02/05/2013

DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE DO PACIENTE - RES. 1995/2012 (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA) - Prof.ª Msc. Maria da Glória Colucci


DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE DO PACIENTE -
RES. 1995/2012 (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA)

Prof.ª Msc. Maria da Glória Colucci

            Os novos recursos tecnológicos, que permitem o prolongamento da vida humana em situações de terminalidade, fundamentaram a recente iniciativa do Conselho Federal de Medicina, em agosto do corrente ano, quanto à disposição antecipada de vontade do paciente.
            Como assinala a Resolução n. 1995/2012, em Exposição de Motivos de seu relator, a precitada normativa procurou encontrar alternativas formalizadas à necessidade do profissional médico de conhecer a vontade do paciente, respeitando-a – quando em situações de terminalidade – em razão da “[...] dificuldade de comunicação do paciente em fim de vida”. [i]
            Na execução das declarações de vontade dos pacientes, diante da impossibilidade de manifestação livre e autônoma de seu querer, devido a grave doença terminal, defronta-se o médico com o dever de respeitar as “diretivas antecipadas” de vontade por aquele exaradas, a menos que estejam em desacordo com o Código de Ética Médica (art. 2º, § 2º). [ii]
            No entanto, dando igual ênfase à autonomia do paciente, princípio basilar da Bioética, reconhece a Resolução n. 1995/2012 que maiores formalismos poderão ser dispensados nas situações em que a vontade livre do paciente tiver sido comunicada, diretamente, ao médico, que a registrará no prontuário (art. 2º, §4º). [iii]
            A propósito da possibilidade de se ouvir e considerar a vontade do paciente, externada ao médico, em situações de dor e sofrimento, Maria Julia Kovács, em pesquisa realizada com diversos pacientes, sobretudo em tratamento de câncer, afirma que:

Parece evidente falar em autonomia quando se pensa em pessoas, mas será que esta certeza permanece quando se trata de pacientes gravemente enfermos? Podem tomar decisões sobre sua vida, quando estão em sofrimento? Não tenho dúvidas a respeito, mas para familiares e profissionais de saúde esta pode ser uma questão complexa. [iv]
            Como se constata, a Res. n. 1995/2012 regulou situação conflitante, recorrente na prática médica, quando o profissional médico se depara com dúvidas, não só quanto às alternativas de tratamentos, mas quanto à suspensão de procedimentos que prolonguem a existência sofrida do paciente, sem acréscimos à sua qualidade de vida (distanásia).
            O conflito ético se torna mais angustiante quando se cogita da ortotanásia, uma vez que os prognósticos sinalizam que o sofrimento do paciente tende a se intensificar e os procedimentos utilizados não mais respondem a uma saída favorável à vida.
            Desesperados, os familiares e o próprio paciente temem o confronto com a inexorabilidade da morte, concordando com a dilação do fim da vida (ou da morte?), mesmo quando a doença esteja em estágio avançado. Os tratamentos dispensados aos pacientes nem sempre são claramente comunicados aos familiares ou mesmo ao paciente quando aptos a entendê-los:

Muitos pacientes não reconhecem a sua possibilidade de autonomia. Acham que ao expressar sua vontade estarão contestando seus médicos a quem devem estar sempre agradecidos numa atitude de conformidade e resignação, muito presente no serviço público. [v]

            No entanto, a Resolução n. 1995/2012 dá à vontade do paciente prevalência sobre os desejos de seus familiares e sobre qualquer outro parecer não médico: “As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares”. [vi]
            Observa-se, no texto da Resolução 1995/2012 a presença de três pilares que a sustentam: a) autonomia do paciente, cuja vontade se sobrepõe aos desejos de seus familiares; b) liberdade do profissional médico de, baseado em sua consciência e no respeito às diretrizes éticas de sua atividade, recepcionar as diretivas antecipadas de vontade do paciente e c) o reconhecimento da importância dos Comitês de Ética nas questões de terminalidade da vida.
            A começar pelo respeito à autonomia do paciente, quer por meio de “diretiva antecipada de vontade” formalizada ou por comunicação direta ao profissional médico (art. 2º, §4º da Resolução 1995/2012), trata-se de dever irrefutável da família, do representante designado e do (s) médico (s) que o assistem:

A tentativa de afastar a morte leva, muitas vezes, o doente a morrer na hora da equipe de saúde e não mais na sua hora. O funcional substitui o humano, processo cuja consequência é a desumanização do atendimento àquele que morre. Resgatar o humano no processo da morte e do morrer não é tarefa fácil, pois implica em olhar-se no espelho da própria finitude. [vii]

            Autonomia significa, neste contexto, reconhecer-se ao paciente o direito de autogovernar-se, escolhendo o seu próprio caminho, tanto na vida, quanto na morte.
            O direito ao próprio corpo fundamenta, dentre outros princípios, a liberdade de dispor de partes, tecidos ou órgãos, em benefício de outrem, por liberalidade, como dispõe o art. 14 do Código Civil. [viii] Da mesma forma, permite à pessoa decidir, em vida, de forma antecipada, como deseja que se proceda quanto ao seu funeral, cinzas etc.
            Seguindo o mesmo diapasão, a possibilidade de manifestar a sua vontade “[...] sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade”, veio reconhecer a liberdade da pessoa, antecipadamente, dispor do próprio corpo em situações de terminalidade ou em circunstâncias em que esteja, temporariamente, privado de consciência, de acordo com a Resolução 1995/2012, no art. 1º.
            O dever do médico de acolher as diretivas antecipadas de vontade do paciente não vai ao ponto de ferir sua consciência (crenças, sentimentos, além de outras questões de foro íntimo), além de princípios do Código de Ética Médica.
            Por outro lado, o direito do paciente de opor-se ao tratamento, ou procedimentos, não abrange as situações de emergência em que haja risco de vida ou exposição da saúde coletiva. [ix]
            A participação dos Comitês de Bioética, ou na sua falta, da Comissão de Ética Médica do hospital ou do Conselho Regional e Federal de Medicina na composição de conflitos éticos envolvendo as “diretivas antecipadas de vontade do paciente” deixam clara a percepção da Resolução 1995/2012, de que a polêmica apenas começou no Brasil, apesar de no Direito Positivo de diversos países, já terem se consagrado como práticas médicas consolidadas pelo uso.
            A Exposição de Motivos da Resolução n. 1995/2012 coleciona significativo rol de disposições de diversos códigos de ética, a exemplo da Espanha, Itália e Portugal no sentido de “[...] o médico respeitar as diretivas antecipadas do paciente, inclusive verbais”. [x]
            Em destaque, pela proximidade histórica e cultural, o Código de Ética Médica português dispõe em seu art. 46 que o médico deve identificar o melhor interesse do doente e a decisão que tomaria se pudesse fazê-lo de forma livre e esclarecida. [xi]
            Nem sempre a intenção de preservar e prolongar a vida do paciente coincide com o melhor interesse dele ou mesmo de sua família, em decorrência da presença de práticas médicas configuradas como “obstinação terapêutica” se aproximarem de extremos tais que podem ofender a dignidade do paciente.
            Neste contexto, insiste Luciano de Freitas Santoro:

A bem da verdade, tanto o direito à vida quanto o princípio da dignidade têm uma relação intrínseca, porque nascem com o ser humano e caminham juntos ao longo de toda a sua jornada, já que o que se pretende garantir, através do reconhecimento desses direitos fundamentais, são condições existenciais mínimas para o seu pleno desenvolvimento, sem a submissão a qualquer conduta degradante ou desumana. [xii]

            O intenso sofrimento causado ao paciente moribundo, e a expectativa dolorosa dos familiares, ensejou a edição da Resolução n. 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina que ao proibir a “obstinação terapêutica” obriga, no entanto, o médico a prestar cuidados paliativos. [xiii]
            Todavia, entendeu-se na critica jurídica especializada e nos meios acadêmicos, que a disposição do artigo 1º da Resolução n. 1805/2006 estaria incentivando a prática da ortotanásia, quando, na verdade, tal não era a finalidade da normativa em comento.
            Com o novo Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução CFM Nº.1931, de 17 de setembro de 2009, que entrou em vigor no dia 14 de abril de 2012, ficou clara a intenção de não proceder, ou mesmo estimular, a distanásia, mas de respeitar o direito do paciente de morrer em seu “tempo e hora” (ortotanásia):

Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. [xiv]

            As razões que justificam as distintas e contraditórias opiniões sobre o tema da ortotanásia, e questões referentes à eutaná
sia, podem ser melhor analisadas no texto da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em 2007. [xv]



[i]BRASIL. Conselho Federal de Medicina – Resolução n. 1995, 9 de agosto de 2012: justificativas (1). Disponível em www.portalmedico.org.br.
[ii]“O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica”.
[iii]“O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente”.
[iv]KOVÁCS, Maria Julia. Pesquisa com pacientes gravemente enfermos: autonomia, riscos, benefícios e dignidade. Revista Bioética. Vol. 17, nº. 2 – 2009. Brasília, Conselho Federal de Medicina, 2009, p. 310.
[v]Idem, p. 311.
[vi]BRASIL. Conselho Federal de Medicina – Resolução n. 1995, 9 de agosto de 2012: art. 2º, §3º. Disponível em www.portalmedico.org.br.
[vii]COVOLAN, Nádia T./CORRÊA, Clynton Lourenço/, HOROCHOVSKI, Marisete T. Hoffmann,/ MURATA, Marília P. F. Quando o vazio se instala no ser: reflexões sobre o adoecer, o morrer e a morte. Revista Bioética. Vol. 18, n. 3 – 2010. Brasília, conselho Federal de Medicina, p. 565.
[viii]“É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte” – art. 14, lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – (Código Civil).
[ix]BRASIL, Código Penal. Decreto-lei 2848, de 7 de dezembro de 1940, art. 146, §3º, I. Disponível em www.
[x]BRASIL. Conselho Federal de Medicina. Resolução 1995/2012 – Exposição de Motivos (justificativa 4). Disponível em www.portalmédico.org.br.
[xi]Idem.
[xii]SANTORO, Luciano de Freitas. Morte digna: o direito do paciente terminal. Curitiba: Juruá, 2011, p. 77.
[xiii]BRASIL. Conselho Federal de medicina. Resolução CFM 1805, de 9 de novembro de 2006 – art. 1º: “É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. Disponível em www.portalmedico.org.br/resoluções/cfm/2006/1805 - 2006.html
[xiv]BRASIL. Código de Ética Médica: Resolução CFM 1931/2009. Disponível em www.portalmedico.org.br/resoluçoes/cfm/2009 - 1931
[xv]Disponível em www.df.trfl.gov.br/inteiro_teor/doc_inteiro_teor/14vara/2007.34.00.014809-3_decisao_23-10-2007.doc>. 

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