12/06/2019

Especial de Dia dos Namorados - Negócios à parte: o que é um contrato de namoro?







O contrato de namoro é um negócio jurídico celebrado entre duas pessoas que mantém um relacionamento amoroso (namoro) e que pretendem afastar os efeitos da união estável através da assinatura de um documento público. Ainda, no mesmo instrumento, declara-se a independência financeira dos companheiros, podendo constar a ausência expressa de comunicação entre os bens presentes e futuros, bem como se há a intenção de constituir ou não união estável posteriormente[i].

Desta forma, não há acordo obrigacional entre as partes, apenas uma declaração de existência de uma situação de fato, não vinculada ao âmbito jurídico, já que não é disciplinado por nenhuma lei.



NAMORO X UNIÃO ESTÁVEL

Conforme Pablo Stolze[ii], tal contrato entrou na pauta de discussões com o advento da Lei nº 8.971/94, que regulamentou a união estável no Brasil, e posterior alteração pela Lei nº 9.278/1996, a qual dispôs que, para a sua caracterização, basta o intuito do casal em conviver de forma pública e duradoura, com o objetivo de constituir família (art. 1.723, CC).

A partir daí a diferença entre união estável e um simples namoro se tornou tênue, dificultando o trabalho do Judiciário quanto a identificação e, ainda, causando incertezas nos casais que não pretendem, a priori, formar um núcleo familiar.

O objetivo de constituir família é o principal diferenciador entre os institutos, sendo que na união estável ele é preexistente, enquanto no namoro a intenção é projetada para o futuro, sem se ter a certeza de quando e se existirá. Ou seja, na primeira hipótese, o casal se comporta com sendo da mesma família e tem a plena convicção de estarem vivendo em uma relação familiar, sendo, inclusive, reconhecidos socialmente como tal.

Ressalta-se que, ainda que no namoro possa haver uma vontade em formar família, ela ainda não existe, assim como o casal não se comporta como tal. Por isso, mesmo em casos em que as pessoas namoram há 10 anos, por exemplo, não se pode afirmar que vivem em uma união estável.

          Ainda, observa-se que a união estável possui consequências jurídicas, principalmente patrimoniais, como o direito à alimentos, à herança, à partilha de bens e, ainda, os deveres recíprocos de convivência (art. 1.724,CC). São justamente esses efeitos que se pretende afastar com essa forma contratual.



RELEVÂNCIA

          Diante da proximidade entre as hipóteses, muitos casais procuram demonstrar, em documento escrito, sua relação como namorados, visando resguardar seus patrimônios. Isso porque, com a quebra de paradigmas e a proximidade entre os relacionamentos atuais, é comum que um permaneça mais tempo na casa do outro, compartilhando objetos e até mesmo animais de estimação, ainda que não se trate de uma união estável.

Há quem defenda que realizar o contrato de namoro é importante para demonstrar a vontade das partes, inclusive em caso de término, para que não haja, equivocadamente, um pedido judicial requerendo o reconhecimento e dissolução de união estável[iii]. Sendo assim, pode ser considerado como um instrumento interessante para antever essa situação e, caso restar configurada a união estável posteriormente, prever o regime de bens a ser aplicado ou, ainda, deixar claro que não pretendem que aquela relação seja reconhecida como tal.

Todavia, não é possível afirmar que o contrato terá validade, tampouco efeitos jurídicos em todos os casos, ainda que sirva como prova em um eventual processo de reconhecimento de união estável.



VALIDADE E EFICÁCIA

         

Para alguns autores, a declaração de existência de namoro, expresso em contrato, é licita e válida no ordenamento brasileiro, embora seja irrelevante e incapaz de gerar efeitos práticos[iv].

O tema é polêmico visto que muitos operadores do direito entendem que este contrato é nulo. Nessa linha, entendem que as normas referentes à união estável, por serem de ordem pública, sobrepõem-se ao contrato de namoro. Ou seja, mesmo que se faça o contrato de namoro, se eventualmente ficar evidenciada uma união estável, o que valerá é a realidade vivida pelos envolvidos[v].

Assim sendo, o contrato só será nulo quando utilizado para afastar as regras do Direito de Família, de modo em que nenhum acordo entre os particulares será capaz de afastar os efeitos patrimoniais desta entidade familiar. Assim, para Maria Berenice Dias[vi], tal contrato não tem o condão de afastar a responsabilidade patrimonial que venha a surgir decorrente da caracterização da união estável. Para a jurista, o ato é inexistente e ineficaz no ordenamento jurídico, apenas moneterizando a relação afetiva.

Por outro lado, Regina Beatriz Tavares[vii] defende a licitude e validade do contrato de namoro, desde que firmada com a finalidade de refletir a realidade – de simples namoro –, sem causando qualquer dano às partes ou a outrem.

Finalmente, embora desafiem a jurisprudência os casos em que vivem sob o mesmo teto, dormindo na mesma cama e compartilhando a convivência familiar, havendo o entendimento de que se trata de mero namoro e tendo em vista que é o seu estilo de viver, é o desfrute da liberdade do casal. Desta forma, ainda que sem validade jurídica, o instrumento serve como uma forma de exteriorizar o pensamento do casal[viii].



O QUE DIZEM NOSSOS PROFESSORES?



Profa. Dra. Fernanda Schaefer: “O ponto central da discussão parece ser mesmo demonstrar a intenção de ambos em constituir família, elemento subjetivo, interno, de caracterização da união estável. É o compromisso inequívoco de criar uma entidade familiar, assumindo deveres pessoais e patrimoniais recíprocos. É elemento que, sem dúvida, só pode ser avaliado no caso concreto pelo nível de comprometimento do casal.

Dessa forma, ainda que o relacionamento seja prolongado, ainda que haja convivência pública, que frequentem reciprocamente as respectivas casas, que compartilhem interesses, que realizem diversas viagens juntos, se não demonstrada a intenção conjunta de constituir família, união estável não será, ainda que com ela se pareça. Não deve o Estado, atribuir ao namoro o status de união estável, contra a vontade expressa dos namorados, sob pena de sufocar relacionamentos e, até mesmo, provocar insegurança jurídica. [...]

Na prática, então, pode-se afirmar que essas declarações sendo livres de qualquer vício (especialmente os do consentimento) e não se destinando a dissimular uma eventual união estável buscando caracterizá-la como namoro, terão validade pelo que são: declarações bilaterais que afirmam um relacionamento afetivo sem intenção de constituir família, portanto, namoro na sua mais pura configuração, independente do tempo de sua constituição e duração.”





Profa. Me. Adriana Martins Silva: “No meu entendimento, o contrato de namoro não tem nenhuma validade, não tem como surtir efeitos jurídicos, porque, na verdade, o que caracteriza a união estável, diante do artigo 1.723 do nosso Código Civil é a união estável que tem uma continuidade, uma duração razoável, que tem publicidade e com o objetivo de constituição de uma família. Portanto, há um entendimento inclusive do STJ que não há nem a necessidade nem de coabitação e por isso, fica até um pouco complexo fazer uma análise de um namoro sério, em que eu faço inclusive um contrato, em que eu convivo com a pessoa ou não, no mesmo teto, e eu tenho um relacionamento pautado na união dos requisitos próprios dessa entidade familiar. Portanto, deverá ser analisado o caso concreto, precisa ser verificado esse objetivo subjetivo de constituir família. Então, o meu entendimento é que não vai impactar nas situações do âmbito familiar. Namoro é namoro, se não ficar configurada uma entidade com o objetivo desta constituição e juntando os requisitos ora mencionados, não tem como confundir a união estável – entidade familiar sacramentada como tal – e o contrato de namoro, que não tem efetividade nenhuma diante do caso concreto.” 





[i] LARA, Aline. Contrato de Namoro. Migalhas. 21 abr. 2014. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI199310,101048-Contrato+de+namoro>.
[ii] GAGLIANO, Pablo Stolze. Contrato de Namoro. [s.d.] Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br/assets/uploads/artigosc/Pablo_namoro.doc>.
[iii] BARONI, Arethusa; CABRAL, Flávia Kirilos Beckert; CARVALHO, Laura Roncaglio de. Contrato de Namoro: Perguntas e respostas. Direito Familiar. 12 dez. 2018. Disponível em: <https://direitofamiliar.com.br/contrato-de-namoro-perguntas-e-respostas/>.
[iv] MONTEMURRO, Danilo. Contrato de namoro é valido, mas tem pouca eficácia. Conjur. 17 nov. 2013. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2013-nov-17/danilo-montemurro-contrato-namoro-valido-utilidade>.
[v] BARONI, Arethusa; CABRAL, Flávia Kirilos Beckert; CARVALHO, Laura Roncaglio de. Contrato de Namoro: Perguntas e respostas. Direito Familiar. 12 dez. 2018. Disponível em: <https://direitofamiliar.com.br/contrato-de-namoro-perguntas-e-respostas/>.
[vi] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 186.
[vii] SILVA, Regina Beatriz Tavares da. O mal falado contrato de namoro. Disponível em: <http://reginabeatriz.com.br/o-mal-falado-contrato-de-namoro/>.
[viii] PINHEIRO, Raphael Fernando. “Namorar com contrato?” A validade jurídica dos contratos de namoro. Âmbito Jurídico. mai. 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11589>.

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