08/06/2019

Em pauta: O enquadramento jurídico da polêmica envolvendo Neymar Jr.





O fato mais comentado desta semana foi, sem dúvidas, a denúncia de que o jogador  Neymar Jr. teria estuprado a modelo Najila Trindade Mendes de Souza. Desde então, o caso vem ocupando espaço nos meios de comunicação e causando diversos debates sobre quem estaria falando a verdade. Este texto não pretende fazer qualquer juízo de valor ou assumir uma posição quanto ao caso, mas apenas discorrer sobre os tipos penais envolvidos no debate e as possibilidades jurídicas do caso.

Pelo que se sabe até agora, parecem ter ocorrido, ao menos, dois crimes: 1) exposição de fotos íntimas; 2) estupro ou denunciação caluniosa. E é sobre esses delitos que iremos discorrer a seguir.



ESTUPRO

          Tipificado no artigo 213 do Código Penal, o crime de estupro se dá pelo constrangimento de alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (pena de reclusão de 6 a 10 anos).

Ou seja, com a alteração do Código Penal pela Lei 12.015/09, o estupro não é mais entendido apenas como a penetração de um homem contra a mulher, abrangendo como bem jurídico tutelado a liberdade sexual do homem e da mulher, no que tange a faculdade de ambos escolherem livremente seus parceiros sexuais – podendo recusar, inclusive, o próprio cônjuge[i]. Além disso, destaca Bitencourt, “não é necessário que a força empregada seja irresistível: basta que seja idônea para coagir a vítima a permitir que o sujeito ativo realize seu intento”[ii].

            Ainda, para o enquadramento no tipo penal, não há qualquer espaço para se questionar a vida pregressa ou a moral sexual (seja lá qual for o significado desta expressão!) da(o) ofendida(o), podendo ser a vítima, inclusive, garotas(os) de programa, sempre que a prática sexual for contra a sua vontade. Conforme Guilherme Nucci[iii], “sob essa ótica, é crucial afastar todo tipo de preconceito e posições hipócritas, pretendendo defender uma resistência sobre-humana por parte da vítima, a fim de comprovar o cometimento do estupro”.

          No caso em discussão,  Najila afirma que, a princípio, a relação foi consensual, mas ao dizer que não poderiam praticar a conjunção carnal devido à ausência de preservativo, o jogador se manteve em silencio, a agrediu e iniciou a penetração, segurando-a com força e a impedindo de reagir, ainda que ela tenha pedido para que ele parasse com o ato[iv].

          Caso tenha ocorrido a violação, nos termos da entrevista dada pela suposta vítima ao SBT, não há dúvidas quanto ao cometimento do estupro. Isso porque, ainda que tenha inicialmente consentido, a partir do momento da recusa e da continuidade do ato por Neymar, caracterizado está o ato forçado para lasciva sexual.

          Todavia, Neymar alega que a relação foi consensual do começo ao fim e que foi vítima de uma armação por parte da modelo. Se as provas comprovarem a versão do jogador, Najila poderá responder por Denunciação Caluniosa.



DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA


          Conforme o artigo 339, do Código Penal, a denunciação caluniosa é: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente”.

          Nesse sentido, é indispensável que o arquivamento ou absolvição (art. 386, I, IV, V, CPP) tenha como fundamento a falsidade da imputação com o conhecimento do imputante. Além disso, é indispensável a conclusão definitiva da investigação ou absolvição transitada em julgado, como um mínimo de garantia da Administração da Justiça[v]. Destaca-se, ainda, que o elemento subjetivo do crime é o dolo, ou seja, a vontade consciente de provocar a investigação policial, judicial, administrativa, civil ou de improbidade.

Então, findada a investigação policial – e eventual processo criminal, caso o Ministério Público decida por realizar denúncia ao Poder Judiciário –, havendo a comprovação de que Neymar Jr. não cometeu o crime de estupro e, mesmo ciente disso, Najila fez a imputação à ele, poderá o jogador, optar em denunciá-la por denunciação caluniosa, além de incidir os crimes contra a honra (art. 138 a 140, CP), danos morais e lucros cessantes pela perda de contratos (art. 5º, V e X, CF).



DIVULGAÇÃO DE IMAGENS INTIMAS

          Enquanto o enquadramento dos dois delitos anteriores depende de uma instrução probatória que esclareça o que ocorreu entre as quatro paredes de um quarto de hotel em Paris, há outro delito envolvido no debate, nos quais os indícios de autoria e materialidade foram testemunhados por milhões de pessoas do mundo todo, através da Internet e das redes sociais.

Após a notícia da denúncia de estupro ter vindo à tona, o jogador Neymar divulgou em sua rede social um vídeo com conversas entre o casal, contando com fotos íntimas da modelo. Alegou ter borrado as fotos para evitar sua identificação, entretanto, só foram censurados os mamilos e a vulva, mas as fotos de lingerie e, inclusive, a foto dos glúteos se mantiveram em evidência. Além disto, o incomum prenome de Najila não foi apagado em uma das mensagens, o que permitiu sua rápida identificação nas redes sociais.

          O artigo 218-C, do Código Penal, trata sobre a exposição de fotografias ou vídeos íntimos contendo cenas de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da vítima. Conforme o dispositivo, ainda que Najila tenha encaminhado fotos de teor sexual para Neymar Jr., e ainda que ele tenha mostrado a conversa com a finalidade de se defender e não a expor, em momento algum há o consentimento dela para que as fotos viessem a público. Destaca-se que aquele consentimento dado para que alguém capte ou receba uma imagem com conteúdo íntimo não se estende para que o remetente possa compartilhar as fotos e/ou vídeos com terceiros.

Desta forma, caso seja responsabilizado pela divulgação indevida, o jogador poderá responder tanto no âmbito criminal quanto no cível. Nesse sentido, pelo Código Penal, incidirá a pena do artigo acima mencionado, inclusive com a agravante do §1º, visto que ambos mantiveram relações sexuais e, ainda, pode-se considerar uma possível intenção de vingança ou humilhação da pessoa com quem trocava as mensagens. Já na esfera civil, haja vista a ilicitude da conduta, bem como a existência de nexo causal entre fato e dano, surge o claro dever de indenizar Najila, independentemente da existência ou não do crime de estupro, vez que foram condutas autônomas e distintas.

Em relação a isso, o Blog Unicuritiba Fala Direito  conversou com especialistas no tema para uma melhor compreensão quanto a este crime. 

 Alex Mecabô[vi], advogado e egresso do UNICURITIBA, autor do livro  “Direitos humanos fundamentais e a antropologia das emoções: a prática de Revenge Porn”, atualmente mestrando na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI), afirma:


[...] o caso exige duas reflexões distintas. Sob a perspectiva civil, acredito que há responsabilidade por violação dos direitos da personalidade da moça, na medida em que ela foi levada ao escrutínio público, contra sua vontade, após a veiculação de uma conversa íntima. Já sob a ótica penal, compreendo que não há conformação do fato com o tipo descrito no 218-C. Se a imagem não é nítida e não identifica a suposta vítima, não há nudez e não há crime. Entendo, também, que não há dolo do Neymar, já que, a priori, a intenção era se defender de uma acusação pública e não expor as imagens íntimas da moça.

       

          O entendimento, no entanto, divide opiniões inclusive entre os especialistas do mesmo Grupo, que dedica-se, dentre outras coisas, a debater questões jurídicas ligadas à Internet. Nesse sentido, a também mestranda da UFPR e pesquisadora do GEDAI, Alice de Perdigão Lana[vii], autora do livro  "Mulheres expostas: revenge porn, gênero e o Marco Civil da Internet",  afirma: 


Independentemente da existência de estupro ou não, da índole do jogador ou de Najila, ou mesmo dos motivos que levaram Neymar Jr. a realizar a exposição da troca de mensagens, o fato é que imagens de nudez foram divulgadas sem consentimento da pessoa exposta - o que é crime, conforme o art. 218-C do Código Penal. A ampla defesa milita em favor do acusado dentro do processo penal, nos autos, e não no universo midiático. Além disso, essa exposição não consentida gera direito à indenização por danos morais.

No vídeo divulgado por Neymar Jr., é possível ver o nome, rosto e corpo da mulher exposta. Ainda que algumas das imagens estejam borradas, não são todas e não estão suficientemente anonimizadas. Não é difícil saber que alguém com tantos recursos e assessoria quanto o jogador teria, facilmente, condições de borrar corretamente o nome, rosto e corpo de Najila em toda a troca de mensagens. No entanto, não o fez, expondo a modelo ao pesado julgamento moral do Brasil e do mundo.

A disseminação não consensual de imagens íntimas - pejorativamente caracterizada como um mero "crime de internet" pelo pai de Neymar - não é escusável. Esse "crime de internet", com assustadora frequência, tem consequências devastadoras na vida das mulheres expostas - como mudança de emprego, de escola e mesmo de cidade ou estado. Não são raros os casos que terminam com suicídio. Sua gravidade e seus efeitos não devem ser banalizados.

           

          Independentemente do desfecho das investigações, é importante lembrar que também comete o crime do art. 218-C quem recebe as fotos e as compartilha com outras pessoas. Isto é: caso você receba fotografias e/ou vídeos íntimos de qualquer pessoa e, sem o consentimento dela, repassa aos amigos, poderá incidir na mesma pena do artigo. 

Por isso, ao se deparar com imagens de cunho sexual, não passe a diante!    



Notas:

1.     Alex Mecabô é advogado, graduado pelo UNICURITIBA e mestrando em Direito das Relações Sociais, pela UFPR. Autor do livro “Direitos humanos fundamentais e a antropologia das emoções: a prática de Revenge Porn” (disponível na Biblioteca física do UNICURITIBA).

2.     Alice de Perdigão Lana é graduada pela UFPR, mestranda e bolsista CAPES em Direito das Relações Socias pela UFPR e pesquisadora sobre a privacidade e dados pessoais. Pesquisadora no Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR) e no Grupo Direito, Biotecnologia e Sociedade (BIOTEC/UFOR). Autora do livro "Mulheres expostas: revenge porn, gênero e o Marco Civil da Internet" (disponível, na íntegra, no site https://www.gedai.com.br/publicacoes/revenge-porn-genero-e-o-marco-civil-da-internet/).



[i] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 4 – Crimes contra a dignidade sexual até crimes contra a fé pública. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 50.
[ii] Ibid., p. 55.
[iii] NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes contra a Dignidade Sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 19.
[iv] ENTREVISTA com mulher que acusa Neymar de Estupro. YouTube. 2019 (5min até 6min). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=bXb0QmWNE7E>. Acesso em: 06 jun. 2019.
[v] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 5 – Crimes contra a Administração Pública e crimes praticados por prefeitos. 12ª ed. São Paulo: Saraiva: 2018. p. 327.
[vi] Relato fornecido à Giovanna Maciel, via whatsapp.
[vii] Relato fornecido à Giovanna Maciel, via whatsapp.

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