27/09/2019

Em pauta: Crime cometido no espaço sideral e os desafios da jurisdição na Internet




Por Giovanna Maciel


Recentemente, uma astronauta estadunidense – Anne McClain – foi acusada de cometer o primeiro crime praticado no espaço sideral.

Segundo as informações do caso, McClain viveu por seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS), onde teria acessado a conta bancária de Summer Worden, sua ex-esposa. Conforme a denúncia de Worden, que é oficial de inteligência da Força Aérea dos Estados Unidos, o que ocorreu foi um furto de identidade e acesso indevido a registros privados. Embora a astronauta confirme o acesso às informações bancárias, nega ter sido feito de forma ilegal.

O fato está sendo apurado pela Comissão Federal de Comércio (FTC) e pela NASA, mas levanta-se a questão sobre qual seria o juízo competente para julgar crimes espaciais, já que o espaço, assim como o alto-mar, é considerado res communis (pertence ao mesmo tempo a todos e a ninguém).



Normativa internacional no espaço:

A necessidade de regulamentação jurídica sobre fatos ocorridos no espaço extra-atmosférico teve inicio em 1957, com o primeiro satélite artificial entrando em órbita, o Sputnik, pertencente à União Soviética (1957) e com a posterior chegada do homem à Lua, na Missão Apolo XI (1969).

Entre estes dois marcos, o Institut de Droit International (1963) adotou a primeira Resolução sobre o regime jurídico no espaço, determinando que o espaço e corpo celestes não podem ser objeto de nenhuma apropriação, mas que podem ser livremente explorados e utilizados por todos os Estados, desde que com fins pacíficos. Para Valério Mazzuoli, foi nesse momento que surgiu uma nova parte do Direito Internacional Público.

Com a necessidade de elaborar instrumentos vinculantes, prevendo a direitos e responsabilidades dos Estados, a ONU criou um órgão especial, denominado “Comitê das Nações Unidas para Uso Pacífico do Espaço” (COPUOS), através da Resolução 1.348 (XIII) e 1.472 A (XIV). A partir dos trabalhos do comitê, foram concebidos cinco grandes acordos internacionais sobre o tema:

1.    Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, Inclusive na Lua e Demais Corpos Celestes (1967);

2.    Tratado sobre o Salvamento e a Devolução de Astronautas e a Restituição de Objetos Lançados ao Espaço Ultraterreste (1968);

3.    Convenção sobre Responsabilidade Internacional por Danos Causados por Engenhos Espaciais (1972);

4.    Convenção sobre Registro de Objetos Lançados do Espaço Exterior (1975);

5.    Acordo sobre Atividades dos Estados na Lua e outros Corpos Celestes (1979);



Embora, até hoje, não se tenha um consenso sobre a fronteira entre os espaços aéreo e ultraterrestre, entende-se que a ISS está no espaço sideral, contando com o envolvimento de cinco agências espaciais: NASA (Estados Unidos), CSA (Canadá), JAXA (Japão), Roscosmos (Rússia) e ESA (países europeus). Além disso, conta com uma estrutura legal que estabelece que: a qualquer pessoa e posses no espaço, aplica-se a lei nacional de sua origem. Do mesmo modo como ocorre nas lides em alto-mar, vigorando o princípio da nacionalidade – que abrange crimes cometidos pelos cidadãos de um país fora de duas fronteiras – e o da universalidade – que permite que os países processem alguém por crimes graves contra o direito internacional.

Tal disposição é expressa no primeiro (e mais relevante) tratado, que prevê que o criminoso do espaço, em princípio, está sujeito às leis dos países do que é cidadão, ou ao país do dono da espaçonave onde o crime foi cometido. Nesse sentido, respondendo ao questionamento inicial, o juízo competente para julgar McClain é o Poder Judiciário dos Estados Unidos.

Entretanto, com possibilidade do turismo espacial (que já está sendo amplamente explorada por diversas empresas), nos deparamos com outro problema. Sendo o turista espacial de um país X, voando a bordo de uma nave de um país Y, e venha a cometer um crime, qual dos dois países teriam a autoridade para julgá-lo?

Sem dúvidas, a evolução humana e seu maior domínio sobre as tecnologias, há uma necessidade de mudanças em princípios basilares do Direito Internacional, em especial o Privado, a fim de atender as demandas dos conflitos humanos. Assim, devemos começar a pensar nas nuances de crimes espaciais desde logo, evitando uma “briga entre gigantes” quando, de fato, o turismo espacial for efetivado.



Referências:



ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e; CASELLA. Paulo Borba.  Manual de Direito Público. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.



COMO divórcio teria levado Nasa a investigar denúncia do primeiro crime no espaço. BBC Brasil. 24 ago. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/geral-49463163>. Acesso em: 24 set. 2019.



CREUZ, Derek Assenço. Crimes no Espaço Sideral e o Caso McClain. Jornal de Relações Internacionais. 16 set. 2019. Disponível em: <http://jornalri.com.br/2019-2/crimes-no-espaco-sideral-e-o-caso-mcclain>. Acesso em: 24 set. 2019.



GNIPPER, Patrícia. Cometendo crimes do espaço: como esse tipo de ato pode ser julgado? Canaltech. 30 ago. 2019. Disponível em: <https://canaltech.com.br/espaco/cometendo-crimes-no-espaco-como-esse-tipo-de-ato-pode-ser-julgado-148329/>. Acesso em: 24 set. 2019.



LIMA, Fernando. E se um astronauta matar um colega no espaço? SuperInteressante. 14 ago. 2017. Disponível em: <https://super.abril.com.br/blog/oraculo/e-se-um-astronauta-matar-um-colega-no-espaco/>. Acesso em 24 set. 2019.



MAZZUOLI. Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

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