Por
Christina M. Carreiro
Em
uma primeira visão sobre o tema, há de se desanuviar o conceito de sequestro de
crianças, muitas vezes visto como a mera detenção indevida do infante ou
adolescente por um de seus pais. Ora, a temática vai muito além disso,
porquanto a mudança da residência habitual do mesmo, além de envolver um outro Estado
soberano, trata da ausência de conhecimento ou consentimento de um dos
genitores¹. A guarda unilateral sem o resguardo de uma
sentença, judicial ou extrajudicial, tem o potencial de provocar prejuízos de diversas
ordens aos envolvidos, questão a qual o Direito Internacional Privado também se
dedica a evitá-los e tutelar.
Com o
avanço da racionalidade do Direito de Família no Brasil, finalmente
reconhecendo a criança como sujeito de direitos, ativo e influente no seio familiar,
houve de se atualizar diplomas internacionais, quando a
nação se torna signatária da Convenção de Haia de 1980², além da que rege a adoção internacional, de 1993. Desde então,
é formada uma jurisprudência clara e pacífica, em verdadeiro desincentivo à
conduta lesiva – vide banco de dados atualizado de INCADAT.
Diante
da dificuldade de se estipular medidas de urgência em um contexto
internacional, o estrito cumprimento das normas de DiPri através de uma efetiva
cooperação entre Estados
signatários se faz
especialmente relevante, quando
a transferência, também chamada de retenção ou subtração ilícita, já ocorrera e
é preciso reparar ou mitigar o dano o quanto antes.
A Carta
Magna prevê, por exemplo, a competência ao STJ para homologar sentença
estrangeira e conceder exequatur às cartas rogatórias — art. 105, inciso I —, bem como a execução por
parte de Juízos Federais, art. 109, X, ambos da CF/88. Porém, diante do número
excessivo de casos internos, como lidar com demandas internacionais? Considerando
que a referida convenção, a de 1980, é norma
infraconstitucional, submetida à legislação interna hierarquicamente
superior, que é a Constituição, deverá o juízo brasileiro conciliar não apenas
o interesse do litigante³, o eventual entendimento da corte
estrangeira, mas também, enquanto na fase instrutória da lide, a viável e adequada produção de
provas⁴.
Desta
forma, considerado o art. 6º da Convenção, a autoridade central brasileira é a
União (AGU), cuja responsabilidade de responder internacionalmente é delegada à
Secretaria Especial de Direitos Humanos – Dec. 3951/2000. Recebido
o pedido de restituição e preenchidos os requisitos
formais⁵, notifica-se a Interpol para localização da criança em
caráter sigiloso, geralmente no caso em que o Brasil seja Estado demandado, mas
no caso de que o menor esteja no Brasil por genitor estrangeiro, e se manterem
em situação irregular, é notificada a Polícia Federal para saída voluntária do
acusado de retenção ilícita da criança; senão, repassado o caso à Polícia de
Imigração para a deportação. Localizada a criança, informado o acusado de
processo em trâmite, após tentativa de conciliação, remete-se à AGU para
ingresso da ação.
Assim,
o Brasil prevê o retorno imediato da criança em sede de tutela antecipada de
mérito, o qual aqui se questiona. Muito embora a Convenção preveja a celeridade
na restituição do menor, devem ser observadas as condições pelas quais o menor
passa no contexto aonde vive se
comparado donde foi retirado, além de características diversas, como qualidade do vínculo afetivo de parentesco,
passível de decisão de mantimento da criança
no local aonde foi readequada — sem desrespeitar a jurisprudência da Comunidade
Internacional. (O próprio STJ⁶ se refere ao “combate” do
Sequestro Internacional de Crianças, termo perigoso se visto unicamente de um
ponto de vista combatente, e não devidamente ponderado).
Haja
vista o comentado caso Sean Goldman, há de se salientar que o papel do DiPri
não é fomentar discussões políticas e empresariais, de grande caráter comercial
e especulativo, meramente, mas respeitar o Direito de Família dos Países
envolvidos na demanda, enquanto preserva a criança de uma exposição exacerbada
e prejudicial ao seu processo de desenvolvimento. A situação, tanto do infante
quanto de seu genitor, deve sempre estar regularizada, além de respeitado o
espaço pessoal de criança, e analisadas as suas posições sociais e
psicológicas.
A
partir de uma análise de legalidade do pleito particular é que se avalia a
necessidade e possibilidade de laudos psicossociais para o conhecimento do contexto
do menor. Quanto ao princípio do “melhor interesse da criança”, por vezes camuflado
como o melhor interesse dos pais, há de se ter cuidado na interpretação
jurídica e fundamentos de sentenças judiciais, evitando a permissividade de
expressões radicais e preconceituosas — como a de nacionalistas
e xenófobos oportunistas.
Nesse
presente trabalho acadêmico se defende uma posição ponderada da Justiça Federal
enquanto cumpridora de Convenções Internacionais, eis que não haja uma mais
relevante que a outra em matéria de DiPri. Considera-se a Convenção de Haia bem
redigida, ainda que cerca de quarenta anos atrás, apenas aprimorada pela interpretação
de novos entendimentos do Direito de Família Contemporâneo, como a multiparentalidade,
casamento homossexual, e demais composições de família.
Deste
modo, dá-se especial enfoque ao art. 13, b,
da Convenção quando,
em complemento ao que
cita Jacob Dolinger⁷, há
previsão de não
restituição do menor quando há probabilidade de dano físico
ou psíquico dele caso assim se procedesse de volta ao seu local de origem, situação,
esta intolerável ou ainda,
caso o adolescente, atingindo a maioridade, se opõe
ao seu retorno.
Adayr
Dyer, quando foi primeiro secretário da Comissão Especial da Conferência de DIP, em Haia, 1993, ressaltou
a relevância de se considerar a exceção — de não retorno da criança quando a ação foi aqui
interposta, ou de não homologar sentença
estrangeira — com muito cuidado, sem excessos, devidamente fundamentada⁸.
A
proteção de crianças enquanto discutível matéria de ordem pública há de ser considerada, ainda que em grau recursal, priorizando o comportamento
preventivo estatal de evitar separação entre irmãos ou de qualquer figura afetiva
fática da convivência do infante/adolescente — ponto este não pacífico na
doutrina, na medida em que observada, aliás, a práxis dos Estados contratantes⁹.
NOTAS DE RODAPÉ:
¹Similar ao contexto de alienação parental, tão suscitado em discussões de Psicologia Jurídica, Mediações, e Direito de Família.
²Vigente, hoje, em mais de 80 Estados contratantes.
³A depender, poderá ser protelatório e excessivamente litigante, gerando uma demora excessiva na resolução da demanda. O perigo de um erro judicial aumenta se diante de medidas de urgência.
⁴Possibilitando um efetivo protecionismo do melhor interesse da criança, diante de todo um contexto social e psicológico, sobretudo quando a demanda é revestida de caráter internacional.
⁵Como os genéricos do código processual civil de medidas cautelares, pertinência temática do pedido, e prova pré-constituída suficiente a guiar uma cognição sumária, bem como instruir a petição com demais documentos
⁶Vide título da página: https://www.stf.jus.br/convencaohaia/cms/verTexto.asp Acessada em 10/04/2020.
⁷Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 256.
⁸Relembra o mesmo autor Dolinger, na página 258.
⁹Página 305, idem acima.
¹Similar ao contexto de alienação parental, tão suscitado em discussões de Psicologia Jurídica, Mediações, e Direito de Família.
²Vigente, hoje, em mais de 80 Estados contratantes.
³A depender, poderá ser protelatório e excessivamente litigante, gerando uma demora excessiva na resolução da demanda. O perigo de um erro judicial aumenta se diante de medidas de urgência.
⁴Possibilitando um efetivo protecionismo do melhor interesse da criança, diante de todo um contexto social e psicológico, sobretudo quando a demanda é revestida de caráter internacional.
⁵Como os genéricos do código processual civil de medidas cautelares, pertinência temática do pedido, e prova pré-constituída suficiente a guiar uma cognição sumária, bem como instruir a petição com demais documentos
⁶Vide título da página: https://www.stf.jus.br/convencaohaia/cms/verTexto.asp Acessada em 10/04/2020.
⁷Direito Internacional Privado: A criança no Direito Internacional. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar: 2003, p. 256.
⁸Relembra o mesmo autor Dolinger, na página 258.
⁹Página 305, idem acima.
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