19/05/2021

Em pauta: Caso Tatiane Spiztner – Um marco para o feminicídio

 



Por Izabela Cristina Facchi



No último dia 10 de maio, Luis Felipe Manvailer foi condenado pelo assassinato de sua esposa, Tatiane Spitzner, no maior julgamento no Tribunal do Júri desde a reforma do Código Penal em 2008. Para os que não se recordam do caso, este aconteceu em 2018, quando o corpo de Tatiane, uma advogada de apenas 29 anos, foi encontrado após uma queda livre do quarto andar do prédio onde morava com seu esposo. Na investigação policial, foram juntadas várias provas que apontariam para um o assassinato da advogada por parte de seu cônjuge, incluindo vídeos das câmeras de segurança do prédio, mostrando cenas graves de agressão de Manvailer para com Tatiane, que tentava, em vão, fugir do marido. As cenas capturadas pelas câmeras de segurança e o fato do marido ter fugido do local do crime levou os policiais a desconfiarem que o caso – ao contrário do que se poderia pensar à primeira vista – não era de um suicídio, mas sim de um homicídio. A suspeita foi confirmada  após o laudo da necropsia atestar que, na verdade, a morte foi causada por asfixia mecânica e que o corpo de Tatiane foi jogado da sacada já sem vida.

A decisão do júri, que ocorreu em Guarapuava/PR, veio como um consolo, não apenas à família, a qual pedia veementemente por justiça, mas também, para todas as mulheres que acompanharam o caso desde o início. Porém, ao analisarmos o contexto do julgamento, será que realmente demos um passo para o tratamento igual às mulheres, e o fim dos dados alarmantes de feminicídios que ocorrem no Brasil?

Desde o seu início, o julgamento se deu de forma conturbada e polêmica, a começar pelo fato de ter sido adiado 3 vezes. A terceira e última, a mais marcante, no dia 10 de fevereiro deste ano, ocorreu cerca de três horas após o início  da sessão, quando o juiz não autorizou o uso de um vídeo pela defesa, que se passava na portaria do prédio onde o crime ocorreu. A defesa abandonou o Tribunal, e além de ter sido considerado pelo juiz uma “afronta ao processo, ao réu e à justiça”, foi estabelecido uma multa de 100 salários mínimos para cada advogado que integrava a equipe. Entretanto, a multa foi retirada em recurso julgado pelo TJ-PR, que prezou pelo direito de ampla defesa do réu. 

O segundo fato curioso do julgamento foi, após um sorteio, e 30 pessoas terem sido escolhidas para integrar o julgamento, as quatro mulheres sorteadas foram dispensadas pela defesa, sendo 3 delas sem justificativa (um direito da defesa de fazê-lo), e a outra mulher foi dispensada após autorização do juiz - pois acompanhava uma página sobre o caso em uma rede social. Ao final, sobraram apenas sete homens no júri. Novamente: 7 homens compondo o júri, no julgamento de um feminicídio. No plenário, além dos jurados e do réu, um juiz, um promotor, sete advogados na equipe de defesa, e quatro assistentes de acusação, sobrando apenas uma mulher presente, a assistente do promotor.

Como se já não fosse o suficiente o tribunal estar repleto de homens, os atrasos e adiamentos das sessões, usadas como estratégias da defesa, ainda temos mais um pilar para esse júri dos horrores: a tese usada pela defesa, tentando a todo custo colocar Tatiane, a vítima, no banco dos réus. A defesa acusava a vítima de ser uma mulher ciumenta, desequilibrada, que fez Luiz Felipe “perder a cabeça” e a agredir e, depois, se matou. 

Por último, ao ver que a prova do laudo de asfixia mecânica estava sendo aceita pelo júri, o advogado de defesa de Manvailer, Cláudio Dalledone Junior, querendo provar que a vítima não havia morrido por estrangulamento, decidiu fazer uma reconstituição dos fatos. Porém, não se utilizou de modelos figurativos, como bonecos, para fazê-lo, mas sim uma colega advogada, a qual se submeteu à uma reencenação do estrangulamento, sendo enforcada em frente de todos os presentes na sessão. Ao vermos o vídeo desta cena, vemos o quão forte Dalledone balança a advogada, que por mais que tenha concordado com a encenação, parecia bastante desnorteada. Ainda, o advogado pede para que ela mostre seu pescoço aos jurados, promotor, juiz, e outros que ali estavam, querendo provar que, caso Tatiane tivesse sido morta por enforcamento, tal absurdo deixaria marcas em sua pele, como ele o fez em sua colega. 

A OAB/PR se manifestou, dizendo que, por mais que o Tribunal do Júri se faça há anos por meio de um aspecto teatral, tudo tem seu limite ético, certos comportamentos são fortemente repudiados, e que tal atitude do advogado de defesa seria investigada e observada mais de perto. Logo, o advogado que foi advertido gravou um vídeo com a colega envolvida na situação, dizendo que teria a advogada autorizado a reconstituição, e que a encenação foi treinada em off para ser realizada no dia, sem haver manifestação alguma da advogada. 

Para falar sobre o julgamento com mais propriedade, convidamos uma jornalista que esteve presente em todas as sessões, Bárbara Hammes do G1/PR. Ela nos contou que era uma das poucas mulheres presentes no Tribunal, tendo, portanto, uma visão diferente dos demais. O caso Tatiane Spitzner foi o primeiro julgamento de que Bárbara participou, não apenas como jornalista. Ela relata que o clima que encontrou no Tribunal era pesado, tenso e denso, mas que ambas as famílias se contiveram dentro das sessões, tendo um embate apenas uma vez em que a família da vítima se exaltou. Segundo Bárbara, 90% do espaço ali era composto por homens, e que as únicas mulheres que compunham a acusação e a defesa (uma para cada parte), ambas foram usadas para demonstrar o estrangulamento, a defesa sendo mais contundente, e a acusação para mostrar a altura da esganadura. A presença e a voz feminina foi silenciada, durante todo julgamento. 

Ao ser perguntada sobre o que sentiu ao ver a cena da advogada sendo agredida, a jornalista diz que a palavra que mais representava o sentimento era “humilhante”. Quando lhe foi pedido para explicar, ela falou que:



“por mais que se tratasse de um julgamento, e uma mera encenação, ainda sim estava representando a realidade de muitas mulheres brasileiras; quando a advogada foi chamada à frente, eu acreditei que ela falaria pela primeira vez em todos os dias de sessão, mas fui acometida por um susto ao ver aquela cena, não esperava mesmo. No final senti que a voz das mulheres, tão importante nesse caso, foi ignorada, como se estivéssemos ali apenas para isso (esganadura)”. 

 


Quanto ao questionamento de como as partes se comportaram, afirmou que ambos estavam equilibrados no quesito provas, argumentação, e a atenção dos jurados, que foi prendida desde o primeiro dia, o que gerou muitas perguntas feitas por eles às testemunhas.



“O trabalho da defesa foi delicado, detalhista, e minucioso, não deixaram passar nem uma vírgula do caso, desde a investigação policial, até acontecimentos que antecederam o crime. O equívoco deles pode ter sido a tese de defesa, que, querendo ou não, se tornou machista, uma narrativa que tentava provar ao júri que Tatiane seria uma louca, uma mulher que seria chantagista emocional, realmente transformando-a em uma pessoa desequilibrada. Cheguei a me perguntar, que se algo acontecesse comigo, eu não seria tachada de louca também.”



Ainda, sobre o depoimento de Manvailer, que foram mais de 10 horas e ocorreu no Dia das Mães (9), ela disse que, mesmo se tratando de um emblemático caso de feminicídio, foi difícil ver sua família presente, principalmente sua mãe. Entretanto, a jornalista afirmou que, o réu se manteve frio e tranquilo em todos os dias do processo, mas, quando as perguntas se voltaram para sua cônjuge, Tatiane, Manvailer se alterou um pouco, usando muitos palavrões em suas falas, chegando a bater na mesa em determinado momento, se obrigando a pedir desculpa aos jurados por ter se exaltado. 

No dia seguinte ao seu depoimento, a decisão condenatória do júri veio como um “alívio” para a acusação e familiares de Tatiane. Quase uma pena máxima, algo surpreendente. Mas as reações foram silenciosas, sem muito alarde. Após o juiz ler a sentença, a família do réu se levantou, tranquilamente, e se dirigiram até ele, e, um por um, foram autorizados a se despedir de Manvailer. 



“Ele ouviu a sentença e estava sereno, quando sua família chegou perto, dava para se ver ao longe ele tentando acalmá-los. A família de Tatiane não se manifestou nenhum momento ali dentro, mas quando saímos do Tribunal, havia muitas pessoas ali, tanto a imprensa, tanto quanto carros que buzinavam em comemoração, e uma comoção enorme pela população de Guarapuava. Pela primeira vez, vimos as lágrimas de alívio dos familiares, muitas demonstrações de carinho entre eles, muitos abraços, e comemorações. Foi engraçado, cheguei a comentar com meu colega que aquela cena me lembrava uma final de Copa do Mundo, na qual o Brasil teria ganho. Acho que essa decisão significou muito mais do que conseguimos enxergar”. 



A pergunta final se tratava de que, mesmo o julgamento e as sessões tendo sido conturbados, com todas as polêmicas que envolveram o caso, se a sentença condenatória teria sido “um marco no feminicídio”, e sua resposta foi afirmativa. 



“a sentença de 24 páginas do juiz foi muito necessária, ele tratou de outros casos de feminicídio, os quais não tiveram tanta repercussão quanto este, e como as mulheres eram julgadas pelo júri e público, que as justificativas para suas mortes sempre surgiam, o que não seria mais aceito dali pra frente. Que um relacionamento abusivo não é chamado assim por acaso, mas sim porque é muito difícil sair de um, não cabendo justificativa nenhuma para violência. Estamos dando passos lentos no Brasil, mas foram palavras necessárias, foi um caso que será para sempre um marco do feminicídio. A frase que mais ecoou na sentença, foi que nada, NADA, justifica uma agressão”




Luis Felipe Manvailer foi sentenciado a 31 anos, 9 meses e 18 dias de prisão, por homicídio qualificado de Tatiane Spitzner, após 7 dias de julgamento. A sentença é considerada por alguns inédita, para outros uma mudança tão esperada pela sociedade. O juiz, Adriano Scussiatto Eyng, considerou todas as agressões feitas pelo réu, como fatores à aumentar e decidir sua pena, estando incluídas as ofensas, humilhações, e todos os terrores psicológicos vividos pela vítima. Eyng citou a busca feita por Tatiane no Google em 2017: “agressão verbal de marido”; “Meu marido me ofende com palavras, como agir?”. Buscas estas que estão apenas 7 meses separadas do crime. 

Ao final de todas as turbulências que envolveram o caso, o processo, e o julgamento em si, vemos que realmente estamos diante de uma virada de jogo à favor das mulheres, e as palavras do advogado da família de Tatiane e professor do UNICURITIBA, Gustavo Scandelari, dão suporte a essa ideia: 



“A sentença de condenação é uma satisfação à família de Tatiane Spitzner. É um recado claro da sociedade guarapuavana e de todos os cidadãos e cidadãs brasileiras contra a violência de gênero e todas as formas de violência doméstica. O Poder Judiciário atribuiu uma pena proporcional, justa, e ficará registrado para que motive cada vez mais ações, para que encoraje pessoas a denunciarem casos de violência contra às mulheres”.


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Referências  


G1. Caso Tatiane Spitzner: 3 adiamentos e 7 jurados homens; veja fatos sobre o julgamento de Luis Felipe Manvailer. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/noticia/2021/05/11/caso-tatiane-spitzner-3-adiamentos-e-7-jurados-homens-veja-fatos-sobre-o-julgamento-de-luis-felipe-manvailer.ghtml>. Acesso em: 17 de mai. 2021. 

Istoé. Juiz cita pesquisa por termo “terror psicológico” em sentença de caso Tatiane Spitzner. Disponível em: <https://istoe.com.br/juiz-cita-pesquisa-por-termo-terror-psicologico-em-sentenca-de-caso-tatiane-spitzner/>. Acesso em: 18 de mai. 2021. 

RicMais. CASO TATIANE SPITZNER COMPLETA UM ANO: REVEJA OS VÍDEOS E RELATOS. Disponível em: <https://ricmais.com.br/noticias/seguranca/caso-tatiane-spitzner-completa-um-ano/>. Acesso em: 16 de mai. 2021. 

BemParaná. MP critica 'simulação' de agressão por advogado em julgamento de caso Tatiane Spitzner. Disponível em: <https://www.bemparana.com.br/noticia/mp-critica-simulacao-de-agressao-por-advogado-em-julgamento-de-caso-tatiane-spitzner#.YJ9HYKhKjIW >. Acesso em: 17 de mai. 2021. 

Uol, Universa. Tatiane Spitzner: até quando tentarão culpar vítima pela sua própria morte?. Disponível em: <https://www.uol.com.br/universa/colunas/2021/05/11/tatiane-spitzner-condenacao-de-manvailer-por-4-a-3-machismo-do-judiciario.htm>. Acesso em: 17 de mai. 2021. 

G1. OAB-PR vai apurar conduta de advogado que simulou esganadura de Tatiane Spitzner em colega durante júri em Guarapuava. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2021/05/11/oab-pr-vai-apurar-conduta-de-advogado-que-simulou-esganadura-de-tatiane-spitzner-em-colega-durante-juri-em-guarapuava.ghtml >. Acesso em: 17 de mai. 2021. 

G1. Caso Tatiane Spitzner: Luis Felipe Manvailer é condenado a 31 anos de prisão. Disponível em: <https://g1.globo.com/pr/campos-gerais-sul/ao-vivo/caso-tatiane-spitzner-juri-popular-de-luis-felipe-manvailer-ocorre-nesta-terca-feira-4-em-guarapuava.ghtml >. Acesso em: 18 de mai. 2021.




Um comentário:

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