Maria da Glória Colucci[1]
Sumário: 1 Introdução 2 Intercorrências Naturais e Antrópicas
na Vida das Cidades 3 Ocupação e
Mobilidade como Reflexos do Planejamento Urbano 4 Considerações Finais.
Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
As cidades são sistemas vivos dotados de
elevada complexidade social, cultural e política, nem sempre levada em conta
quando das projeções arquitetônicas, estruturais e econômicas de suas vias de
transporte.
O novo Plano Diretor de Curitiba, em
debate na Câmara Municipal (2015-2016), pretende modificar e direcionar a
mobilidade urbana para uma nova concepção de cidade em desenvolvimento no
século XXI, focada na concentração do comércio e serviços, comodidades que
diminuem o fluxo de passageiros e veículos nos centros urbanos. Não apenas
aspectos econômicos precisam fazer parte dos novos esboços dos eixos
estruturantes (zoneamento), mas os futuros traçados arquitetônicos das modernas
cidades ou metrópoles urgem identificar as opções locais, representadas pelos
seus costumes, tradições e gostos – inclinações que retratam as contribuições
de cada comunidade ao legado cultural de um povo.
Se o adensamento e a variedade do
comércio forem projetados para atender às expectativas e demandas locais dos
habitantes das suas proximidades, consumidores em potencial, também não podem
ser esquecidas as preferências de mobilidade dos seus frequentadores.
Conforme tem apregoado a mídia, o sistema
de transporte coletivo em Curitiba, e seguindo o que ocorre em outros centros
urbanos do País, tem perdido passageiros de forma crescente nos últimos anos em
prol de carros, taxis, vans, bicicletas e motocicletas, o que aumenta o
congestionamento nas vias comuns de circulação.
Além de cada vez mais inervante, a
desordem do trânsito urbano se reflete diretamente na economia dos bairros, de
forma que o planejamento local e a mobilidade de uma região e o sucesso dos
empreendimentos estão conectados com a maior ou menor acessibilidade existente.
A construção civil, o lazer, o comércio etc, como oferecem, cada vez mais
opções diferenciadas, procuram concentrar em torno de shopping centers os seus empreendimentos, sufocando os pequenos
mercados, lojas e lanchonetes, tradicionalmente instalados em suas imediações.
No entanto, como carecem, frequentemente,
os planejadores da percepção humana e social dos ambientes urbanos, aspectos
característicos das regiões a serem modificadas pelas intervenções na demolição
de habitações, por exemplo, não são considerados. Quebram-se laços de
vizinhança, festejos, e outros tantos aspectos que diferenciam os bairros e
comunidades, em benefício de um futuro crescimento da cidade.
A necessidade de planejamento sistêmico
das cidades inclui a construção de vias preferenciais para segmentos
específicos da sociedade, a exemplo de ciclovias, como ocorre em Curitiba, com
a Via Calma na Sete de Setembro. Igualmente, as passagens para pessoas com
necessidades especiais ou sinais de trânsito sincronizados com um tempo maior
para travessia de crianças e pessoas idosas, não parecem ocupar os cérebros
estratégicos dos principais centros planejadores da mobilidade nas cidades
brasileiras.
Por outro lado, a par das interferências
bem ou mal planejadas na vida das cidades, existem outros fatores naturais e
humanos, aleatoriamente originados por fenômenos climáticos ou de outra
procedência, como enchentes e deslizamentos, que mudam definitivamente o
desenho das regiões afetadas. Também, guerras assolam cidades inteiras, cambiando
suas vidas de modo irreversível, como, infelizmente, tem ocorrido nos países do
oriente médio, com a destruição de obras de arte, antes preservadas como patrimônio da
humanidade.
2 INTERCORRÊNCIAS
NATURAIS E HUMANAS NA VIDA DAS CIDADES
As intercorrências aqui examinadas não
abrangem todas as possibilidades de ordem social, econômica, política ou mesmo
natural, que podem transformar uma cidade em um deserto; ou mesmo região em um
ambiente hostil.
As cidades brasileiras têm enfrentado uma
grave crise de moradias, sendo crescente a presença dos chamados “moradores de
rua”; que somados aos dependentes de substâncias tóxicas ilícitas transformam
áreas das cidades ou mesmo bairros periféricos em regiões desvalorizadas do
ponto de vista econômico, social ou histórico.
Ao elaborar estudos sobre “cidades
fantasmas”, pesquisa realizada por José Eustáquio Diniz Alves, da Escola
Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE), assinala que: “A história da
humanidade está repleta não só de cidades, mas também de civilizações que
desapareceram devido às crises econômicas, sociais e ambientais”.[2]
Igualmente, Fabrício Gallo da
Unesp-Universidade Estadual Paulista, destaca que os fatores podem ser
inúmeros, tornando-se a identificação específica dos elementos determinantes do
surgimento de uma “cidade fantasma” os mais diferenciados”.[3]
Podem ser dados como exemplos as cidades
de Detroit, nos Estados Unidos Pryipat (Ucrânia), Ouradour Sur Glâne (França),
Gunkanjima (Japão), Kolmanskop (Namíbia), Epecuén (Argentina), Humberstone
(Chile) e Fordlândia (Brasil), que se tornaram cidades desabitadas por diversas
causas.[4]
As ações antrópicas, assim entendidas
como resultados da interferência humana, sobretudo econômica, podem abarcar a
exploração de determinada atividade, como a extração de minérios ou plantações
de monoculturas, que uma vez abandonadas transformam os ambientes naturais em
deserto (como no caso das minas de carvão, ferro e diamante); ou mesmo antigas
regiões de plantio de café, soja, cana-de-açúcar, que permaneceram desérticas
por longo tempo. As moradias utilizadas pelos trabalhadores e suas famílias são
abandonadas e pequenas vilas se constituem em regiões fantasmas.
Não apenas intercorrências antrópicas são
causadoras do esvaziamento de regiões ou mesmo cidades, mas eventos naturais
podem transformar lugares parasidíacos em destruição e miséria, como em países
do Oceano Índico (dezembro/2004), com o grande tsunami que matou 230 mil
pessoas de turistas e habitantes da pequena ilha.[5]
Em desastre natural recente (2015)
terremoto causou grandes deslizamentos de terra e avalanches, encurralando os
moradores, impedindo o acesso à alimentação, ao atendimento, à saúde e ao
transporte:
No dia
25 de abril, um terremoto de magnitude 7.8 atingiu o Nepal, causando enorme
devastação. Com seu epicentro no distrito de Gorkha, 200 quilômetros a oeste da
capital Ktamandu, o abalo afetou 30 dos 75 distritos do país localizados nas
regiões mais a oeste e central, segundo o governo local. Pouco mais de duas
semanas depois, em 12 de maio, um segundo terremoto de magnitude 7.3 atingiu o
leste da capital, desta vez com epicentro na fronteira entre os distritos de
Dolakha e Sindhupalchowk.[6]
A par das intercorrências naturais, à
semelhança dos casos relatados, enchentes e secas prolongadas, também podem
levar ao abandono de regiões habitadas, como ocorreu no nordeste brasileiro e
ainda hoje respondem pela desertificação de extensas terras, antes produtivas.
3 OCUPAÇÃO
E MOBILIDADE COMO REFLEXOS DO PLANEJAMENTO URBANO
Reflexos
na ocupação das cidades aparecem em todos os aspectos, não apenas de pessoas,
mas de produtos e serviços, encarecendo-os pela dificuldades a serem
enfrentadas pelos transportadores de cargas e prestadores de serviços, que
transferem para o consumidor final os custos acrescidos.
Não
se podem ignorar os danos ambientais oriundos da exploração desordenada dos
recursos naturais, pela ação danosa de origem econômica ou social, que leva à
desertificação, à degradação dos bens naturais; resultando no empobrecimento
das populações que habitam tais áreas. Neste contexto, atribui o texto
constitucional ao Poder Público (art. 225) o dever de preservação e defesa do
meio ambiente e à coletividade, de igual modo.[7]
Um dos grandes desafios às políticas públicas
na promoção da “sadia qualidade de vida” é o saneamento básico, que não só visa
garantir a saúde da população, mas que se reflete, diretamente, nos recursos
naturais, descontaminando as águas fluviais, aumentando a sua potabilidade.
Incêndios, frequentemente, destroem os recursos ambientais, ao mesmo tempo que
deixam ao desabrigo cidadãos em estado de extrema pobreza.
No Brasil, um dos maiores obstáculos à
ocupação urbana, que se reflete na vida das cidades, é a falta de planejamento
do acesso à água e ao esgotamento sanitário. O cuidado da Administração Pública
nem sempre prioriza a limpeza urbana, a coleta de resíduos sólidos, a drenagem
de águas pluviais urbanas e o esgotamento de dejetos biológicos.
Léo Heller (pesquisador do Centro de
Pesquisas René Rachou –Fiocruz Minas) destaca a importância da Lei n.
11.445/2007, que estabeleceu a Política Nacional de Saneamento Básico, onde se
insere o Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab, instituído pelo Decreto
n. 8.141, de 2013.[8]
Neste contexto, cabe ao Conselho Nacional
das Cidades o monitoramento do Plansab, estabelecendo metas a serem cumpridas
nos prazos fixados de acordo com a previsão legal.[9]
Como ressaltado no texto, as
problemáticas de uma cidade transcendem a mobilidade e ocupação dos espaços
urbanos, no entanto, a proposta de análise voltou-se, principalmente, para
enfocar os aspectos referidos.
4 CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Com base nas reflexões oferecidas podem
ser extraídas algumas conclusões preliminares, com fulcro no texto da
Constituição vigente (1988).
O primeiro passo é a universalidade de
acesso aos meios de mobilidade urbana, de pessoas, produtos e serviços,
independentemente das condições sociais e econômicas dos usuários, a ser
promovida pelas políticas públicas de desenvolvimento urbano (art. 182). Neste
sentido, veja-se a Lei 12.587, de 3 de janeiro de 2012 (Política Nacional de
Mobilidade Urbana).
O segundo degrau na efetivação do direito
à convivência digna nos espaços urbanos é a promoção do direito fundamental à
moradia (art. 6º), em segurança e bem estar (art.23, parágrafo único, CF).
Acrescente-se a terceira e consequente
necessidade do Poder Público promover a “sadia qualidade de vida” (art. 225)
dos habitantes das cidades, mediante o acesso à água em condições de
potabilidade e ao esgotamento sanitário, conforme ressaltado no texto.
Quanto à ocupação dos espaços urbanos
decorrem dela outros desdobramentos não examinados no texto (para além da
moradia e da mobilidade), como o lazer, o esporte e a segurança, conforme prevê
a Lei Maior (art. 6º) Também, como assegura o art. 136 (in fine), o atendimento em situações de anormalidade, ou seja, em
“calamidades de grandes proporções na natureza”; ou, ainda, causadas pela
insegurança diante da violência urbana (art. 144 da Constituição) devem ser
contempladas pelo Estado, “na preservação da ordem pública e da incolumidade
das pessoas e do patrimônio...”
Um quinto passo que pode ser alçado à
categoria de indispensável na promoção da mobilidade, ocupação e segurança das
cidades é o incentivo à pesquisa e ao planejamento das necessidades urbanas,
mediante a participação popular. Os cidadãos, habitantes de um espaço urbano,
conhecem muito mais do que os administradores das cidades as suas carências,
vulnerabilidades e expectativas. Neste sentido, a participação popular é
valiosa, o que se permite por intermédio de audiências públicas, quando da
elaboração do Plano Diretor, a ser aprovado pela Câmara Municipal (art. 182,
CP).
Em particular, o Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC é uma evidência de que para a adoção de
medidas a longo e médio prazo em prol das populações urbanas, devem andar lado
a lado a pesquisa e o planejamento. O IPPUC irá completar 50 anos em dezembro
de 2015, com resultados obtidos na cidade de Curitiba que servem de modelos no
País e fora dele; a exemplo do BRT (ônibus biarticulado de trânsito rápido) e o
sistema integrado de mobilidade urbana; além do paisagismo voltado para o lazer
e o incentivo à prática de esportes.[10]
REFERÊNCIAS
[1]
Advogada. Mestre em Direito Público
pela UFPR. Especialista em Filosofia do Direito pela PUCPR. Professora titular
de Teoria do Direito do UNICURITIBA. Professora Emérita do Centro Universitário
Curitiba, conforme título conferido pela Instituição em 21/04/2010. Orientadora
do Grupo de Pesquisas em Biodireito e Bioética – Jus Vitae, do UNICURITIBA,
desde 2001. Professora adjunta IV, aposentada, da UFPR. Membro da Sociedade
Brasileira de Bioética – Brasília. Membro do Colegiado do Movimento Nós Podemos
Paraná (ONU, ODM). Membro do IAP – Instituto dos Advogados do Paraná.
[2] PIACENTINI, Patrícia.Cidades fantasmas. Rev. Ciência
& Cultura – Temas e Tendências. SBPC, ano 67, nº2 – abril/maio/junho de
2015, p.12.
[3] Idem.
[4] Idem.
[5] Disponível em www.g1.com/mundo
[6] Terremotos causam enorme destruição no Nepal. Rev.
Informação. Médicos Sem Fronteiras (SFM): ano 18, n.37, junho/2015, p.9
[7] BRASIL, Constituição da República Federativa do.
Disponível em www.planalto.gov.br
[8] MORROSINI, Liseane. Reflexo das desigualdades. Radis
– Comunicação e saúde, n.154 – julho 2015, p.16.
[9] BRASIL. Lei n.11.445;2007, que instituiu a Política
Nacional de Saneamento Básico – Plansab, disponível em www.planalto.gov.br
[10] COLUCCI, Maria da Glória. Sustentabilidade social e
planejamento urbano sistêmico: diretrizes principiológicas. Revista do
Mestrado/Unicuritiba; vol.3, n.36/2014,p.290-307.
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