16/06/2019

Me indica uma série? - Aspectos jurídicos da série "13 reasons why".


O seriado americano “13 Reasons Why” disponibilizado na Netflix em 2017, acompanha a história Hannah Baker por meio da visão de seu amigo de escola Clay Jensen.
Na 1º temporada, Clay recebe uma caixa de sapatos com 7 fitas cassetes. Ao escutar o conteúdo delas, descobre que as gravações foram realizadas por sua amiga/ “Crush” Hannah Baker, uma jovem que cometeu suicídio, recentemente. Cada fita possui motivos que a levaram a realizar tal conduta, bem como culpados. Ao ler as instruções, Hannah deixou claro que se as fitas não fossem devidamente repassadas para todas as 13 pessoas envolvidas, alguém de sua confiança iria entregar todas as gravações à polícia.

ATENÇÃO: A partir deste momento haverá alguns Spoilers!!

Motivos que levaram Hannah Baker a suicidar-se:
1º motivo: Justin Foley – Primeiro beijo de Hannah. Apesar de ter sido apenas um beijo, em determinado momento de descontração, durante um encontro no parquinho, Justin tira uma foto da parte de baixo de sua saia e divulga a imagem para todos os seus colegas. Esta atitude fez com que a jovem fosse rotulada de “menina fácil”, pois concluíram que foram muito além de um simples beijo.
2º motivo: Jessica Davis – Primeira amiga. Quando Hannah entrou na escola, fez amizade com Jessica. Ocorre que, assim que Jessica começa a se relacionar com Alex e realizar atividades extracurriculares, afasta-se de Hannah e a acusa de dar em cima de seu namorado (Neste episódio, Jessica deu um tapa no rosto de Hannah pelas suposições criadas em sua cabeça).
3º motivo: Alex Standall – Novato, amigo da protagonista. Jessica, Alex e Hannah formavam um trio de amigos, mas ambos a abandonaram após iniciarem um relacionamento.  Alex, também, foi uma das pessoas que que aumentaram a importunação sexual em relação a Hannah, pois incluiu seu nome numa lista de “garotas mais atraentes da escola”.
OBS: Assim que ouve as fitas, ele também tenta suicídio.
4º motivo: Tyler Down – Fotografia e perseguição. Tyler era conhecido por ser o fotógrafo da escola. Porém, além disto, ele perseguia a Hannah, pois tirava fotos dela através da janela de seu quarto, sem que a mesma percebesse sua presença. Em um destes registros, ele a flagrou beijando outra garota, a Courtney. Tal atitude acarretou ataques homofóbicos.
5º motivo: Courtney Crimsen – Traição de confiança. Em que pese tenha beijado Hannah, quando a foto foi divulgada, inventou que era outra pessoa e que Hannah estava envolvida num relacionamento lésbico.
6º motivo: Marcus Cule – Propostas sexuais. A princípio, ele parece ser um bom rapaz, mas ao marcar um encontro com Hannah, chega atrasado, a humilha e faz propostas sexuais na frente de seus amigos, que se divertem com a situação.
7º motivo: Zach Dempsey – Ele tenta ajudar Hannah, mas em certo momento, discutem e se afastam um do outro.
8º motivo: Ryan Sahaver –  Publicação de poema sem devida autorização. Dentro da escola havia um grupo de poesia. Ryan era o líder e editor da revista do local. Ele se usa disto para divulgar um poema de Hannah, sem sua autorização, o que lhe acarretou um sentimento de ridicularização.
9º motivo: Justin Foley (novamente) – Cumplice de estupro. Justin é culpado pelo fato de ter permitido a realização do estupro contra Jessica.
10º motivo: Sheri Holland – Morte de colega. Na volta de uma festa, Sheri bate o carro num sinaleiro e não permite que Hannah ligue à polícia. Por conta disto, Jeff (colega de escola) sofre um acidente e não resiste.
11º motivo: Clay – Ausência de atitudes. Clay era extremamente apaixonado por Hannah, mas não percebia os sinais de que ela não estava bem e precisava de ajuda. Até iniciaram um relacionamento, mas pelos seus traumas, ela pediu para que ele se afastasse, ele o fez e ela gostaria que ele tivesse lutado pelo seu amor.
12º motivo: Bryce Walker – Realização do estupro. Bryce é o “bam bam bam” da escola e chefe do time de basquete. Estupra Jessica no momento em que ela estava inconsciente e após isto, estupra Hannah numa jacuzzi.
13º motivo – Kevin Potter: Omissão da escola. Hannah chegou a pedir ajuda à escola sobre tudo o que estava acontecendo, porém, Kevin desconfia de suas alegações e diz que ela deverá: ou apontar o culpado, diretamente, ou esquecer de todos os acontecimentos e seguir sua vida.
A segunda temporada, refere-se ao julgamento da escola por saberem da realização do estupro e do bullying enfrentado pela protagonista e por terem se mantido omissos, o que acarretou o suicídio de Hannah. Aqui, os episódios não se utilizam de fitas e sim polaroids, que foram fundamentais para que houvesse a descoberta de outros estupros ocorridos no colégio.
OBS: um dos episódios mais chocantes desta temporada foi a realização do estupro contra Tyler Down (Prometo que não darei mais Spoilers).

Após este breve resumo, veremos o lado jurídico do seriado:

1.     Partilha de imagens íntimas sem consentimento:

            Dispõe o art. 5º, X, da Constituição Federal que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
            Neste sentido, o art. 20 do Código Civil protege o direito de imagem da seguinte forma:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

            Portanto, todo indivíduo possui direito de imagem e poderá haver a responsabilização tanto daquele que faz a publicação quanto de quem a compartilha.
            Sobre este tema, tramita na Câmara dos Deputados o PL 242/19 que criminaliza o ato de tirar foto por debaixo da saia ou vestido de uma mulher, sem sua permissão, em locais públicos ou privados. Para quem praticar o chamado upskirting (já criminalizado no Reino Unido), a pena poderá ser de dois a seis anos de reclusão, mais multa.  A proposta será analisada pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher e CCJ. Depois segue para o plenário da Câmara.

2.     Bullying

            De acordo com a lei 13.185/15, Bullying diz respeito a todo ato de violência, seja física, seja psicológica, intencional e repetitiva que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o intuito de intimidá-las ou agredi-las, causando-lhe dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre os envolvidos.
            Quando ele é caracterizado? SEMPRE que houver qualquer forma de intimidação, humilhação ou discriminação provenientes de ataques físicos; insultos pessoais; comentários sistemáticos e apelidos pejorativos; ameaças por quaisquer meios; grafites depreciativos; expressões preconceituosas; isolamento social consciente e premeditado.
A Constituição Federal, no art. 227, redação dada pela Emenda Constitucional nº 65 de 2010, dispõe que:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Além disto, há diversos Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário, como, por exemplo, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), impõe a dignidade física, psíquica e moral do indivíduo, protegendo, portanto, a vítima de bullying que, apesar de não sofrer violência física, sofre coação moral e psíquica, vendo sua esfera psicológica ser abalada em tal processo.
Desta forma, percebe-se que os agressores deverão responder pelos seus atos.

3.     Importunação sexual

            De acordo com o art. 215-A do CP, a importunação sexual diz respeito a uma conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, à qual é cominada pena de reclusão, de um a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave.
            Este crime tem como bem jurídico protegido, conforme o capítulo que foi inserido, a liberdade sexual da vítima, ou seja, seu direito de escolher quando, como e com quem praticar atos de cunho sexual. É crime comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja do mesmo sexo/gênero ou não. A vítima pode ser qualquer pessoa, ressalvada a condição de vulnerável.

4.     Estupro

            De acordo com a redação determinada pela Lei n. 12.015/2009, ao art. 213 do CP, constitui crime de estupro a ação de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”.
Capez, declara que:
O dispositivo legal abarcou diversas situações que não se enquadrariam na acepção originária do crime de estupro, o qual sempre tutelou a liberdade sexual da mulher, consistente no direito de não ser compelida a manter conjunção carnal com outrem. Portanto, a nota característica do delito em exame sempre foi o constrangimento da mulher à conjunção carnal, representada pela introdução forçada do órgão genital masculino na cavidade vaginal. A liberdade sexual do homem jamais foi protegida pelo aludido tipo penal.
Com a nova epígrafe do delito em estudo, entretanto, passou-se a tipificar a ação de constranger qualquer pessoa (homem ou mulher) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Deste modo, ações que antes configuravam crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), atualmente revogado pela Lei n. 12.015/2009, agora integram o delito de estupro, sem importar em abolitio criminis. Houve uma atipicidade meramente relativa, com a mudança de um tipo para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a configurar também estupro, com a mesma pena).

Sendo assim, o estupro passou a abranger a prática de qualquer ato libidinoso, conjunção carnal ou não, ampliando a sua tutela legal para abarcar não só a liberdade sexual da mulher, mas também a do homem.

5.     Suicídio

            Conforme Capez, suicídio é a deliberada destruição da própria vida. Suicida, segundo o Direito, é somente aquele que busca direta e voluntariamente a própria morte. Apesar de o suicídio não ser um ilícito penal, é um fato antijurídico, dado que a vida é um bem público indisponível, sendo certo que o art. 146, § 3o, II, do Código Penal prevê a possibilidade de se exercer coação contra quem tenta suicidar-se, justamente pelo fato de que a ninguém é dado o direito de dispor da própria vida.           Segundo Durkheim, o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”.
6.     Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio

            Não obstante a lei penal não punir o suicídio, cujas razões de índole político-criminal veremos logo mais adiante, ela pune o comportamento de quem induz, instiga ou auxilia outrem a suicidar-se. É que, sendo a vida um bem público indisponível, o ordenamento jurídico veda qualquer forma de auxílio à eliminação da vida humana, ainda que esteja presente o consentimento do ofendido.
            Capez conceitua os termos da seguinte forma:
Induzir: Significa suscitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento quando a ideia de autodestruição é inserida na mente do suicida, que não havia desenvolvido o pensamento por si só.
Instigar: Significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. O sujeito ativo potencializa a ideia de suicídio que já havia na mente da vítima.
Prestar auxílio: Consiste na prestação de ajuda, que tem caráter meramente secundário. O auxílio pode ser concedido antes ou durante a prática do suicídio.

            Portanto, qualquer ato que ajude a vítima a cometer suicídio é crime!

Agora, se você que está lendo este post sofre algum tipo de violência, NÃO SOFRA CALADO! #ConselhoDeAmiga.
(O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Se estiver precisando de ajuda, ligue 188 ou clique aqui)

O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES:

Questionados pelo Blog “Unicuritiba Fala Direito” sobre a influência do seriado em relação ao suicídio, o professor de Psicologia Perci Klein respondeu de forma clara e direta:
“Um seriado apenas não seria o motivo de influenciar jovens ao suicídio. Precisamos pensar quem é este jovem: Até que ponto é influenciável? Tem maturidade para assistir, assimilar e interpretar o que está vendo? Como reage a tal informação? Teve mediação da família e ou da escola? Está é a grande questão!
O seriado fez os indivíduos pensarem a questão da vida, da morte, das perdas, dos sonhos, e o que representa o suicídio numa sociedade globalizada. ”


REFERÊNCIAS:

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 3, parte especial : arts. 213 a 359-H.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2, parte especial : arts. 121 a 212.



** Helem Keiko Morimoto é acadêmica do nono período de Direito do UNICURITIBA e integra a equipe editorial do Blog UNICURITIBA Fala Direito, Projeto de Extensão coordenado pela Profa. Michele Hastreiter.










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