legal em decorrência de maus antecedentes. Condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos. Pretensão à aplicação do disposto no inciso I do art. 64 do Código Penal. Penas ainda não extintas. Constrangimento ilegal inexistente. Recurso não provido. 1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento do habeas corpus encampou a jurisprudência da Primeira Turma da Corte no sentido da inadmissibilidade do habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário (HC nº 109.956/PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, DJe de 11/9/12), o que resultou no seu não conhecimento. 2. Quando o paciente não pode ser considerado reincidente, diante do transcurso de lapso temporal superior a cinco anos, conforme previsto no art. 64, I, do Código Penal, a existência de condenações anteriores não caracteriza maus antecedentes. Precedentes. 3. No caso as condenações anteriores consideradas pelas instâncias ordinárias para fins de valoração negativa dos antecedentes criminais do ora paciente ainda não se encontram extintas. 4. Recurso não provido. (Destaquei).
Dessa forma, entendo que, decorridos mais de cinco anos desde a extinção da pena da condenação anterior (CP, art. 64, I), não é possível alargar a interpretação de modo a permitir o reconhecimento dos maus antecedentes.
Emerge daí que a pena-base deve adstringir-se ao piso legal, porquanto não há nenhuma circunstância judicial passível de justificar a majoração, cabível, em consequência, a aplicação da causa de diminuição consubstanciada no art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, nos moldes do acórdão proferido pelo TJSP.
E no que concerne ao regime prisional inicial para cumprimento de pena, entendo que o pedido também merece prosperar.
O magistrado do primeiro grau
fixou o regime inicial fechado para cumprimento da pena apenas com fundamento
na Lei 8.072/90 e na gravidade abstrata do delito. Por oportuno, colho trecho
da decisão:
“O regime inicial de cumprimento de pena deve ser o fechado, ressaltando-se que o tráfico é delito grave, equiparado a hediondo, demonstrando periculosidade acentuada por parte do agente. Pelo mesmo motivo, presentes os requisitos da custódia cautelar, não poderá recorrer em liberdade. Recomende-se o réu na prisão em que se encontra recolhido. Transitada em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados. “(eDOC 3, p. 130).
Ocorre que, em sessão realizada em 27.6.2012 (DJe 17.12.2013), o Plenário, ao analisar o HC 111.840/ES, de relatoria do ministro Dias Toffoli, por maioria, declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007. Desse modo, ficou superada a obrigatoriedade de início do cumprimento de pena no regime fechado aos condenados por crimes hediondos ou a eles equiparados.
Entender de forma diversa implica, necessariamente, malferir o princípio da individualização da pena, consignado na Constituição Federal.
Não se pode olvidar que, embora seja vedada a imposição de regra fixa ao regime prisional nos crimes hediondos, admite-se a definição de regime mais gravoso, desde que se apreciem elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo.
No caso, nem o juiz, nem o Tribunal paulista realizaram qualquer análise da situação concreta. Ao revés, fundamentaram o regime mais severo tão somente no dispositivo legal eivado do vício da inconstitucionalidade.
Ante o exposto, voto no sentido de conceder a ordem para restabelecer a decisão proferida pelo TJ/SP na Apelação n. 0005243-89.2010.8.26.0028, no que diz respeito à quantidade de pena aplicada.
Determino, ainda, ao Tribunal de origem que, afastando o disposto no art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, proceda a nova fixação do regime inicial de cumprimento de pena, segundo os critérios previstos no art. 33, §§ 2º e 3º do CP.
É como voto.
*acordão publicado no Dje de 24.9.2015
**nomes suprimidos pelo
Informativo
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
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