31/05/2019

A Agenda 2030 e o Pacto Global


Por Maria da Glória Colucci[1]

          O Pacto Global originou-se em 2000, por iniciativa do ex-Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Annan, visando promover junto à comunidade empresarial e instituições não-governamentais, princípios e práticas de responsabilidade social.[2]

          Por outro lado, a responsabilidade social está diretamente interligada ao incentivo à gestão empresarial, baseada em 4 (quatro) plataformas, alinhadas com valores e fins de Documentos Internacionais de Direitos, dentre os quais a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (Paris, 2005).[3]

          A adesão ao Pacto Global requer dos empresários, entidades da sociedade civil, organismos públicos e instituições interessadas, um efetivo comprometimento com os “Dez Princípios” do Pacto, que visam desdobrar as 4 (quatro) plataformas precitadas, a saber: Direitos Humanos; Trabalho, Meio Ambiente e Combate à Corrupção.[4]

          Quanto à Agenda Global, cujo Documento-Base foi aprovado em 2015, denominado “Transformando Nosso Mundo: Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”, sua síntese se encontra nos 17 Objetivos (ODS), acompanhados de metas, estratégias e indicadores.[5]

          Com todas as cautelas com eventuais rumos que a “Agenda Global” possa vir a tomar, trata-se de um Documento que representa um grande passo a ser dado em prol da Pessoa, do Ambiente, da Justiça, da Paz e do Planeta.

          Pode-se, em um recente percurso evolutivo, primeiramente, alinhar o Documento de 10 de janeiro de 2012, o Futuro Que Queremos, denominado “Rascunho Zero da Rio+20”, que ofereceu as diretrizes iniciais do que veio a ser o Documento Final da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável” (de junho de 2012), para chegar-se, finalmente, à “Agenda Global” (25 a 27 de setembro de 2015).[6]

          Consoante o Preâmbulo da Agenda 2030, este histórico Documento representa um anseio comum, de seus signatários de

[...] assegurar os direitos humanos de todos e alcançar a igualdade de gênero e o empoderamento de mulheres e meninas. São integrados e indivisíveis, e mesclam, de forma equilibrada, as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental.[7]

Quanto à Declaração, o Documento da Agenda Global antevê uma ação “ambiciosa e transformadora” no mundo até 2030, em que “[...] o respeito universal aos direitos humanos e à dignidade humana, ao Estado de Direito, à Justiça, à igualdade e a não discriminação [...] “dentre outros propósitos, contribuam para a “prosperidade compartilhada”.[8]

Os ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – refletem as principais questões socioeconômicas ao redor do mundo, por sua vez, contempladas pela Constituição da República vigente (1988), em seu art. 6º; cuja natureza de direitos sociais atribui às políticas públicas protagonismo, fortalecidas pelas organizações não-governamentais, conforme propõe o Pacto Global.[9]

Com a finalidade de divulgar os ODS junto à comunidade acadêmica do UNICURITIBA serão feitas análises de cada Objetivo da Agenda 2030 e, na sequência, os Princípios do Pacto Global, igualmente, serão abordados.

REFERÊNCIAS


[1] Advogada. Especialista em Filosofia do Direito (PUC-Pr). Mestre em Direito Público (UFPR). Professora titular de Teoria do Direito do (UNICURITIBA). Professora aposentada da UFPr. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP). Membro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Membro da Comissão do Pacto Global (OAB-Pr). Membro da Associação Brasileira de Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ-Pr). Membro do Movimento Nacional ODS (ONU, Pr). Membro da Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia- AVIPAF. Membro Titular do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP-UNICURITIBA).
[2]ONU. Agenda Global 2030; disponível em www.nacoesunidas.org.br
[3] ONU. Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos; disponível em www.bioetica.org.br
[4] The Global Compact; disponível em www.unglobalcompact.org e www.pactoglobal.org.br
[5] ONU. Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável; disponível em www.nacoesunidas.org.br
[6] ONU. Agenda Global 2030; disponível em www.nacoesunidas.org.br
[7] Idem.
[8] ONU. Agenda Global 2030; disponível em www.nacoesunidas.org.br
[9] BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do. Disponível em www.planalto.gov.br
Continue lendo ››

30/05/2019

Talks Channel: Gratidão e Motivação: Entrevista com Daniela Jungles




Existem várias formas de nos mantermos motivados. Mas uma prática simples e eficaz está sendo cada vez mais estudada: a gratidão. Conversamos sobre isso com a Psicopedagoga Daniela Jungles e respondemos questões como: de que forma a gratidão ajuda nosso cérebro e nossos estudos? como praticar? E como ser grato em momentos adversos?

Clique aqui para assistir.


Continue lendo ››

Acontece no UNICURITIBA: Giovanna Maciel, acadêmica de Direito participou da Simulação das Nações Unidas (SIMUNI) e recebeu menção honrosa

Foto: Acadêmica de Direito, Giovanna Maciel recebeu menção honrosa no SIMUNI


Giovanna Maciel está no nono período de Direito e integra o Projeto do Blog UNICURITIBA Fala Direito. Ela se inscreveu para participar do SIMUNI, evento de Simulação das Nações Unidas organizado pelo curso de Relações Internacionais - e foi destaque em seu Comitê.

Ela conta um pouquinho da sua experiência para nós, do Blog UNICURITIBA Fala Direito, destacando o quanto o evento pode ser interessante também para acadêmicos do Direito.

Confira 



MINHA EXPERIÊNCIA NO SIMUNI
Por: Giovanna Maciel

O QUE É SIMUNI?

         

          Antes de contar como foi a minha experiência no evento, é preciso explicar o que realmente é o SIMUNI, visto que muitos estudantes de Direito não têm muito conhecimento acerca dos eventos de Relações Internacionais.

          Bom, o SIMUNI é uma simulação das negociações do Sistema ONU e, segundo a Profª Patricia Tendolini Oliveira, coordenadora do curso de Relações Internacionais: “O SIMUNI propicia aos participantes a vivência das Relações Internacionais, cabendo a eles exercer sua capacidade de negociação e diplomacia, e a aplicação de conhecimentos de Política Internacional, Direitos Humanos, Economia Internacional, entre outros”.

          Esse ano foi realizada a 2ª edição do SIMUNI, entre os dias 16 a 18 de maio, e reuniu cerca de cem participantes, entre alunos do Ensino Médio e Superior, divididos em 4 Comitês simultâneos – o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e o Conselho Econômico e Social (ECOSOC) para os alunos do Superior; e o Conselho de Direitos Humanos (CDH) e o Comitê Histórico, para os alunos do Ensino Médio.

          Dentre os temas abordados nessa edição, estão: Crise do Iêmen (CSNU), participação das empresas e da sociedade civil organizada no fomento à igualdade de gênero como forma de alcançar o Desenvolvimento Sustentável (ECOSOC), refúgio na atualidade (CDH) e a guerra do Golfo em 1990 (Comitê Histórico).



MINHA EXPERIÊNCIA

         

          Confesso que me inscrevi meio despretensiosa, sem saber muito bem o que era e como funcionava, mas acabei me surpreendendo positivamente frente à experiência.

          Uma semana antes do evento, recebi um e-mail informando qual seria minha delegação e com o Manual do II SIMUNI. Fui selecionada para fazer parte do ECOSOC, representando a delegação da Bósnia e Herzegovina e, ainda, teria que fazer o Documento de Posição Oficial (DPO), com informações específicas acerca do país e a relação com o tema a ser discutido. Ok, então eu precisava fazer um documento que eu nunca vi na vida, sobre um país que pouco se comenta e que, embora possua três idiomas oficiais, nenhum deles é o inglês, muito menos português? Achar referências parecia impossível – obrigada Google Notícias pela ajuda! Confesso que me senti um pouco mais confortável quando divulgaram quais eram as outras delegações (Bósnia Herzegovina; Emirados Árabes Unidos; Federação Russa; Reino da Noruega; República Bolivariana da Venezuela; República da Coreia; República da Turquia; República do Chade; República Federativa do Brasil; República Islâmica do Paquistão; República Popular da China; República Socialista do Vietnã). Estava difícil para mim, mas eu não era a única.

Na sessão de abertura, contamos com a palestra de Rodrigo Reis, fundador do Instituto Global Attitude (GAL) e dono de um extenso currículo relacionado a ações junto à ONU, em especial relacionado ao fomento da juventude na Organização Internacional. Como se não bastasse o simples fato de uma pessoa tão importante estar ali, ele deu uma verdadeira aula a respeito da evolução do Sistema ONU, retomando pontos importantes da história e levantando polêmicas envolvendo Organização.

          Finalizada a palestra, cada Comitê foi direcionado para uma sala, na qual foram nos passadas as informações necessárias para as sessões de debate que se realizaram no próximo dia. Pois bem: direitos e deveres das delegações e delegados, deveres da mesa diretiva, regras dos debates, lista de oradores, discurso, questões procedimentais, inúmeras possibilidades de moções, elaboração de resolução, discussão sobre agenda, documento de posição oficial... Bateu o desespero! Como se não bastasse, fizemos um treinamento com um tema geral (“Por que ‘Friends’ é a melhor série da atualidade?”), para aprendermos as noções básicas dos debates. Nesse momento só conseguia pensar “o que eu estou fazendo aqui?”. Me senti deslocada, sem saber o que e como falar até conseguir, aos poucos, entender os procedimentos e me soltar para o debate.

          No dia seguinte, iniciamos a sessão às 13h30 e, conforme o cronograma, passamos à leitura dos DPOs de cada delegação e, depois, para os debates. Mais uma vez, me senti um pouco deslocada, sem saber o que fazer, mas, graças ao apoio da Mesa Diretiva – obrigada Brenda e Mari – e a Coach (Profª Priscila Caneparo), as discussões foram tomando forma. Quando dei por mim, já estava falando, mostrando o posicionamento da minha delegação, questionando ações das demais delegações e, inclusive, propondo soluções para os problemas. Tudo isso sem gaguejar, tremer a voz, ficar vermelha ou ter vontade de sair correndo – logo eu, que embora esteja no final do curso de Direito, sempre tive pavor de falar em público.

          Entre debates oficiais, moderados e não-moderados, demonstrações de apoio e de repúdio, coffee break, composição e recomposição da agenda, finalizamos o segundo dia cansados, mas com propostas efetivas e possíveis, de acordo com a realidade de cada Estado, para o fomento à empresas e sociedades civis a fim de cumprir a 5ª ODS (igualdade de gênero).

          No sábado, último dia do evento, a missão foi um pouco mais difícil: sintetizar todas as propostas, achar um consenso quanto a aplicabilidade delas, escrever uma resolução e, ao final, defendê-las frente à possíveis dúvidas. Ai, a coisa ficou complicada! Foi o único momento em que tivemos realmente desavenças dentro do Comitê; cada um queria fazer de um jeito, incluir cláusulas, retirar cláusulas; cláusula de boicote/reserva; tempo curto, Mesa Diretiva cobrando a entrega... Enfim, entregamos a Resolução no último minuto possível, ainda com desavenças, as quais foram expostas no momento da defesa.

          A questão é: eu era uma das únicas acadêmicas de Direito, em meio a inúmeros de Relações Internacionais. De certo modo, a maioria ali tinha um conhecimento mais elevado sobre a diplomacia e sobre as Resoluções. Além disso, alguns já tinham participado de simulações anteriormente e, além do conhecimento do que o curso proporciona, tinham a vivência. Entretanto, ainda que tenha me sentido deslocada a princípio, fui acolhida e consegui não só apresentar as minhas ideias e propostas, mas levantar questionamentos e, ao final, ser reconhecida por isso.

          Antes do encerramento do II SIMUNI, os outros delegados e delegadas vieram conversar comigo, elogiaram minha postura e atuação, surpreendidos por ter sido minha primeira Simulação. Confesso que não esperava por isso e fiquei surpresa pela receptividade e companheirismo ali existente. Já no fim, enquanto a Profª. Patrícia anunciava os destaques de cada comitê para o recebimento do certificado de Menção Honrosa, ouvi meu nome. Recebi aquele certificado como um presente, uma conquista não apenas acadêmica, mas pessoal, por ter conseguido me expressar de tal maneira a ser reconhecida, mesmo com o meu histórico de pavor em falar em público (e sem brigar com ninguém, o que é um pouco difícil para um estudante de Direito!).

          Como dito ao começo, me surpreendi positivamente com todo o evento, desde a organização, condução dos debates (tanto pela Mesa Diretiva, como pelos Delegados) e, principalmente, pelos temas levantados que são de extrema relevância. Ainda que a inscrição tenha sido despretensiosa, o resultado pessoal foi incrível e indescritível!



RELEVÂNCIA PARA O DIREITO



          Embora tenha sido elaborado pelo curso de Relações Internacionais, o SIMUNI é aberto à toda população acadêmica e tem, sem dúvidas, muita relação com o Direito.

          Logo de início, temos o Direito Internacional, o qual leciona, entre outras coisas, o Sistema ONU – como surgiu, qual a evolução, como funciona... Sem dúvidas colocar esses ensinamentos em prática ajuda muito no aprendizado, mesmo para quem não tem pretensão na carreira diplomática. 

          Além disso, os debates funcionam de forma muito similar aos debates jurídicos, principalmente em audiências de instrução, quando cada um tem seu momento de fala, devendo expor as dificuldades e propostas a fim de chegar na melhor solução da lide. Também, o poder da fala, a forma de colocar cada ideia, sem que seja ofensiva, mas que, ao mesmo tempo, seja capaz de convencer os ouvintes sobre a relevância da sua palavra.

          Finalmente: a resolução. Embora as resoluções do ECOSOC não possuam poder vinculativo, se parecem muito com leis e decretos. Institutos que, nós, do Direito, nos deparamos todos os dias. Desta forma, participar da elaboração do documento final, auxilia não apenas para entender como funcionam as normativas internacionais, mas também as internas, visto que, embora o texto tenha sido realizado com a colaboração de todos os presentes, ainda assim precisa passar por votação e precisa ter escrita clara, compreensível também por quem não passou pelo processo de elaboração.



          Diante de tudo isso, dos aprendizados adquiridos, pelas superações pessoais e pelas histórias descobertas, só tenho a agradecer pela iniciativa, pela oportunidade e pela organização (que é feita, em grande parte, pelos próprios alunos) e, além disso, recomendar a todos os colegas, independentemente do período ou das pretensões profissionais.
Continue lendo ››

28/05/2019

Acontece no UNICURITIBA: Professor Charles Emmanuel Parchen é entrevistado pela Gazeta do Povo sobre a Autoridade Nacional de Proteção de Dados






O professor  de direito eletrônico do Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) Charles Emmanuel Parchen deu entrevista para o jornal Gazeta do Povo sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) vinculada à presidência da República, entendendo que tal vinculação fere a autonomia e a independência funcional necessária ao cumprimento de suas funções.

Confira a matéria completa, clicando aqui.
Continue lendo ››

27/05/2019

Talks Channel: Liderança e trabalho em equipe em "Os Vingadores"



Como a minha equipe, seja entre alunos ou em uma empresa, pode aprender a ser mais eficiente com os Vingadores? Que lição podemos aprender com o Capitão América ou com o Tony Stark? Quais são as características de um bom líder? Confira uma das melhores aulas de administração que você vai ver na vida!
O Professor Samir Bazzi ensinou conceitos de liderança e trabalho em equipe a partir do universo da Marvel, que tanto nos quadrinhos como no cinema, não é apenas uma história de super-heróis. Os Vingadores mostram grandes dilemas da liderança e do trabalho em equipe.

Clique aqui para assistir. 
Continue lendo ››

26/05/2019

Opinião: Os cursos de Filosofia e Sociologia nas Universidades Públicas





Por Giovanna Maciel**


Outra polêmica envolvendo o atual governo no que concerne à educação, diz respeito à declaração do Presidente Jair Bolsonaro em suas redes sociais em 26 de abril deste ano, na qual ele comunicou que o Ministro da Educação Abraham Weintraiub estaria estudando descentralizar o investimentos em cursos de humanas – filosofia e sociologia – com o objetivo de focar em áreas que, supostamente, geram retorno imediato ao contribuinte, como veterinária, engenharia e medicina. 

          Apoiado por uns e criticado por muitos, essa medida acarretaria em diversas consequências graves e, além disso, não traria os objetivos apontados pelo presidente como foco.

          Apesar de ter sido anunciado apenas neste ano, esta proposta não é tão nova, sendo que já correram no site do Senado – plataforma e-Cidadania –, pesquisas a respeito disso. O debate foi provocado pelo cidadão paulistano Thiago Turetti, o qual acredita que o país precisa de mais médicos e cientistas, por isso não considera adequado utilizar o dinheiro e espaço público para cursos de humanas. Segundo o autor da ideia legislativa,

A proposta visa a um melhor direcionamento do dinheiro do contribuinte. Nosso país precisa desenvolver esse senso de prioridade. Como contribuinte, eu quero que meu dinheiro seja investido para a formação de cientistas, engenheiros e médicos. Hoje, os cursos de humanas não cumprem com o seu currículo, simplesmente transformam os estudantes em militantes de esquerda. Essas pessoas protestam em favor do aborto e da legalização da maconha.

          Entretanto, para Daniel Cara (Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação), os argumentos utilizados por Bolsonaro – bem como por Turetti –, são falsos. Segundo ele, não é o curso universitário que gera o recurso econômico, mas sim o crescimento econômico. Isto é: não basta o diploma universitário, mas sim um mercado de trabalho que tenha vaga para contratar a pessoa. Cara afirma ainda que o presidente quer responsabilizar a educação pela incompetência econômica do governo.

          Na mesma linha, para Righetti e Ranieri, a proposta da redução de investimentos nos cursos de humanas só demonstra que o governo parece não conhecer as leis e a realidade do ensino superior. Isso porque as universidades brasileiras possuem autonomia didática garantida pela Constituição e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Segundo a legislação, a decisão sobre a criação, expansão, modificação e extinção dos cursos de graduação é prerrogativa exclusiva das universidades. Ou seja, não cabe ao MEC definir quais cursos de graduação devem receber mais ou menos investimentos. 

          Cláudia Costin, professora convidada da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE) da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), afirmou que, neste tempo da quarta revolução industrial, o que vai acontecer a médio prazo é a substituição do trabalho intelectual pela inteligência artificial. Todavia, menciona, o que nos diferencia como humanos é a capacidade de pensar e, por isso, a filosofia nunca foi tão urgente quanto hoje. Ainda, a professora afirma que a sociologia é importante justamente para entender essa nova sociedade que está emergindo.

          Além da grande diminuição de um pensamento sistêmico, derivado do estudo da filosofia e sociologia, Andreza de Souza Santos – diretora do Programa de Estudos Brasileiros da Universidade de Oxford – aponta outra grave consequência: o “embranquecimento” das universidades federais. Isso porque, conforme pesquisa coordenada pela BBC Brasil, esses cursos possuem um estudante negro para cada 3 e 4 brancos, enquanto cursos como medicina e veterinária têm proporção de um negro para cada 16 brancos.

          Esses dados demonstram uma enorme diferença entre quadros de diversidade racial de cursos de humanas e de cursos de ciências biológicas e exatas. Isso porque o acesso a cursos como física, engenharia e medicina, para Andreza, não é democrático e universal por serem cursos de altas notas de corte e alto custo de manutenção ao longo do processo de formação. Com isso, a professora menciona que a redução dos custos em humanas, sem levar em conta o processo educativo desde a base, acarretará na elitização do conhecimento a curto prazo, reduzindo negros e pobres nas universidades.

          Ressalta-se que o Brasil tem problemas sociais gravíssimos e cabe aos sociólogos e profissionais das áreas correlatas estudar, entender e propor soluções para estes fenômenos. Por tanto, o governo erra ao achar que essas áreas não geram retorno imediato ao contribuinte. Como bem lembra Andreza Santos, os alunos da periferia que cursam humanas e ciências sociais, muitas vezes aplicam o conhecimento adquirido para desenvolver as próprias comunidades, produzindo, então, retornos econômicos.

          Porém, para Cara, não há motivo para pânico neste momento, isso porque “as universidades, especialmente as públicas, são administradas a partir do princípio constitucional da autonomia universitária, ou seja, quem decide o que vai ser lecionado são as próprias universidades. O ministro Weintraub está querendo aparecer, não tem nenhuma consistência no que foi afirmado”. Além disso, as universidades precisam, obrigatoriamente, ter um conjunto de áreas do conhecimento, inclusive as universidades privadas que recebem apoio do Fies ou Prouni.

          Esperamos que seja apenas mais uma falácia do atual governo, para agradar uma população que pouco sabe do assunto e continua acreditando que os cursos de humanas – e apenas esses cursos – são destinados apenas para a população usuária de substâncias entorpecentes e que insistem em acreditar que esses mesmos cursos não trazem retorno à sociedade – o que não deixa de ser contraditório, tendo em vista que o governo e seus pupilos possuem um “filósofo” como guru.

REFERÊNCIAS:

BASILIO, Ana Luiza. Por que os cursos de Filosofia e Sociologia incomodam Bolsonaro? Carta Capital. 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/educacao/por-que-os-cursos-de-filosofia-e-sociologia-incomodam-bolsonaro/>.

CORDEIRO, Tiago. Presidente quer reduzir investimentos em faculdades de filosofia e sociologia. Faz sentido? Gazeta do Povo. 26 abr. 2019. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/presidente-quer-reduzir-investimentos-em-faculdades-de-filosofia-e-sociologia-faz-sentido/>.

PASSARINHO, Nathalia. Sob ameaça de cortes no governo Bolsonaro, cursos de ciências sociais e humanas concentram diversidade racial. BBC Brasil. 9 mai. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-48201426>.

PROPOSTAS para extinguir ou manter cursos de humanas movimentam portal e-Cidadania. Senado Federal. 24 abr. 2018. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/jovemsenador/home/noticias-1/externas/2018/04/copy_of_propostas-para-extinguir-ou-manter-cursos-de-humanas-movimentam-portal-e-cidadania>.

RIGHETTI, Sabine; RANIERI, Nina Stocco. Proposta de esvaziamento das humanas é equivocada e fere a Constituição Federal. Folha de S. Paulo. 27 abr. 2019. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/04/proposta-de-esvaziamento-das-humanas-e-equivocada-e-fere-a-constituicao-federal.shtml>.

TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de filosofia e sociologia das Universidades Públicas. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=111992>.

TURETTI, Thiago. Extinção dos cursos de humanas nas universidades públicas. Senado Federal. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaoideia?id=100201>.

** Giovanna Maciel é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter. As opiniões contidas no texto pertencem a sua autora e não refletem necessariamente o posicionamento da instituição.


Continue lendo ››

23/05/2019

Talks Channel: Homofobia é Crime? - Entrevista com Rodrigo Chemin



Qualquer pessoa, independente de sua orientação sexual e causas que defenda, é merecedora de respeito, dotada de Direitos que o Estado deve proteger. O STF  no julgamento da ADO 26 e do MI 4733, discute a equiparação do crime de homofobia com o crime de racismo. Para termos mais clareza a respeito deste tema, conversamos com o Professor Rodrigo Chemim sobre questões penais e processuais penais, como o tratamento atual da questão, a discussão em torno da equiparação da homofobia com racismo e eventuais mudanças jurídicas resultantes do julgamento .



Continue lendo ››

22/05/2019

Em pauta: criminalização da homofobia pelo STF






Por Alan José de Oliveira Teixeira**



 
1. Processos no STF

O Supremo Tribunal Federal retomará nesta quinta-feira (23) o julgamento sobre a criminalização da homofobia. A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, proposta pelo Partido Popular Socialista (PPS) - relatoria do Ministro Celso de Mello – e o Mandado de Injunção Coletivo (MI) 4733, impetrado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) - relatoria do Ministro Luis Edson Fachin –, serão decididas em conjunto pela corte.
Segundo os requerentes, as ações foram propostas "para o fim de obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero, real ou suposta, da vítima" [i].
O MI 4733 foi autuado na Suprema Corte pela ABGLT em 10 de maio de 2012. À época, houve parecer da Procuradoria-Geral da República pelo não cabimento do Mandado de Injunção. O Ministro Relator do caso naquele período, Ricardo Lewandowski, na linha do parecer exarado pela PGR, entendeu pela inviabilidade da ação.
Com a interposição de Agravo Regimental pela Impetrante em novembro de 2013, nova manifestação da PGR entendeu pelo conhecimento da ação, com provimento parcial do pedido, com o fim de considerar a homofobia e a transfobia como crime de racismo e, consequentemente, a aplicação da Lei Federal 7.716/89.
Em junho de 2015, houve substituição do antigo Relator, passando este a ser o Ministro Edson Fachin. Em nova manifestação em setembro de 2016, a PGR manteve a posição supramencionada.
O feito havia sido indicado à pauta em outubro de 2017, tendo sido incluído no calendário de julgamento pela presidência do Supremo para novembro de 2018. Porém, após requerimento da ABGLT, o julgamento do MI foi adiado para que o julgamento ocorresse em conjunto com o da ADO 26, de Relatoria do Ministro Celso de Mello.
A ADO 26 foi protocolizada no STF em 19 de dezembro de 2013. O parecer da PGR em 2015 foi nos mesmos termos expostos anteriormente, pelo conhecimento parcial da ação e procedência do pedido.
Em novembro de 2018, em razão do já mencionado pedido do Ministro Edson Fachin para julgamento conjunto das ações, solicitou-se a inclusão do processo na pauta.
O julgamento das ações teve início em fevereiro deste ano (21), e foi suspenso pelo Presidente do STF, Dias Toffoli, depois de quatro sessões do tribunal terem sido necessárias para a discussão do tema.
Até o presente momento, votaram os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, todos a favor de que, até a criação de lei pelo Congresso, seja aplicada a Lei Federal 7.716/89 (crimes resultantes de raça ou cor) para a punição de atos de discriminação contra a população LGBT.
Em um voto de 155 (cinco e cinquenta e cinco) páginas, o Ministro Celso de Mello afirmou que tese diversa da criminalização "significaria tornar perigosamente menos intensa e socialmente mais frágil a proteção que o ordenamento jurídico dispensa, no plano nacional e internacional, aos grupos formados com base na orientação sexual ou na identidade de gênero, notadamente àquelas pessoas que se expõem, como os integrantes da comunidade LGBT, a uma situação de maior vulnerabilidade"[ii].

2. Dados sobre a população LGBT no Brasil

Não é de hoje o sofrimento da população LGBT. E isso vale para o Brasil e para o mundo. A homossexualidade, por exemplo, já figurou entre a classificação de doenças ou problemas relacionados à saúde, tendo sido excluída dessa lista em maio de 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS)[iii]. Vinte anos após (2018), durante o lançamento da nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID 11), a OMS substituiu o termo “transtornos de identidade de gênero” por “incongruência de gênero”, e retirou-o do capítulo de doenças mentais[iv].
Apesar dos avanços nos últimos anos a respeito da união homoafetiva[v], da possibilidade de alteração de registro civil por transgêneros[vi], ainda existem retrocessos como a restrição de doação de sangue por homens homossexuais[vii], e o que deu ensejo às ações em comento: os inúmeros e crescentes casos de violência física e psicológica à população LGBT.
Situações de violência transfóbica como o assassinato de Dandara, no Ceará[viii], e de Quelly da Silva, morta em Campinas (SP)[ix], infelizmente, têm aumentado consideravelmente.
O Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas[x]. Além disso, o país segue liderando o ranking de assinatos de transsexuais, segundo dados divulgados pela ONG Transgender Europe (TGEU)[xi].
A partir de dados do Ministério dos Direitos Humanos sobre Violência LGBTFóbicas no Brasil, o gráfico abaixo apresenta o total de denúncias recebidas pelo Disque 100 ao longo dos meses do ano de 2016, período no qual foram recebidas 104 denúncias relatando violências contra travestis[xii]:



Abaixo, o gráfico indica o tipo de violação sofrida pela vítima. Foram registradas 179 violações. Conforme os dados, 33% sofreram violência psicológica, seguido de 32,4% discriminação e 24,6% violência física[xiii].



No ano de 2017, de acordo com a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (DAPP FGV), o gráfico abaixo exibe o total de denúncias de violência LGBT por Estado[xiv]:


 A pesquisa identifica o impacto do evento frente ao seu número de habitantes. Desse modo, o estado de São Paulo e do Rio de Janeiro, por terem maiores quantitativos populacionais, demonstram um maior quantitativo no número de denúncias por violação de direitos[xv].

Dados do mesmo instituto retratam os tipos de violência denunciadas no Disque 100[xvi]. Repare na expressividade da violência física na imagem. São dados alarmantes e que devem chamar a atenção das autoridades públicas para providências urgentes e eficazes.

3. Ativismo judicial, separação de poderes e princípio da legalidade

Nos últimos tempos, o Brasil tem sido palco de decisões judiciais que nos fazem questionar sobre os perigos de se legitimar que o Poder Judiciário defina a agenda política dos poderes Executivo e Legislativo, deixe de aplicar disposição expressa de lei, ou até mesmo se valha de conceitos jurídicos indeterminados, valores jurídicos abstratos e princípios para suspender a aplicação do texto legal ou constitucional, muitas das vezes, ocultando ou defendendo um moralismo. Há inúmeros exemplos[xvii].
Nesse contexto, é necessário distinguir judicialização de ativismo judicial. Assim, ao passo que a judicialização quer significar que "algumas questões de larga repercussão política e social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais" [xviii], o ativismo, em apertada síntese, extrapola os limites da judicialização: faz da jurisdição o centro da tomada de decisões políticas[xix].
Importante registrar diagnóstico do atual estado de coisas feito por Emerson Gabardo: "A deformação da leitura moral no Brasil redundou num abandono do constrangimento das autoridades públicas tomadoras de decisão em utilizarem argumentos extraíveis da moralidade pública que elas mesmas elegem como dominante (em geral conhecida por meio de seus vínculos sociais e, com destaque, os “virtuais”). Uma moralidade de um protagonismo tão significativo que passou a concorrer tanto com o interesse público quanto com os direitos fundamentais como critério de decisão (ainda que, na busca de uma fundamentação racional, sejam utilizados, simbolicamente, estes fundamentos)"[xx].
A conduta dos juízes é preocupante. Não se segue a jurisprudência[xxi]. Não se vislumbram critérios objetivos na tomada de decisões. Abandona-se a segurança jurídica como norte do Estado de Direito.
Infelizmente, é nesse contexto que se pretende criminalizar a homofobia. À luz do exposto, por se tratar, mesmo que reflexamente, da criação de um tipo penal pelo Supremo Tribunal Federal, levante-se o óbice do art. 5º, inciso II "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e do inciso XXXIX, que retrata a estrita legalidade penal ao informar que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal".
Corre-se ainda o risco de fragilizar as instituições com ofensa à separação de poderes, haja vista a competência do Congresso Nacional e do Presidente da República para legislar em matéria penal.
Pelo que vejo, boa parte dos não abolicionistas com humanidade são favoráveis à criminalização da homofobia. O questionamento mais comum é em relação à via apropriada para que isso ocorra. O posicionamento dos juristas destoa.
Por isso, convidamos especialistas no assunto para discorrer a respeito da possibilidade da criminalização da homofobia pelo STF e quais seriam as consequências disso.

4. Posicionamento de especialistas no assunto

O Blog Unicuritiba Fala Direito realizou uma série de entrevistas com profissionais, professores e pesquisadores da área, com o fim de buscar os fundamentos de cada posição jurídica sobre a temática.
Separamos as entrevistas entre juristas favoráveis e contrários à criminalização pelo STF. Convidamos Ana Cláudia Santano, Gisele Alessandra Shimidt, José Carlos Portella Júnior, Luiz Gustavo de Andrade, Rafael Kirchhoff e Rodrigo Chemin Regnier Guimarães para contribuir com o presente texto.
Registramos nossos agradecimentos pela disposição que tiveram em condeder as entrevistas.

4.1. Favoráveis

Ana Cláudia Santano, pesquisadora, professora de Direito Humanos e do Programa de Pós-Graduação em Direito do UNIBRASIL, entende se tratar de um caso difícil que confronta muitos direitos. Segundo sustenta, de um lado "há o problema real de ataque à comunidade LGBTI, resultado de um processo de marginalização dessas pessoas e de um discurso do ódio produzido na base no preconceito mais medieval que há. Por outro lado, há a possibilidade de que o STF adote uma posição muito ativista e que escapa da sua esfera de competência, o que pode ser um precedente temerário." Levantando aspecto afeto ao Direito Internacional, a professora posiciona-se da seguinte forma:

"Particularmente, eu sou a favor do provimento da causa, por entender que a argumentação trazida pelos autores é muito plausível, qual seja, encaixar essa violência sofrida pela comunidade LGBTI como um tipo de racismo. Nesse sentido, o Brasil faz parte da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial no âmbito da ONU e deve tomar todas as providências para obedecer os mandados de criminalização constantes no documento. Não há espaço para não criminalizar as condutas enumeradas pela Convenção, pois, ao ratificar o documento, o Brasil concordou com o seu conteúdo e se prontificou a cumpri-lo. E aqui, deve-se entender que é o Brasil que deve cumprir a tarefa, não se especificando quais dos poderes. Ou seja, o Brasil não pode se omitir na questão porque o Congresso, bloqueado à causa, não se pronuncia. É o país que deve cumprir seus deveres perante à comunidade internacional".

Gisele Alessandra Shimidt, vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PR, e advogada criminalista que fez história ao se tornar a primeira transexual a sustentar no plenário do Supremo Tribunal Federal, afirma ser favorável:

"Enquanto advogada criminalista, sou abolicionista e acredito que criar tipos penais não seja a solução para resolver a questão da falta de segurança ou violência, precisamos sim, de políticas públicas, oportunidades para todos, educação, um governo que não fomente discursos de ódio e que não seja regido por interpretações equivocadas de um livro fícticio (bíblia). Entretanto, no caso do massacre que vem assolando a população LGBTI brasileira – o Brasil é o país que mais mata pessoas transgênero no mundo – sendo que a violência contra essa população é praticada com bárbarie e requintes de crueldade, infelizmemente, no momento não há outra opção, senão criminalizar… até por uma questão de reflexão por parte da população".

Rafael Kirchhoff, ex-presidente da Comissão de Diversidade Sexual da OAB/PR, e profissional que advogou para o Grupo Dignidade - Pela Cidadania de Gays, Lésbicas e Transgêneros (amicus curiae na ADO 26 e MI 4733), é favorável à criminalização da homofobia pelo STF. De acordo com o jurista, é parte da estratégia do movimento LGBTI recorrer à Suprema Corte ante a impossibilidade de qualquer avanço no âmbito legislativo nos últimos anos. Segundo Kirshoff:

"provavelmente o maior interesse do movimento LGBTI - é um posicionamento claro do estado brasileiro no sentido de proibir a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. É um efeito simbólico que atinge a todos, a quem tem intencionais e conscientes atitudes discriminatórias e a quem apenas reproduz comportamentos irrefletidos que são igualmente danosos. Em outra ponta, esse efeito simbólico também atinge os sujeitos da discriminação LGBTIfóbica no sentido de propiciar sensação de pertencimento social e de preservação da sua dignidade. Em termos mediatos, pode-se pensar na responsabilização, algo muito difícil atualmente, pois uma grande gama de condutas discriminatórias é classificada pelo sistema de justiça, na melhor das hipóteses, como injúria no âmbito criminal e, no civil, como um dano moral de menor importância e condenações em valores ínfimos."


4.2. Contrários

José Carlos Portella Júnior, advogado criminalista e professor de Direito Penal no UNICURITIBA, alerta que uma possível criminalização pela corte causaria uma "expansão do poder punitivo com a derrocada da legalidade, já que os cidadãos teriam que conviver com a possibilidade de a qualquer momento o Judiciário "criar" novas figuras delitivas não previstas pelo legislador, e o alargamento dos poderes do Judiciário, que passaria a assumir, de maneira declarada, a sua pretensão de "legislar" em matéria penal". O professor se posiciona contrariamente ao provimento das ações:

"Ainda que se possa defender a necessidade da criminalização de condutas discriminatórias contra minorias sexuais e de gênero, no âmbito do Estado Democrático de Direito é inadmissível que a criminalização se opere por via transversa, subtraindo a competência do parlamento prevista na Constituição para editar leis penais. O princípio da legalidade em matéria penal existe para evitar que os juízes digam, de maneira ad hoc, que essa ou aquela conduta deve ser criminalizada, evitando-se, assim, a politização do Judiciário e a insegurança jurídica dos cidadãos. Ademais, não há como endossar o argumento de que na Constituição haveria um mandado de criminalização da homofobia, haja vista que o objetivo de erradicar as desigualdades (previsto no artigo 3º da Constituição) não impõe, por si mesmo, a determinação da criminalização de condutas discriminatórias, visto que há outras ferramentas jurídicas e políticas mais eficazes para erradicar as desigualdades por orientação sexual e gênero do que a criminalização, a qual opera de maneira seletiva (basta ver quem são os clientes preferenciais da justiça penal), sempre depois que o bem jurídico da vítima já foi violado e gera efeitos colaterais, como a estigmatização da pessoa taxada de "criminosa".

Luiz Gustavo de Andrade, advogado, membro da Comissão de Controle da Administração Pública da OAB/PR, professor de Direito Constitucional e do Programa de Pós-Graduação do UNICURITIBA, posiciona-se de modo contrário à criminalização pela via adotada. Afirma o seguinte:

"De plano, é importante dizer que o compromisso constitucional com a eliminação do preconceito e toda forma de discriminação impõe que o Estado adote medidas protetivas das pessoas que são vítimas de crimes de ódio. A discriminação homofóbica deve ser identificada e punida! Mas, efetuar essa conclusão, não significa dizer que o STF deva fazê-lo, mediante tipificação, por decisão judicial, de uma determinada conduta como sendo crime. Ao fazê-lo, o STF sem dúvida se coloca em uma posição ativista, assim compreendido, o ativismo judicial, como fenômeno jurídico pelo qual o Poder Judiciário interfere de maneira significativa nas opções políticas dos demais poderes, postura com a qual não concordo".

Rodrigo Chemin Regnier Guimarães, Procurador de Justiça do Estado do Paraná, pesquisador, professor de Processo Penal no UNICURITIBA e na Universidade Positivo, afirma que "a pressão pela tipificação deveria estar sendo direcionada ao Parlamento e não ao STF. O preço a pagarmos, amanhã ou depois, com essa legitimação para o Supremo aplicar analogias "in malam partem" na interpretação de tipos penais, é muito elevado ". Conforme defende,

"Não é tecnicamente correto que se admita que o STF possa dar interpretação analógica ao artigo 1º da Lei 7.716/89, alargando o conceito de "raça" para nele incluir a homofobia. Na interpretação de regras de direito penal há que se preservar o princípio da legalidade estrita (artigo 5º, XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, da Constituição Federal) que não admite interpretação analógica ou extensiva "in malam partem", isto é, em detrimento do acusado. Assim, "raça" não é equiparável à ideia de "homofobia", e vice-versa. O precedente usado como argumento para considerar "raça" um conceito não biológico, mas social, dado no famoso Caso Ellwanger (HC 82.424), não serve como parâmetro, pois, naquele caso, incluiu-se no conceito de "raça" atitudes "antissemitas", num caso concreto que considerava para o nacional-socialismo alemão os judeus como "raça inferior"".

5. Uma tentativa de conclusão

É certo que a evolução da jurisprudência no STF e o andamento do julgamento até agora nos permite identificar a tendência da corte à criminalização. Isso se reforça pelo crescente protagonismo judicial, que traz consigo a mitigação da (pouca) segurança jurídica que se tem no Brasil hoje.
De toda sorte, parece que o grande desafio do Direito e daqueles que se propõem a tratar dele é a coerência e o alinhamento entre uma determinada posição jurídica externada e o posicionamento pessoal, político, as percepções sociais, de vida, dentre outros possíveis conflitos. Aqueles que julgam devem sempre, por exigência do ofício, esforçar-se para levar o máximo de variantes possíveis dentro do próprio Direito.
A comunidade LGBT anseia por igual consideração e respeito. Existem dados precisos acerca da condição de LGBT no Brasil. Do assassinato, da violência, da humilhação, da repressão, do constrangimento, do medo. Medo de caminhar na rua. Medo de demonstrar afeto. Medo da rejeição. Conceder o mínimo de proteção jurídica às minorias é dever daqueles que foram eleitos para representar o povo, seja ele quem for. Manifeste o legislador, ou não, os mesmos modos de amar e viver.





[i] STF. Plenário do STF retoma julgamento sobre omissão legislativa em criminalizar atos de homofobia. 21 de fevereiro de 2019. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=403970>.

[ii] Informações retiradas a partir de minuta do voto do Ministro disponibilizada pelo Conjur. POMPEU, Ana. Leia o voto do ministro Celso de Mello sobre a criminalização da homofobia. 20 de fevereiro de 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-fev-20/leia-voto-celso-mello-criminalizacao-homofobia>.

[iii] TERRA. Homossexualidade não é doença segundo a OMS; entenda. Disponível em: <https://www.terra.com.br/vida-e-estilo/saude/ha-21-anos-homossexualismo-deixou-de-ser-considerado-doenca-pela-oms,0bb88c3d10f27310VgnCLD100000bbcceb0aRCRD.html>.

[iv] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. OMS anuncia retirada dos transtornos de identidade de gênero de lista de saúde mental. 10 de junho de 2018. Disponível em: <https://nacoesunidas.org/oms-anuncia-retirada-dos-transtornos-de-identidade-de-genero-lista-saude-mental/>.

[v] STF. Supremo reconhece união homoafetiva. 05 de maio de 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931>.

[vi] STF. STF reafirma direito de transgêneros de alterar registro civil sem mudança de sexo. 15 de agosto 2018. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=386930>.

[vii] Segundo a Portaria nº 158, de fevereiro de 2016, do Ministério da Saúde, homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes consideraram-se inapto temporário por 12 (doze) meses. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria nº 158, de 4 de fevereiro, de 2016. Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Disponível em :<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0158_04_02_2016.html>.

[viii] G1. Travesti Dandara foi apedrejada e morta a tiros no Ceará, diz secretário. 07 de março de 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/ceara/noticia/2017/03/apos-agressao-dandara-foi-morta-com-tiro-diz-secretario-andre-costa.html>.

[ix] GELEDÉS. Instituto da Mulher Negra. Quelly da Silva: O nome da travesti que foi assassinada e teve o coração arrancado. 25 de janeiro de 2019. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/quelly-da-silva-o-nome-da-travesti-que-foi-assassinada-e-teve-o-coracao-arrancado/>.

[x] SOBRINHO, Preite Wanderley. Brasil registra uma morte por homofobia a cada 16 horas, aponta relatório. 20 de fevereiro de 2019. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2019/02/20/brasil-matou-8-mil-lgbt-desde-1963-governo-dificulta-divulgacao-de-dados.htm>.

[xi] TGEU. Trans Day of Remembrance (TDoR) 2018 Press Release: 369 reported murders of trans and gender-diverse people in the last year. 12Th             November 2018. Disponível em: <https://transrespect.org/en/tmm-update-trans-day-of-remembrance-2018/>.

[xii] MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Violência LGBTFóbicas no Brasil: dados da violência. Elaboração de Marcos Vinícius Moura Silva. Documento eletrônico. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos,  018, 79 p. Disponível em: <https://www.mdh.gov.br/biblioteca/consultorias/lgbt/violencia-lgbtfobicas-no-brasil-dados-da-violencia>.

[xiii] Id.

[xiv] FGV DAPP. Dados públicos sobre violência homofóbica no Brasil: 28 anos de combate ao preconceito. Disponível em: <http://dapp.fgv.br/dados-publicos-sobre-violencia-homofobica-no-brasil-28-anos-de-combate-ao-preconceito/>.

[xv] Id.

[xvi] Id.

[xvii] Aqui me valho dos exemplos ilustrados por Emerson Gabardo na página 73 de seu texto “Os perigos do moralismo político e a necessidade de defesa do direito posto na Constituição da República de 1988”, publicado na Revista de Direito Administrativo e Constitucional: “A título de mera ilustração, citam-se dois exemplos: No primeiro, um aluno foi reprovado em avaliação escolar e reverteu sua reprovação judicialmente, mesmo existindo avaliação educacional especializada indicando a sua não aprovação. TAKAHASHI, Fábio. Aprovado: aluno com transtorno reverte reprovação na Justiça. Folha de S.Paulo. 14 jul. 2015. Disponível em: <http:// www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/07/1655403-aprovado-aluno-com-transtorno-reverte-reprovacao-na-justica.shtml>. Acesso em: 23 jul. 2016. No segundo, um juiz deferiu ordem para a concessão de aposentadoria por invalidez, mesmo o atestado médico atestando a inexistência de invalidez. Em sua fundamentação o juiz assume que não está adstrito ao atestado e que concede a aposentadoria por invalidez porque seria difícil para uma mulher com mais de 40 anos conseguirum emprego. Revista Consultor Jurídico. Juiz deve considerar contexto social ao conceder benefício do INSS. 9 jul. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jul-09/juiz-ignorar-laudo-pericial-concederbeneficios-inss>. Acesso em: 23 jul. 2016. Nos dois casos o Direito foi subvertido por razões emocionais que prestigiaram a bondade, pois nas duas situações concretas a resposta jurídica adequada tenderia a produzir um resultado desagradável à sensibilidade moral e, particularmente, à consciência do juiz”.

[xviii] BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Rev. [Syn]Thesis, Rio de Janeiro, vol. 5, nº 1, 2012, p. 23-32. p. 24.

[xix] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014b. p. 178.

[xx] GABARDO, Emerson. Os perigos de um moralismo política e a defesa do direito posto na Constituição da República de 1988. A&C – R. de Dir. Adm. Const., Belo Horizonte, ano 17, n. 70, p. 65-91, out./dez. 2017. p. 73.

[xxi] VIANNA, Luiz Werneck; CARVALHO, Maria Alice Rezende de; BURGOS, Marcelo Baumann. Quem somos: a magistratura que queremos. Rio de Janeiro: Associação dos Magistrados Brasileiros, 2018. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/pesquisa-completa-amb.pdf>. p. 109.


* Alan Teixeira está no nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.
Conheça aqui o restante da equipe! 



Continue lendo ››