Por Giovanna Maciel
O dia 30 de
julho é mundialmente considerado o Dia Internacional do Enfrentamento ao Tráfico
de Pessoas, e conta com inúmeras campanhas de prevenção ao crime. No Brasil
não foi diferente e a chamada “Campanha Coração Azul” promoveu ações em diversos
estados, conscientizando a população sobre os riscos da mercantilização humana.
Por definição expressa, especialmente,
no Protocolo de Palermo[i], o
Tráfico de Pessoas:
A expressão
"tráfico de pessoas" significa o recrutamento, o transporte, a transferência,
o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força
ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de
autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no
mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração
sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à
escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;[ii]
Ou seja, a crime é
composto por um processo (ato, meio e finalidade), que tem por objetivo a
exploração de outrem, seja para fins sexuais, laborais (serviços forçados e
trabalhos análogos ao escravo) e a remoção de órgãos. No Brasil, o rol de
finalidades foi ampliado com o advento da Lei nº 13.344/2016, a qual passou a
considerar como finalidade também a adoção ilegal.
Por que é
importante falar sobre isso? Embora muitas pessoas achem que o tráfico humano
não passa de uma lenda urbana, ele acontece muito, diariamente e, em especial
no Brasil, que é um dos países que mais tem pessoas traficadas dentro do
próprio território ou para o exterior. Além disso, nosso país também recebe
muitos estrangeiros vítimas desse crime e sequer nos damos conta disso.
O tráfico de seres humanos
para fins de exploração sexual e laboral é, sem dúvida, uma das principais
preocupações humanas do nosso tempo, pois afeta homens, mulheres e crianças em quase
todos os países. Pessoas de qualquer raça, idade ou status socioeconômico podem
ser traficadas, e um país pode ser um destino, trânsito e / ou origem para
vítimas de tráfico. O tráfico humano, simultaneamente definido como um processo
(recrutamento e transporte) e uma situação de trabalho severamente exploradora
(controle psicológico e físico), não é um fenômeno novo. (Tradução nossa)[iii]
De acordo o
Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas, elaborado pelo Escritório das Nações
Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em 2003 foram registrados menos de 20 mil
casos ao redor do mundo, enquanto em 2016 foram mais de 25 mil. Ainda, no
Brasil, entre 2005 e 2011, foram investigadas 514 denúncias desse crime,
resultando no indiciamento de 381 suspeitos, dos quais apenas 158 foram presos,
devido aos limites da legislação e de dificuldades em reunir provas[iv].
É importante saber que só esse ano, no Paraná, houve 41
denúncias até o dia 18 de julho, tanto de tráfico internacional como local,
para todas as formas de exploração[v].
Conforme nos ensinam Capez e Prado[vi],
o tráfico humano “é uma das formas mais graves e atentatórias
da dignidade humana, pois consiste na subjugação do indivíduo, muitas vezes, de
forma desumana, cruel e degradante”.
O tráfico de pessoas é primariamente
uma violação dos direitos humanos, que deve ser tratada dentro da estrutura
internacional de direitos humanos; a abordagem do direito penal, que se
concentra principalmente em processos judiciais, especialmente no contexto do
crime organizado, deve sempre incorporar um elemento de direitos humanos que
seja sensível ao gênero e deve se basear no princípio de que os direitos das
pessoas traficadas devem ser sempre respeitados. [...][vii]
Por fim, não se pode deixar de mencionar
que muitas pessoas não percebem que foram traficadas. Nesses casos, as vítimas
podem não perceber o caráter abuso da relação empregatícia, “até mesmo
por, possivelmente, já terem vivenciado situações similares de exploração e
violência no seu país ou cidade de origem”[viii].
Outras podem compreender que tal experiência foi apenas uma má escolha, que as
obrigou a permanecer como “escravas” até a quitação das dívidas, mas que logo
cessará. Por isso é tão difícil identifica-lo e punir os responsáveis.
[i]
Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas,
em Especial Mulheres e Crianças. Adotado em Nova Iorque, em 15 de novembro de
2000 e promulgado no Brasil, pelo Congresso Nacional, em 29 de maio de 2003,
com ratificação junto à Secretaria Geral da ONU em 29 de janeiro de 2004.
[ii]
Artigo 3, alínea “a” do Protocolo de Palermo
[iii]
BERTONE,
Andrea M. Human Trafficking. In: GOODHART, Michael (org). Human Rights: Politics and Practice. 3ª ed. Nova York: Oxford
University Press, 2016. p. 275. Texto original: “Human trafficking for sexual and labour exploitation is undoubtedly
one of the major humans concerns of our time, as it affects men, woman, and
children in nearly every country. Persons of any race, age, or socio-economic
status can be trafficked, and a country may be a destination, transit, and/or
origin for trafficking victims. Human trafficking, simultaneously defined as a
process (recruitment and transportation) and a severely exploitative work
situation (psychological and physical control), is not a new phenomenon.”
[iv]
FONTANA, Nádia. Tráfico humano, cruel realidade que faz vítima em todo o mundo.
Assembleia Legislativa do Estado do
Paraná. 31 jul. 2019. Disponível em: <http://www.assembleia.pr.leg.br/divulgacao/noticias/trafico-humano-cruel-realidade-que-faz-vitimas-em-todo-o-mundo>.
[v]
Ibid.
[vi]
CAPEZ; PRADO, 2010 Apud BRITO FILHO, José
Cláudio Monteiro de. Tráfico de Pessoas: os Bens Jurídicos protegidos. In:
BRASIL, Secretaria de Justiça. Cadernos
Temáticos sobre Tráfico de Pessoas. Volume 1: Conceito e Tipologias de Exploração. Brasília: Ministério da Justiça.
2015. p. 70
[vii]
ONU, Assembleia Geral. Relatório do
Relator Especial do Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças
(A/73/171), de 17 de julho de 2018. p. 18. Disponível em: <https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N18/227/00/PDF/N1822700.pdf?OpenElement>.
[viii]
BRASIL. Secretaria de Justiça. Critérios
e Fatores de Identificação de Supostas Vítimas do Tráfico de Pessoas.
Brasília: Ministério da Justiça, [?]. p. 28.
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