Por Rafaella Pacheco.
Mais uma
denúncia internacional ao governo Bolsonaro
Na segunda-feira, dia 15 de março, a Comissão de Defesa dos
Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), em parceria com a
Conectas Direitos Humanos, fez um discurso denunciando a conduta de profundo
descaso, a atuação irresponsável e em constante desacordo a bases científicas do
Presidente Jair Bolsonaro em relação ao enfrentamento à crise sanitária da
COVID-19. A denúncia foi realizada ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em
Genebra, na Suíça.
“A situação do Brasil é desesperadora. A covid-19 está causando um enorme impacto em perdas de vidas e dificuldades econômicas. A doença atingiu desproporcionalmente a população negra e mais pobre, as comunidades indígenas e tradicionais [...] É por isso que estamos aqui, hoje, para chamar a atenção deste Conselho e apontar a responsabilidade do presidente Bolsonaro em promover, por palavras e atos, uma devastadora tragédia humanitária, social e econômica no Brasil.” (Maria Hermínia Tavares de Almeida da Comissão Arns)
Esta é a quarta vez que o Chefe do Executivo foi
denunciado internacionalmente desde 2019. A primeira denúncia realizada no
Tribunal Penal Internacional referia-se a crimes contra a humanidade e incitação
ao genocídio de povos indígenas. Em março de 2020, na 43ª Sessão do Conselho de
Direitos Humanos da ONU, o porta-voz dos ianomâmis, Davi Kopenawa denunciou os
atos de Bolsonaro em relação à violações de direitos de povos tradicionais
isolados. E em julho do mesmo ano, foi realizada uma denúncia pela liderança da
Rede Sindical UniSaúde ao Tribunal de Haia em relação a má gestão de nosso
Chefe de Estado no enfrentamento e contenção da pandemia no Brasil.
Cultura
do encarceramento feminino
Entre janeiro de 2019 e janeiro de 2020 foi realizada uma
pesquisa pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro sobre “Mulheres
nas audiências de custódia no Rio de Janeiro”. Constatou-se que 25% das
mulheres detidas em flagrante cumprem os requisitos legais para serem colocadas
em liberdade provisória nas audiências de custódia, porém são mantidas em
prisão preventiva. E 533 mulheres entrevistadas para este relatório preenchiam
os critérios objetivos para prisão domiciliar, que foram ignorados. Ainda, foi
relatado por 17,5% casos de violência no momento da prisão em flagrante. Elas descreveram
que quando presas sofreram “tapas, golpes no ombro, enforcamento, empurrões e
chutes, e outros”.
Os
dados e o relatório foram apresentados nos dias 11 e 12 de março deste ano, durante
o evento virtual "Encarceramento feminino em perspectiva: 10 anos das regras de Bangkok", da Defensoria Pública. O Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro respondeu ao estudo apresentado informando que há mais requisitos a
serem considerados para a manutenção da prisão ou soltura de uma custodiada,
dentre eles “a gravidez ou a guarda de filho menor de 12 anos, devem ser
aferidos requisitos de adequação da medida à gravidade do fato, além da
periculosidade na concessão de prisão domiciliar”.
Neste
mês, devido ao Dia Internacional da Mulher, a Defensoria Pública do Espírito
Santo também apresentou um relatório que acompanhou as unidades prisionais
femininas a fim de analisar as condições das 583 presas condenadas do Estado. E
foi constatado um aumento de 42% na população carcerária feminina entre 2008 e
2018, que segue crescendo mesmo em meio a pandemia. O perfil dessas mulheres é
de mães jovens, responsáveis pela provisão do sustento da família, vindas das
camadas mais economicamente vulneráveis da sociedade e de baixa escolaridade. O
estudo ainda destacou que os efeitos do encarceramento feminino são mais
gravosos que o masculino.
Há
um estigma moral enfrentado pelas mulheres encarceradas que diverge da forma
como o homem encarcerado é recebido socialmente. Elas não recebem o perdão e
acolhimento social e familiar que detentos homens recebem (em grande parte de
suas mães e esposas, ou seja, de outras mulheres). E, com isso, afeta-se os
direitos relativos à dignidade dessas mulheres, por meio da restrição ao
convívio familiar, precarização da estrutura familiar e rompimento afetivo,
dentre outros.
Estratégias
de enfrentamento à violência de gênero por parte do CNJ
Na
terça-feira do dia 16 de março, a Agência CNJ de notícias anunciou que o
Conselho Nacional de Justiça dará início a um Grupo de Trabalho para a elaboração
de um Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero. A coordenadora do
grupo de trabalho é a conselheira Ivana Farina, que informou ser o objetivo do GT “criar um guia para que o julgamento de casos concretos seja feito sob a
lente de gênero e assim avance nas políticas de equidade” de modo que possa
capacitar e orientar os magistrados na realização dos julgamentos.
A
conselheira destacou que o Brasil adotou ao “Modelo de protocolo latino-americano
de investigação de mortes violentas de mulheres por razões de gênero
(feminicídio)” desde 2016, mas ainda assim o crescimento contínuo da violência
de gênero demanda mais atenção, debate e combate. E, desta forma, Farina
compreende a necessidade de “uma mudança cultural que faça a Justiça brasileira
avançar nessas questões e romper com desigualdades históricas a que mulheres
foram submetidas”.
Plano
Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas
Na
terça-feira do dia 16, o Ministro Luís Roberto Barroso homologou parcialmente o
Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas do governo federal
na ADPF 709. Três pontos principais foram observados nesta decisão: o
isolamento de invasores; a vacinação; e a autodeclaração enquanto
reconhecimento de povos indígenas.
Em relação
a proposta de isolamento de invasores de terras indígenas o Ministro não a
homologou, determinando que um novo plano fosse apresentado pelo Ministério da
Justiça e Segurança Pública em conjunto a Polícia Federal.
Quanto
a saúde dos povos indígenas frente a pandemia, Barroso entendeu que, estando em
condições de igualdade com demais povos indígenas, é prioridade a vacinação dos
povos indígenas de terras não homologadas e urbanos sem acesso ao SUS.
Por
fim, o Ministro suspendeu a validade da Resolução 4/2021 da Funai que
estabelecia critérios de heteroidentificação dos povos indígenas. Nela entendia-se
como principal critério de reconhecimento o vínculo com o território ocupado ou
habitado pelo indígena, pontuando ainda que os lastros deveriam ser
determinados por critérios técnicos/científicos (estes não especificados pela
resolução). Barroso ressaltou que o critério basilar para a identificação dos
povos indígenas é a autodeclaração.
Assegurada
a reserva para o cinema nacional e programas de rádio locais
Por 10
votos a 01, na quarta-feira do dia 17 de março, o Plenário do STF declarou a
constitucionalidade da obrigatoriedade em se exibir filmes nacionais nos
cinemas e em se transmitir programas culturais, artísticos e jornalísticos
locais em rádios. Em relatoria da RE 627.432, o ministro Dias Toffoli salientou
a hegemonia do mercado cinematográfico por grupos empresariais estrangeiros que
dificultam a veiculação de outras obras em cinemas e plataformas de mainstream.
Neste âmbito, o ministro reforça a importância da observância da justiça social
ao se pensar a livre iniciativa e o direito de propriedade. Para Toffoli a “"cota
de tela" é uma medida que respeita esse princípio, aumentando a
competitividade do setor audiovisual, promovendo a cultura nacional e gerando
renda e empregos.”.
Na
relatoria do 1.070.522, o presidente Luiz Fux seguiu a mesma linha do
posicionamento de Toffoli, e apoiando-se no artigo 221 da Constituição destacou
que tal decisão está imbuída do objetivo de erradicar as desigualdades
regionais e sociais do Brasil e assegurar uma reserva audiovisual que promove a
manutenção da cultura, arte e do jornalismo local contribui para este intento.
O
voto vencido em ambos os casos foi do Ministro Marco Aurélio que questionou o porquê
de a reserva de conteúdo nacional não ser destinada a peças de teatro e livros,
e defendeu que a via legislativa seria a adequada para determinar o tempo de
exibição de programas culturais, artísticos e jornalísticos locais nas rádios.
Conflitos
entre a defesa da liberdade econômica e a saúde pública
As divergências entre os entes do Poder Executivo de
nosso país, em termos de medidas restritivas visando o combate e enfrentamento
ao vírus Covid-19, têm sido exaustivas e potencializadas ao longo da crise
pandêmica que vivemos. Em live realizada na quinta do dia 18 de março, o
Presidente Jair Messias Bolsonaro anunciou que entrou com uma ação no Supremo
Tribunal Federal para que os atos normativos que versam sobre o fechamento de
serviços não essenciais, expedidos por entes federados como o Distrito Federal,
Rio Grande do Sul e Bahia, sejam suspensos e anulados. O Chefe de Estado alegou
que assuntos de tal matéria - para que estejam alinhados com a legalidade no
que tange aos princípios estabelecidos na Lei de Liberdade Econômica - deveriam
ser versadas por lei específica e não por medidas emergenciais.
Interessante de se refletir como a proteção da economia
ganha destaque no discurso de nosso presidente e como há clareza em relação aos
atos normativos do administrativo que, por serem redigidos em períodos de
exceção, contém forte risco de violação a direitos e princípios já
estabelecidos. Seria mais interessante ainda ver o mesmo tipo de cautela com outras
matérias, como questões migratórias e as portarias de fechamento de fronteiras.
Ainda não foi definido o relator para esta ação, mas
Alexandre de Moraes, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, já atuaram e atuam em
casos relacionados à competência dos entes federados em relação ao
enfrentamento da crise sanitária atual.
Judicialização
de direitos da população carcerária LGBTQI
Na sexta do dia 19 de março, o ministro do Supremo Tribunal
Federal, Roberto Barroso, visando a proteção e dignidade da população
carcerária LGBTQI, decidiu que transexuais e travestis terão a opção de
escolher onde preferirão cumprir suas penas, se em penitenciárias femininas ou
masculinas. O procedimento se dará conforme consulta e manifestação de
interesse individual da pessoa em detenção e, caso decida por uma prisão
masculina, sua pena deverá ser cumprida em ala especial. Há dois anos o
ministro já havia se manifestado sobre o tema, determinando que detentas
transexuais femininas fossem para presídios compatíveis com suas identidades de
gênero.
Uma decisão nesta seara por via judiciária é considerada
inédita, de acordo ao jurista Thiago Sorrentino em entrevista à Gazeta do Povo,
pois demandas como essas, em outros países, foram acolhidas e garantidas pela
via legislativa.
REFERÊNCIAS
COLETTA, R.; CARVALHO, D.; TEIXEIRA, M. Em ação ao STF, Bolsonaro pede anulação de normas de estados e diz que governadores não podem fechar serviços por decreto. Brasília: Folha de São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2021/03/em-acao-ao-stf-bolsonaro-pede-anulacao-de-normas-de-estados-e-diz-que-governadores-nao-podem-fechar-servicos-por-decreto.shtml>. Acesso em: 21.03.2021.
DETTMAN, Glaucio. Aumento do encarceramento feminino no ES é tema de relatório que será divulgado em 08 de março. Vitória: Espírito Santo Hoje, 2021. Disponível em: < https://eshoje.com.br/aumento-do-encarceramento-feminino-no-es-e-tema-de-relatorio-que-sera-divulgado-em-8-de-marco/>. Acesso em: 21.03.2021.
HERCULANO, Lenir Camimura. Grupo de trabalho vai elaborar protocolo de julgamento com perspectiva de gênero. Brasília: Agência CNJ de Notícias, 2021. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/grupo-de-trabalho-vai-elaborar-protocolo-de-julgamento-com-perspectiva-de-genero/>. Acesso em: 21.03.2021.
NA ONU, entidades denunciam governo Bolsonaro por ‘devastadora tragédia humanitária’. Brasília: Conectas, 2021. Disponível em: <https://www.conectas.org/noticias/na-onu-entidades-denunciam-governo-bolsonaro-por-devastadora-tragedia-humanitaria>. Acesso em: 21.03.2021.
PRESAS travestis e trans poderão optar onde cumprir pena, decide Barroso. Curitiba: Gazeta do Povo, 2021. Disponível em: <https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/presas-travestis-e-trans-poderao-optar-onde-cumprir-pena-decide-barroso/>. Acesso em: 21.03.2021.
Relatório da Defensoria Pública mostra que 1 a cada 4 mulheres apta a ser solta no RJ segue presa. Rio de Janeiro: G1 Rio, 2021. Disponível em: < https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2021/03/11/relatorio-da-defensoria-publica-mostra-que-1-a-cada-4-mulheres-apta-a-ser-solta-no-rj-segue-presa.ghtml>. Acesso em: 21.03.2021.
RODAS,
Sérgio. STF valida reserva para filmes nacionais e programas de rádio locais.
Brasília: Revista Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2021-mar-17/stf-valida-reserva-filmes-nacionais-programas-radio-locais>.
Acesso em: 21.03.2021.
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