29/05/2021

O Direito Animal, os testes em animais na indústria cosmética, de higiene pessoal, perfumaria e limpeza e a decisão do Supremo Tribunal Federal


Juliane Ferradás Muiños e Prof.ª Lucimar de Paula


Discute-se desde a antiguidade clássica sobre o correto tratamento que deve ser dispensado aos animais. Pitágoras afirmava que tanto os animais humanos quanto os não humanos têm alma. Rousseau defendia a senciência animal e Jeremy Bentham acreditava que deveria ser levado em consideração a capacidade dos animais de sofrer e não a de pensar, pois para o filósofo se a racionalidade fosse um critério para ser considerado sujeito de direito, bebês e deficientes mentais tambémnão poderiam ser consideradas pessoas.

No Brasil, o primeiro estatuto jurídico de direito animal foi o Decreto 24.645/1934, que conferiu aos animais direitos de não serem submetidos a crueldade e a capacidade de serem representados judicialmente na defesa de seus interesses. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, elevou a proteção à status constitucional, porque dispôs em seu artigo 225, §1º, VII, parte final, o direito dos animais de não serem tratados com crueldade, reconhecendo-se, assim, a dignidade e senciência animal. 

Em contrapartida, discute-se ainda no Brasil se a testagem de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e limpeza em animais é cruel. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 5995, julgada no dia 27/05/21, a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – ABIHPE visava ver declarada pelo STF a inconstitucionalidade da Lei Fluminense que proibia a testagem em animais.

O Supremo Tribunal Federal (STF), de outro modo, por 10 votos contra 1, julgou constitucional o dispositivo da lei do Estado do Rio de Janeiro, que proíbe a utilização de animais para desenvolvimento, experimentos e testes de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e de limpeza. 


Os testes em animais


A experimentação animal sempre foi uma realidade e assim a ciência conseguiu adquirir conhecimento suficiente para curar para doenças e para desenvolver medicamentos. Entretanto, os testes não se limitaram à pesquisa para cura de doenças e medicamentos, mas para testagem de produtos cosméticos, de higiene pessoal, perfumes e limpeza. 

Os padrões de beleza mudam em grande velocidade e isso faz com que a demanda por novos produtos seja crescente e quanto mais novos produtos no mercado, mais animais em laboratórios sendo torturados e mortos. 

Muitas empresas, inclusive, totalmente de má-fé, indicam que o seu produto cosmético é medicamento para que os testes em animais sejam liberados mais facilmente. 


Como os testes são feitos 


Erroneamente o consumidor imagina que os testes feitos em animais consistem em, por exemplo, passar batom na pele do animal e ver se isso causa alguma reação, porém a realidade é outra. O produto final não é testado, mas sim suas substâncias separadamente. 

Um dos testes mais comuns são os TESTES DE IRRITAÇÃO OCULAR DE DRAIZE, que consistem em deixar o animal preso em um compartimento e pingar a substância nos olhos para observar as diferentes reações causadas. Geralmente os animais passam dias e semanas com os olhos inflamados, sangrando, e sem poder se mexer. É necessário relembrar que estes animais não possuem nenhum tipo de amparo como medicamentos ou anestésicos para que sua dor seja diminuída. 


Selos Cruelty Free


O selo Cruelty Free, utilizado como indicador nas embalagens de produtos que não fazem testes em animais, na realidade não possui uma fiscalização rigorosa, fazendo com que empresas, muitas vezes, o utilizem sem o consentimento das entidades responsáveis e sem estarem de acordo com as normas previstas para utilização, enganando os consumidores desinformados.

Anunciar que um produto é vegano ou Cruelty Free, mesmo este produto não sendo, encaixa-se na prática vedada pelo artigo 37, do Código de Defesa do Consumidor, chamada de propaganda enganosa. 

É importante destacas que os resultados obtidos com as testagens em animais muitas vezes não se aplicam aos seres humanos, como por exemplo o remédio Talidomina, que foi amplamente testado em animais na sua fase de desenvolvimento, porém, foi inserido no mercado como medicamento para o tratamento de artrite, acabou resultando no óbito de sessenta e uma pessoas e mais três mil e quinhentos casos de reações decorrentes do medicamento.

O inverso também acontece e alguns medicamentos aptos para humanos não podem ser utilizados em animais, como é o caso da insulina e da morfina que são mortais para alguns tipos de animais. Dois exemplos de medicamentos amplamente usado no dia a dia de diversas pessoas e que poderiam não existir caso os estudos se baseassem apenas em experimentações com animais, demonstrando que testes deste tipo precisam ter sua eficácia seriamente questionada. 


Métodos alternativos


A respeito da Lei de Crimes Ambientais, o art. 32 tipifica como crime a “experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, mesmo que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos” 

Uma alternativa são os sistemas de Teste In Vitro, os quais possuem capacidade de entregar um resultado igual ou muito próximo ao que se conseguiria se testado em algum animal, utilizando por exemplo uma pele sintética. São alternativas mais eficazes e com custo menor. 


Referências:


http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=466626&ori=1


ALBUQUERQUE, Lia C. do Valle de. A ética e a experimentação animal à luz do Direito Brasileiro e da União Europeia. Revista Brasileira de Direito Animal. 2015.


ATAIDE JUNIOR, Vicente de Paula. Decreto 24.645/1934: Breve história da “Lei Áurea” dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, e -issn: 2317-4552, Salvador, volume 15, n. 02, p.47-73, Mai - Ago 2020


FORNASIER, Mateus de Oliveira; TONDO, Ana Lara. Experimentação animal na indústria de cosméticos e teoria do direito: uma análise sistêmica dos “direitos dos animais”. RBDA, SALVADOR, V.12, N. 02, PP. 43 - 82, Mai - Ago 2017


FRANCA, Camilla Custoias Vila. Percepção de produtores de cosméticos verdes e consumidores sobre a certificação natural, orgânica e vegana no contexto da Nova Economia Institucional. – Universidade de São Paulo, programa de pós-graduação em sustentabilidade. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário